Amanhã, logo se vê

João Frazão

Por estes dias le­vanta-se o clamor pelos efeitos ime­di­atos da seca, seja na pro­dução agrí­cola e pe­cuária, seja na pro­dução de energia, e pelas con­sequên­cias fu­turas, caso não chova nos pró­ximos meses, de­sig­na­da­mente na flo­resta por­tu­guesa.

Clamor que en­contra jus­ti­fi­cação ainda maior nos bru­tais au­mentos dos custos dos fac­tores de pro­dução – com­bus­tí­veis, energia, pes­ti­cidas, se­mentes, ra­ções, ma­qui­naria – e que ganha con­tornos de dra­ma­tismo quando pen­samos no que a ofen­siva contra a Rússia, usando a Ucrânia como jo­guete dos in­te­resses do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano, pode sig­ni­ficar de di­fi­cul­dades no co­mércio in­ter­na­ci­onal de ce­reais, a partir de dois dos prin­ci­pais pro­du­tores mun­diais.

O Go­verno anuncia umas pa­na­ceias, o «me­lhoral» usado nestas oca­siões, de­sig­na­da­mente o adi­an­ta­mento de ajudas, que vão fazer falta mais adi­ante, e o maior en­di­vi­da­mento, de quem já não con­segue su­portar os custos dos cré­ditos que tem.

Se para a seca os re­mé­dios ime­di­atos são poucos, exi­gindo antes tra­ta­mentos a longo prazo, com uma pro­fi­laxia pró­pria das do­enças cró­nicas, para ga­rantir maior re­sis­tência às crises e mi­ni­mi­zação dos seus im­pactos, e as culpas podem ser dis­far­çadas em di­nâ­micas se­cu­lares, para os ou­tros dois, graves, pro­blemas, já não se pode dizer o mesmo.

Desde logo porque a de­pen­dência por­tu­guesa em ambos os itens (fac­tores de pro­dução e ce­reais) é há muito co­nhe­cida, e de­nun­ci­ados os seus res­pon­sá­veis.

Por­tugal não con­trola hoje a pro­dução de adubos, pes­ti­cidas, ou se­mentes porque de­cidiu en­tregar todas essa ala­vancas do de­sen­vol­vi­mento na­ci­onal aos in­te­resses do mer­cado, à ini­ci­a­tiva pri­vada que, na pri­meira oca­sião as sa­cri­ficou no altar do «Santo Lucro», trans­fe­rindo-as para o es­tran­geiro.

«Santo Lucro» que é também o pa­dro­eiro dos que, apesar de haver con­di­ções para tal e Por­tugal ter, à custa de di­nheiros pú­blicos, obras hi­dro­a­grí­colas que o po­diam ga­rantir, de­ci­diram não pro­duzir ce­reais para ali­mentar o nosso povo, porque ou­tras cul­turas ga­rantem re­sul­tados mais ape­te­cí­veis. Para eles, claro. E hoje. Amanhã, logo se vê.

O li­be­ra­lismo fun­ciona. Mas não é para bem do povo.




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