- Nº 2521 (2022/03/24)

Energia e alimentação ilustram vaga especulativa antipopular

Em Foco

O PCP promoveu um conjunto de acções de esclarecimento e mobilização contra o aumento do custo de vida. A campanha arrancou dia 17 com uma declaração política de Paulo Raimundo (ver páginas 6 e 7) e prolongou-se até anteontem, 22, incidindo sobretudo na necessidade de respostas para a escalada especulativa nos preços da energia, cujos efeitos se sentem com particular severidade no preço dos géneros alimentares.

Já ontem, João Frazão, da Comissão Política do Comité Central, salientou, em conferência de imprensa, que a situação também dá razão ao PCP acerca da necessidade de «uma política que assuma a defesa da produção nacional e particularmente da produção agrícola para garantir a soberania alimentar como prioridade nacional» (ver caixa).

Com efeito, é rigoroso afirmar que na dependência de Portugal face ao estrangeiro no que a sectores estratégicos diz respeito, com a produção de alimentos à cabeça, reside a causa de fundo que carece ser enfrentada. Mas tal não está desligado do vórtice especulativo antipopular em curso. Pelo contrário, houvesse vontade política do Governo em retomar o caminho para assegurar soberania em matérias centrais, e não estaríamos hoje a reclamar das medidas paliativas adoptadas pelo executivo e do facto de este continuar a furtar-se a enfrentar os interesses dos grandes grupos económicos, como de resto se acusa no folheto do PCP que esteve em distribuição de Norte a Sul do País (ver fotos).

Liberdade para especular

O caso do preço do gás butano em Espanha e em Portugal é paradigmático. De acordo com dados da Entidade Nacional para o Sector Energético (ENSE), uma botija de 13 quilogramas no território nacional ronda os 32 euros (2,46 euros/kg). Em Espanha, apesar da subida dos preços também se verificar, o valor de uma botija de 12,5 kg é de cerca de 18,63 euros, ou seja, 1,49 euros/kg.

O que explica esta diferença não são os impostos, já que o ISP aplicado deste lado da fronteira difere apenas em dois pontos percentuais face ao outro lado da fronteira. Em Espanha e em Portugal o ISP é semelhante e o IVA neste caso cifra-se, respectivamente, em 21 e 23 por cento.

Ora, a razão pela qual existe uma diferença abissal no preço de uma botija de gás butano de 13 quilogramas entre Portugal e Espanha é que neste último país o preço é regulado, ao passo que no nosso é deixado ao «mercado livre».

Da mesma forma se pode dizer que a cartelização das petrolíferas para garantirem os seus lucros se observa no preço final pago pelos consumidores. Como, aliás, explicou o deputado comunista Duarte Alves, em debate na Assembleia da República (AR), sobre os preços da energia no início da semana passada, tal pode concluir-se dos dados divulgados pela própria ENSE.

Aquela fonte admite que em 2020 e 2021 as margens das petrolíferas foram em média superiores às de 2019, e que é a margem bruta que explica o aumento que então se verificava, o qual, entretanto, se agravou.

Em 2008, quando o barril de petróleo atingiu o seu máximo histórico, acima de 140 dólares, o gasóleo era vendido a 1,41 euros. Neste momento, o valor do barril situa-se em torno dos 130 dólares e o gasóleo… está a ser vendido a quase 2 euros.

Na sua intervenção no parlamento, Duarte Alves também lembrou que a Galp «está com margens de refinação na ordem dos 9,8 dólares por barril de petróleo refinado, quando o normal nos meses homólogos do ano anterior era de 2 ou 3 dólares, tendo chegado a 7 dólares em alturas extraordinárias».

«Uma margem de refinação de 9,8 dólares por barril em Março, face a margens de 3,6 dólares por barril em Fevereiro, com uma refinação superior a 300 mil barris por dia em Sines, dá cerca de 1,8 milhões de euros por dia de ganho suplementar (a que se junta a margem comercial grossista e também os ganhos da exploração de petróleo) – e quem paga este negócio é o povo português!», disse ainda o eleito comunista, antes de frisar que «o Governo tem instrumentos – aprovados nesta AR – para intervir sobre as margens, mas até agora nada fez nesse sentido».

Agricultura apertada e o consumidor paga

O elevado peço da energia provoca aumentos em cadeia, designadamente nos bens e géneros essenciais. Além do que os consumidores sentem, que se pode resumir num poder de compra que decresce à medida que crescem os lucros da grande distribuição, importa notar as dificuldades que assinalam a maioria dos pequenos e médios agricultores.

Aos efeitos da seca, que se vinham fazendo sentir, juntou-se a especulação sobre os preços da energia (gasóleo e electricidade), que sobre-pressionou os valores a pagar pelas rações para animais, pelos adubos e fertilizantes. Muitos agricultores vivem asfixiados e reivindicam medidas, umas urgentes, capazes de os apoiar a manter a actividade e repor o potencial produtivo, outras de fundo, como aquelas que permitam sacudir a pressão da grande distribuição sobre os produtores ou assegurar uma capacidade de aprovisionamento nacional que permita agir em caso de crise.

 

Produzir para comer é decisivo

«Os últimos tempos encarregaram-se de trazer à evidência os erros profundos de uma política agrícola submetida às imposições da União Europeia (UE), com a aplicação da Política Agrícola Comum (PAC), e aos interesses do grande agronegócio nacional e dos principais países produtores do centro e norte da UE», começou por denunciar João Frazão, ontem, em conferência de imprensa.

Ora, nessa política, «aplicada à vez por PS, PSD e CDS», esteve e permanece ausente «uma intervenção pública para garantir a produção de alimentos essenciais». Por outro lado, avulta o «desprezo pela pequena e média agricultura», a «promoção da agricultura intensiva e superintensiva», bem como a aposta «na produção para a exportação e na ilusória teoria do equilíbrio da balança alimentar em valor».

Mais, sinalizou o dirigente comunista, essa política «que nos trouxe a uma situação de dependência que hoje assume contornos dramáticos», também «não enfrenta, antes convive, com a concentração da grande distribuição, que instaurou um autêntico oligopólio» que impõe «preços baixos à produção».

Atempadamente, o PCP alertou para os perigos e consequências da PAC, rejeitou a sujeição do País a ela e as suas sucessivas reformas, «chamou a atenção para a vulnerabilidade portuguesa», lembrou ainda João Frazão, detalhando situações recentes que demonstraram e agravaram as fragilidades nacionais.

Défices bem patentes no facto de Portugal depender do estrangeiro, «para a alimentação humana e animal, em 75 por cento no conjunto dos cereais, sendo que, no caso do milho a dependência é de 70 por cento e no trigo é de 95 por cento».

Défices destapados

João Frazão precisou, depois, com o exemplo da dependência de importação de milho da Ucrânia ou da sobre-importância da exportação de leite, carne de suíno ou vinho para a Rússia, agora alvo de sanções, os efeitos da guerra em Portugal. Se a isto juntarmos os efeitos de uma seca prolongada que compromete culturas para a Primavera e Verão - situação que foi tratada com displicência pelo Ministério da Agricultura, acusou –, e «o aumento exponencial dos custos dos factores de produção» nos últimos meses, ou seja, muitos antes da eclosão da guerra (hoje usada como pretexto para agravar a «dinâmica especulativa», para «novos saltos inflacionistas»), resulta clara a necessidade de outra política para o sector.

Nesse sentido, João Frazão reclamou, no imediato, «ajudas directas aos produtores» em vez de «novas linhas de crédito para sectores já muito endividados». A médio prazo, o Partido pretende o aumento dos apoios ao gasóleo e a sua concretização no caso da electricidade verde; o «financiamento de pequenas obras hidroagrícolas»; «rever as opções da PAC e do PEPAC, assegurando apoios adequados à pequena e média agricultura e à agricultura familiar».

No plano estrutural, «impõe-se, por um lado, a aprovação de legislação que clarifique os usos da água em caso de risco de seca», bem como «questionar o modelo de produção assente na utilização intensiva da água».

Para o PCP, é igualmente decisivo garantir «aos pequenos e médios produtores preços justos e compensadores», o que «implica a assumpção, por parte do Estado, de estruturas de recolha e aprovisionamento»; a «aprovação de legislação que proíba a venda de produção abaixo do preço de custo»; «conter os custos de energia e combustíveis» e controlar os «preços dos fertilizantes e dos pesticidas, designadamente através da aquisição pelo Estado para distribuição pela pequena e média agricultura».

Reforçar as «estruturas do Ministério da Agricultura para assegurar o planeamento da política agrícola e o aconselhamento técnico aos agricultores», ou identificar «terrenos com condições para a produção de cereais» são também de urgente aplicação, concluiu João Frazão.