Clara Zetkin e a luta das mulheres pela sua emancipação

Fernanda Mateus

Clara Ketkin foi de­ci­siva na or­ga­ni­zação das mu­lheres tra­ba­lha­doras

Clara Zetkin é ge­ral­mente re­fe­rida pela cri­ação do Dia In­ter­na­ci­onal da Mu­lher (1910), mas é so­bre­tudo o seu per­curso teó­rico e prá­tico em de­fesa dos di­reitos das mu­lheres e pela sua eman­ci­pação que im­porta co­nhecer.

A sua acção de­ci­siva na or­ga­ni­zação das mu­lheres tra­ba­lha­doras, mo­vi­mento de mu­lheres que li­derou du­rante quase 25 anos, foi ocul­tada pela pro­dução aca­dé­mica da his­tória po­lí­tica e so­cial das mu­lheres, men­ci­o­nada até pela sua po­sição «an­ti­fe­mi­nista», «con­trária às rei­vin­di­ca­ções das mu­lheres»1 (I), e re­a­pa­rece, mais re­cen­te­mente, como uma fi­gura his­tó­rica do fe­mi­nismo ou que marcou no­ta­vel­mente as lutas do mo­vi­mento fe­mi­nista.

Uma ava­li­ação ri­go­rosa do pen­sa­mento e da acção de Clara Zetkin con­firma que nunca se as­sumiu como fe­mi­nista, nem como an­ti­fe­mi­nista. Não des­va­lo­rizou nem ocultou as lutas do mo­vi­mento fe­mi­nista bur­guês do seu tempo pelo re­co­nhe­ci­mento dos seus di­reitos po­lí­ticos e eco­nó­micos. Mas as­sumiu que as sa­tis­fa­ções destas rei­vin­di­ca­ções não ti­nham um ver­da­deiro al­cance so­cial na trans­for­mação da con­dição so­cial das mu­lheres ex­plo­radas e opri­midas pelo sis­tema ca­pi­ta­lista2.

Clara Zetkin nunca negou os pontos co­muns, mesmo que os con­jun­tu­rais, entre a luta das mu­lheres da bur­guesia e a luta das mu­lheres as­sa­la­ri­adas, num tempo em que o sis­tema ca­pi­ta­lista pro­cla­mava a in­fe­ri­o­ri­dade das mu­lheres. As classes do­mi­nantes, através das ideias po­lí­ticas, so­ciais e re­li­gi­osas, con­tra­pu­nham a na­tu­reza mas­cu­lina à fe­mi­nina, apre­sen­tando a pri­meira como forte, pro­du­tora e cri­a­dora, vo­ca­ci­o­nada para o poder, e a se­gunda como fraca fí­sica e in­te­lec­tu­al­mente, re­pro­du­tora e pas­siva, vo­ca­ci­o­nada para o lar e a pro­cri­ação.

Clara Zetkin afirmou a ne­ces­si­dade de di­na­mizar a luta para obrigar a so­ci­e­dade bur­guesa e o Es­tado a apagar muitos dos ve­lhos pre­con­ceitos de in­fe­ri­o­ri­dade do sexo fe­mi­nino e a re­co­nhecer a igual­dade de di­reitos da mu­lher e o seu papel na so­ci­e­dade. Mas igual­mente evi­den­ciou os pontos dis­tintos da luta das mu­lheres para dar êxito à trans­for­mação da sua con­dição so­cial.

As mu­lheres da bur­guesia lu­tavam contra os pri­vi­lé­gios dos ho­mens da sua classe, exi­gindo para si di­reitos po­lí­ticos e eco­nó­micos, o di­reito ao voto e ao poder po­lí­tico, o di­reito à pro­pri­e­dade das suas for­tunas e das suas terras.

Estas rei­vin­di­ca­ções eram su­fi­ci­entes para a trans­for­mação da con­dição so­cial das mu­lheres da bur­guesia, mas não o eram para trans­formar a con­dição so­cial das mu­lheres as­sa­la­ri­adas, su­jeitas a uma dupla ex­plo­ração – em função da sua classe (comum à in­fli­gida aos ho­mens e cri­anças), e em função do sexo, re­cor­rendo o sis­tema ca­pi­ta­lista às ve­lhas con­cep­ções de su­bal­ter­ni­dade dos sis­temas an­te­ri­ores para jus­ti­ficar os sa­lá­rios mais baixos das mu­lheres, em que estas eram obri­gadas a tra­ba­lhar até que uma pri­meira con­tração anun­ci­asse o parto.

Como Clara Zetkin des­tacou, a luta das mu­lheres tra­ba­lha­doras não era contra os ho­mens, mas contra a ex­plo­ração e vi­o­lação da sua con­dição hu­mana, dos seus di­reitos e in­te­resses, a que o modo de pro­dução ca­pi­ta­lista os su­jei­tava.

As mu­lheres tra­ba­lha­doras que emer­giam como parte ac­tiva nas lutas do mo­vi­mento ope­rário, contra os sa­lá­rios de mi­séria e as pro­lon­gadas jor­nadas de tra­balho que pe­savam sobre mu­lheres, ho­mens e cri­anças, pre­ci­savam de um mo­vi­mento forte em de­fesa dos seus di­reitos es­pe­cí­ficos e pela sua eman­ci­pação so­cial, para o qual era ne­ces­sário di­na­mizar as bases or­ga­ni­za­tivas da luta das tra­ba­lha­doras, em que Clara Zetkin e o mo­vi­mento ope­rário e re­vo­lu­ci­o­nário se em­pe­nharam e do qual emergiu a pro­posta do Dia In­ter­na­ci­onal da Mu­lher.

A co­me­mo­ração do Dia In­ter­na­ci­onal da Mu­lher deste ano será uma im­por­tante jor­nada de luta das mu­lheres, na sua luta de todos os dias pelo cum­pri­mento dos seus di­reitos, pela igual­dade no tra­balho e na vida, num Por­tugal so­be­rano e de pro­gresso so­cial, contra a guerra e pela paz.


1 Clara Zetkin e a(s) his­tória(s) das mu­lheres. Ocul­tação e Am­bi­gui­dades, ex æquo, n.º 16, 2007, pp. 101-123.

2 Clara Zetkin e a luta das mu­lheres. Uma ati­tude in­con­for­mada, um per­curso co­e­rente. Edi­ções «Avante!», Lisboa, 2007.




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