A verdade e a mentira na escalada do imperialismo contra a Rússia – notas breves essenciais

Luís Carapinha

Desde a dé­cada de 90, a NATO ca­valgou até às fron­teiras da Rússia

1. A obs­cena cam­panha pro­vo­ca­tória do im­pe­ri­a­lismo contra a Fe­de­ração Russa in­ten­si­ficou-se con­ti­nu­a­mente nas úl­timas se­manas. A co­berto da falsa e cí­nica afir­mação de de­fesa da Ucrânia, os EUA e a NATO levam a cabo em toda a linha das fron­teiras oci­den­tais da Rússia uma vasta ope­ração de re­forço e mo­bi­li­zação de meios mi­li­tares, in­cluindo ofen­sivos, sem pre­ce­dentes nas úl­timas dé­cadas.

Como lem­brava re­cen­te­mente o pre­si­dente russo, são os EUA e a NATO que avançam em di­recção às fron­teiras russas e não o con­trário. Pa­ra­le­la­mente, ali­men­tando o clima ins­ta­lado de his­teria e de­sin­for­mação do­mi­nantes, em que se clama, há dias a fio, por uma in­vasão russa da Ucrânia, os EUA, a Grã-Bre­tanha, a NATO e a UE mul­ti­plicam os ce­ná­rios de novas san­ções contra a Rússia.

O agra­va­mento das ten­sões com­porta graves riscos à se­gu­rança e à paz na Eu­ropa e no mundo. Tais actos não só afrontam o di­reito in­ter­na­ci­onal e a Carta da ONU, como não fa­vo­recem o pro­cesso ne­go­cial em torno das im­por­tantes pro­postas apre­sen­tadas por Mos­covo sobre ques­tões subs­tan­ciais da se­gu­rança eu­ro­peia, no es­sen­cial já re­jei­tadas pelos EUA e a NATO.

2. É ne­ces­sário su­bli­nhar que a ac­tual si­tu­ação de de­mo­ni­zação da Rússia tem como pano de fundo o pro­cesso de alar­ga­mento da NATO (é, no mí­nimo, ri­sível o ar­gu­mento de que este é ino­fen­sivo), ver­da­deira ca­val­gada em di­recção às suas fron­teiras, pros­se­guida in­ces­san­te­mente, em su­ces­sivas vagas, desde a reu­ni­fi­cação da Ale­manha e o fim da URSS.

São os EUA, a NATO e a UE que pro­movem a cor­rida ar­ma­men­tista em curso, a mo­bi­li­zação de meios adi­ci­o­nais e a cri­ação de bases mi­li­tares nos países da Eu­ropa Ori­ental, nas cer­ca­nias da Fe­de­ração Russa, en­car­nando a es­tra­tégia de cerco e con­tenção do país euro-asiá­tico. Cabe sa­li­entar, neste plano, o ac­tual or­ça­mento re­corde do Pen­tá­gono (cerca de 770 mil mi­lhões de dó­lares) e o facto de os or­ça­mentos mi­li­tares com­bi­nados dos países da NATO su­pe­rarem mais de 10 vezes as des­pesas mi­li­tares da Rússia.

São os EUA, com o apoio da NATO e da UE, que co­locam em causa a es­ta­bi­li­dade e a paz mun­dial ao rom­perem de forma uni­la­teral pra­ti­ca­mente todos os acordos de de­sar­ma­mento an­te­ri­or­mente as­si­nados com a URSS e her­dados pela Rússia, como os tra­tados de de­fesa an­ti­míssil e de forças nu­cle­ares de médio al­cance, e in­vi­a­bi­li­zarem o tra­tado de forças con­ven­ci­o­nais na Eu­ropa.

3. É neste con­texto que se co­loca, em par­ti­cular, a si­tu­ação na Ucrânia, país que a Ci­meira da NATO de Bu­ca­reste, em 2008, pro­meteu no fu­turo in­te­grar na or­ga­ni­zação (a par da Geórgia), e que os EUA, a NATO e a UE têm pau­la­ti­na­mente trans­for­mado desde o triunfo do golpe de Es­tado an­ti­de­mo­crá­tico de 2014 em testa-de-ponte de ac­ções de de­ses­ta­bi­li­zação e ameaça mi­litar contra a Rússia.

É im­pos­sível ig­norar a cres­cente des­lo­cação na Ucrânia de meios e efec­tivos mi­li­tares de países da NATO, assim como as ame­aças do re­gime de Kiev, apoiado e con­di­ci­o­nado por forças de na­tu­reza aber­ta­mente ne­o­nazi, de re­cu­perar pela força os ter­ri­tó­rios do Don­bass que não con­trola, a par das cons­tantes vi­o­la­ções do re­gime de cessar-fogo na zona de de­mar­cação do Don­bass.

Não se pode es­ca­mo­tear o facto de ser o go­verno da Ucrânia re­sul­tante do golpe de Es­tado de 2014, am­pa­rado pelos EUA, a NATO e a UE, que se en­contra em in­cum­pri­mento dos Acordos de Minsk de 2015, re­flec­tidos na re­so­lução 2202 do Con­selho de Se­gu­rança da ONU, im­pe­dindo a con­cre­ti­zação de uma so­lução po­lí­tica para o con­flito no Don­bass. Cabe ainda notar que a le­gí­tima des­lo­cação de forças mi­li­tares russas dentro do seu ter­ri­tório, na zona da fron­teira com a Ucrânia, teve apenas lugar, tal como no início da Pri­ma­vera de 2021, após o re­cru­des­ci­mento dos bom­bar­de­a­mentos contra as re­pú­blicas auto-pro­cla­madas e a mas­siva con­cen­tração das forças de Kiev junto à linha de de­mar­cação, in­cluindo ar­ma­mento pe­sado – em vi­o­lação frontal dos Acordos de Minsk –, ame­a­çando ini­ciar uma acção ar­mada de larga es­cala.

Aqui re­side o pe­rigo real de es­ca­lada da si­tu­ação, de­vendo ter-se pre­sente que no res­trito pe­rí­metro do Don­bass, Kiev con­cen­trou um con­tin­gente mi­litar es­ti­mado em 150 mil efec­tivos, in­cluindo for­ma­ções de mer­ce­ná­rios e na­ci­o­na­listas ne­o­nazis.

4. É avas­sa­la­dora a hi­po­crisia em torno da Ucrânia. Desde o golpe de 2014, o país está de facto des­pro­vido da sua so­be­rania e in­de­pen­dência. A Maidan foi o co­ro­lário de mais de duas dé­cadas da es­tra­tégia de­se­nhada em Washington, nas con­di­ções de res­tau­ração ca­pi­ta­lista e poder dos oli­garcas, de ins­ti­gação das di­vi­sões, con­flitos e frac­tura «na­ci­onal».

A de­cisão pa­cí­fica e es­ma­ga­dora da po­pu­lação da Cri­meia de rein­te­gração na Rússia, a par da re­volta an­ti­gol­pista no Don­bass, são a res­posta le­gí­tima à ameaça fas­cista e re­pres­siva do novo poder de Kiev, bem ilus­trada no pro­ta­go­nismo de forças como o Svo­boda, o Sector da Di­reita, o Ba­ta­lhão Azov e, mais tarde, a nova Guarda Na­ci­onal. Não é por acaso que se mantém o si­lêncio do­mi­nante sobre o mas­sacre de Odessa e os seus cul­pados não foram le­vados à jus­tiça.

A nar­ra­tiva em torno da «ane­xação da Cri­meia» não só ter­gi­versa a re­a­li­dade con­creta e en­qua­dra­mento his­tó­rico, como passa por cima do ver­da­deiro pre­ce­dente cri­mi­noso que cons­ti­tuiu a guerra da NATO contra a Ju­gos­lávia e a se­cessão do Ko­sovo. Do mesmo modo, cobre-se com um manto de si­lêncio o ca­rácter an­ti­de­mo­crá­tico do re­gime de Kiev, a re­es­crita da his­tória, a dis­cri­mi­nação da língua russa, a re­pressão po­lí­tica e aten­tados contra as li­ber­dades e ga­ran­tias fun­da­men­tais, de que é exemplo a per­se­guição do Par­tido Co­mu­nista da Ucrânia.

5. Está-se pe­rante uma mo­nu­mental ma­nobra de di­versão, apro­vei­tada para mas­carar os fra­cassos do go­verno de Ze­lensky na re­a­li­zação da pro­messa de paz e me­lhoria dos graves pro­blemas eco­nó­micos e so­ciais.

No plano in­ter­na­ci­onal, a pre­sente es­piral de tensão tem lugar num mo­mento em que se apro­funda a crise es­tru­tural e eco­nó­mica do ca­pi­ta­lismo, vi­sível na evo­lução tur­bu­lenta da si­tu­ação nos EUA. A de­riva mi­li­ta­rista e a es­tra­tégia de tensão co­loca em re­levo o agra­va­mento de sé­rias con­tra­di­ções inter-im­pe­ri­a­listas, como o in­dicam as pres­sões sobre a Ale­manha para blo­quear o ga­so­duto Nord Stream 2.

A fe­bril es­ca­lada contra a Rússia, a par da China iden­ti­fi­cada como prin­cipal ad­ver­sário es­tra­té­gico dos EUA, volta a trazer para o pri­meiro plano da arena in­ter­na­ci­onal a velha po­lí­tica da força e cri­ação de zonas de in­fluência. O im­pe­ri­a­lismo não deixa de per­se­guir o ob­jec­tivo de ar­rastar a Fe­de­ração Russa para uma nova es­piral de con­fron­tação, po­ten­ci­ando por todos os meios a sua fra­gi­li­zação in­terna.

6. A pre­sente si­tu­ação torna mais evi­dente a ne­ces­si­dade de alar­ga­mento da luta pela paz e da to­mada de cons­ci­ência so­cial para os riscos co­lo­cados por um sis­tema em crise es­tru­tural à se­gu­rança mun­dial e so­bre­vi­vência da hu­ma­ni­dade e do pla­neta.

 

Fim à es­ca­lada de con­fron­tação dos EUA e da NATO contra a Rússiade­fender a paz, pro­mover o de­sar­ma­mento

 

O PCP con­dena a es­ca­lada de con­fron­tação pro­mo­vida pelos EUA e a NATO contra a Rússia. Uma es­ca­lada que, efec­tu­ando-se nos planos mi­litar, eco­nó­mico e po­lí­tico, e sendo sus­ten­tada por uma in­tensa cam­panha de de­sin­for­mação, cons­titui uma séria ameaça à paz.

A acção agres­siva dos EUA e da NATO in­ten­si­ficou-se du­rante as úl­timas se­manas, com a ins­ta­lação de mais meios e con­tin­gentes mi­li­tares no Leste da Eu­ropa – in­cluindo o apoio mi­litar à Ucrânia –, acom­pa­nhada da ameaça de im­po­sição de novas san­ções eco­nó­micas contra a Rússia.

As­sume uma par­ti­cular gra­vi­dade a in­clusão da Ucrânia na es­tra­tégia agres­siva do im­pe­ri­a­lismo, con­cre­ti­zada após o golpe de Es­tado de 2014, que foi pro­mo­vido pelos EUA, a NATO e a UE, com o re­curso a grupos fas­cistas, e levou à im­po­sição de um re­gime xe­nó­fobo e be­li­cista, cuja vi­o­lenta acção é res­pon­sável pelo agra­va­mento de frac­turas e di­vi­sões e pela de­fla­gração da guerra na­quele país.

Tendo pre­sente os acon­te­ci­mentos ocor­ridos desde 2014, o PCP alerta para o pe­rigo de ac­ções de pro­vo­cação, in­cen­ti­vadas pelo apoio dos EUA e da NATO, contra as po­pu­la­ções rus­só­fonas no Don­bass e os seus di­reitos e as­pi­ra­ções.

Não se pode es­ca­mo­tear que o re­gime ucra­niano não só não cumpre os acordos de Minsk, im­pe­dindo a con­cre­ti­zação de uma so­lução po­lí­tica para o con­flito no Don­bass, como é res­pon­sável por cons­tantes vi­o­la­ções do cessar-fogo e por uma mas­siva con­cen­tração de forças mi­li­tares junto à linha de de­mar­cação, ame­a­çando lançar uma vi­o­lenta acção em larga es­cala nessa re­gião – ameaça que levou à des­lo­cação de forças mi­li­tares da Rússia dentro do seu pró­prio ter­ri­tório, na zona junto à fron­teira com a Ucrânia.

O PCP su­blinha que a ac­tual si­tu­ação não pode ser dis­so­ciada da con­tínua ex­pansão da NATO que, ras­gando com­pro­missos as­su­midos aquando da dis­so­lução do Pacto de Var­sóvia e do fim da União So­vié­tica, avança cada vez mais para o Leste da Eu­ropa, vi­sando o cerco à Rússia.

O PCP sa­li­enta que são os EUA, a NATO e a UE que de­sen­ca­de­aram guerras contra a Ju­gos­lávia (1999), o Afe­ga­nistão (2001) ou a Líbia (2011), sendo res­pon­sá­veis pelo seu brutal le­gado de morte, so­fri­mento e des­truição. São os EUA, a NATO e a UE que fo­mentam a cor­rida ar­ma­men­tista e são res­pon­sá­veis por mais de 60% dos gastos mi­li­tares em todo o mundo, su­pe­rando em mais de 10 vezes as des­pesas mi­li­tares da Rússia. São os EUA que, com a ins­tru­men­ta­li­zação da NATO, pro­movem ali­anças e par­ce­rias be­li­cistas, pos­suem uma densa rede de bases mi­li­tares es­pa­lhada por todo o mundo e in­cre­mentam a ins­ta­lação de meios bé­licos, in­cluindo nu­cle­ares, cada vez mais pró­ximo das fron­teiras de países que pre­tendem sub­meter aos seus in­te­resses. São os EUA, com o apoio da NATO, que rom­peram de forma uni­la­teral im­por­tantes acordos de de­sar­ma­mento, como os tra­tados de de­fesa an­ti­míssil e de forças nu­cle­ares de curto e médio al­cance. São os EUA e a NATO que ci­ni­ca­mente apre­sentam como uma ameaça exer­cí­cios mi­li­tares que a Rússia re­a­liza no seu pró­prio ter­ri­tório, quando são eles que de­sen­volvem sis­te­ma­ti­ca­mente exer­cí­cios mi­li­tares a mi­lhares de qui­ló­me­tros das suas fron­teiras e levam a cabo cons­tantes ac­ções de pressão, de in­ge­rência e de agressão contra países so­be­ranos. São os EUA, a NATO e a UE que ba­na­lizam a ameaça e a chan­tagem e que im­põem san­ções e blo­queios, afron­tando aber­ta­mente a Carta das Na­ções Unidas e o di­reito in­ter­na­ci­onal. É a NATO que se con­firma como o único bloco po­lí­tico-mi­litar de ca­rácter ofen­sivo e agres­sivo, ao ser­viço de uma es­tra­tégia de he­ge­mo­ni­zação po­lí­tica e eco­nó­mica e de sub­ju­gação da von­tade so­be­rana e dos di­reitos de países e povos.

A re­a­li­dade está a de­mons­trar que os EUA não olham a meios para tentar con­tra­riar o seu de­clínio re­la­tivo, no quadro da crise es­tru­tural do ca­pi­ta­lismo e do pro­fundo pro­cesso de re­ar­ru­mação de forças que pros­segue no plano mun­dial.

A es­ca­lada de con­fron­tação pro­mo­vida pelos EUA cons­titui, si­mul­ta­ne­a­mente, uma pe­ri­gosa ma­nobra de di­versão face ao avo­lumar de pro­blemas in­ternos, assim como de con­tra­di­ções inter-im­pe­ri­a­listas, como o de­mons­tram as pres­sões que estes exercem sobre a UE, so­bre­tudo sobre a Ale­manha, em torno da energia e, es­pe­ci­al­mente, do ga­so­duto Nord Stream 2. A UE, cla­mando por uma «voz pró­pria» e re­for­çando a sua di­nâ­mica mi­li­ta­rista, su­bor­dina-se à po­lí­tica be­li­cista dos EUA e da NATO.

É con­de­nável que o Go­verno por­tu­guês em vez de in­tervir para fa­vo­recer o de­sa­nu­vi­a­mento da si­tu­ação e fa­ci­litar uma so­lução ne­go­ciada, se in­sira na di­nâ­mica que ali­menta o clima de tensão com a adopção de po­si­ci­o­na­mentos e me­didas di­tadas pela es­tra­tégia dos EUA e da NATO.

Em de­fesa dos in­te­resses e das as­pi­ra­ções do povo por­tu­guês e dos povos do mundo, Por­tugal não deve ali­nhar-se, como está a acon­tecer, com a es­tra­tégia de tensão norte-ame­ri­cana e atlan­tista, que está na origem do agra­va­mento da si­tu­ação in­ter­na­ci­onal. Desde logo, Por­tugal deve re­cusar en­volver mi­li­tares por­tu­gueses na es­ca­lada de con­fron­tação que está em curso.

Por­tugal deve pugnar pela so­lução pa­cí­fica dos con­flitos in­ter­na­ci­o­nais, pelo de­sar­ma­mento, pela paz, con­tri­buindo para pôr fim à es­ca­lada de con­fron­tação e pri­vi­le­giar um pro­cesso de diá­logo com vista a pro­mover a se­gu­rança na Eu­ropa, no res­peito dos prin­cí­pios da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa, da Carta da ONU e da Acta Final da Con­fe­rência de Hel­sín­quia.

O PCP apela ao de­sen­vol­vi­mento da luta contra a es­ca­lada de con­fron­tação, as agres­sões e as in­ge­rên­cias do im­pe­ri­a­lismo, contra o alar­ga­mento da NATO e pela sua dis­so­lução, contra a mi­li­ta­ri­zação da União Eu­ro­peia, pela paz e o de­sar­ma­mento.

15.02.2022

O Ga­bi­nete de Im­prensa do PCP