«Um novo Macartismo»

Filipe Diniz

O pensamento reaccionário engendrou esforçadamente o conceito de «totalitarismo». Pode ser que alguns se deem conta de onde encaixa a carapuça que formularam. Veja-se o que se passa no campo da cultura nas sanções contra a Rússia.

Até o insuspeito Washington Post o diz: «um novo macartismo ameaça a América: o “cancelamento”, ou ameaça dele, a intérpretes, músicos, artistas e atletas russos.» Os exemplos vão além da «América»: se a Metropolitan Opera e o Carnegie Hall excluem intérpretes «que tenham apoiado Vladimir Putin», a Royal Opera House de Londres cancela o ballet Bolshoi, é cancelada a actuação de outras instituições de dança russas em Inglaterra e na Irlanda. Anulam-se concertos pela origem russa dos compositores a interpretar.

Na Eslováquia é retirado do programa um trecho da cantata Alexandre Nevsky de Prokofiev. Na Croácia é anulada a interpretação de obras de Tchaikovsky. É anulada a participação russa na Bienal de Veneza. O Victoria and Albert Museum suspende uma exposição de Fabergé. A Eurovisão e a Disney boicotam. A lista prolonga-se muito mais.

A justificação é comum: o «apoio a Putin» ou a recusa de tomar posição contra ele (os defuntos Prokofiev, Tchaikovsky ou Fabergé teriam dificuldade em fazê-lo).

Quando nos anos 50 a CIA se começou a envolver directamente na «guerra cultural», adoptou o lema da «liberdade cultural» face a qualquer imposição política. O já evidente embuste da altura revela-se em toda a sua brutalidade na conduta do imperialismo EUA/NATO/UE: o da mais tirânica instrumentalização. Constitui um poderoso sinal de alerta não apenas para os artistas e criadores mas para seja quem for que queira exercer livremente uma actividade. A cultura e a liberdade de criação, elos imprescindíveis de humanidade e de paz, são potencialmente intoleráveis ao capitalismo na sua fase actual.




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