Adriano Correia de Oliveira evocado pelo Partido que sempre foi o seu

«No Por­tugal dos nossos dias, nas con­di­ções de agu­di­zação da luta de classes e de ofen­siva contra os di­reitos dos tra­ba­lha­dores e do povo, a obra de Adriano as­sume de novo o papel que sempre foi o do homem, ar­tista e re­vo­lu­ci­o­nário».

A con­dição de co­mu­nista de Adriano é in­se­pa­rável do per­curso e das suas op­ções

Foi desta forma que Je­ró­nimo de Sousa en­cerrou a sessão que, an­te­ontem, de­correu em Lisboa para evocar Adriano Cor­reia de Oli­veira, no mês em que passam 80 anos sobre o seu nas­ci­mento (9 de Abril de 1942). Evo­cação de «uma voz única que es­teve sempre do lado da li­ber­dade, da de­mo­cracia, da jus­tiça so­cial; sempre ao lado dos tra­ba­lha­dores e do povo com o seu Par­tido - o Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês», como se frisou na apre­sen­tação da ini­ci­a­tiva que en­cheu por com­pleto o salão do CT Vi­tória.

Antes do Se­cre­tário-geral do PCP, in­ter­veio José Ba­rata-Moura para re­levar a ex­ce­lência e pe­re­ni­dade da obra de Adriano Cor­reia de Oli­veira (ver caixa). Em se­guida, Sofia Lisboa e Va­nessa Borges in­ter­pre­taram «Cantar de Emi­gração», «Fala do Homem Nas­cido» e «Pedro Sol­dado». Coube no en­tanto ao di­ri­gente co­mu­nista con­tex­tu­a­lizar e su­bli­nhar o sen­tido maior do per­curso e da têm­pera re­vo­lu­ci­o­nária de Adriano Cor­reia de Oli­veira, in­dis­so­ciável do seu le­gado mu­sical que per­dura com ví­vida con­tem­po­ra­nei­dade.

Adriano dis­tin­guiu-se com uma «voz ímpar» no «seu timbre e cla­reza». Mas também por, em boa parte dos es­cassos 40 anos que viveu, ter in­ter­pre­tado «pa­la­vras de luta e de re­sis­tência contra a di­ta­dura fas­cista», bem como ter can­tado «os avanços e con­quistas no ca­minho aberto por Abril».

Des­pontar

Adriano Cor­reia de Oli­veira «deixou-nos muito novo, em 1982, mas nunca o es­que­cemos, nem o es­quece o seu Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês, ao qual aderiu no prin­cípio dos anos ses­senta, para nele per­ma­necer até ao fim dos seus dias», co­meçou por dizer Je­ró­nimo de Sousa.

«São anos de brasa, esses anos do início da dé­cada da sua adesão ao Par­tido. Anos mar­cantes que anun­ciam a crise geral do re­gime fas­cista», de «grandes greves ope­rá­rias e cam­po­nesas, do ex­pres­sivo pri­meiro de Maio de 1962, da guerra co­lo­nial que se inicia, das fugas dos presos po­lí­ticos de Pe­niche e Ca­xias, das grandes lutas e greves da crise es­tu­dantil de 1962, re­pri­midas pela di­ta­dura com a prisão de cen­tenas de es­tu­dantes e nas quais Adriano ac­ti­va­mente par­ti­cipa».

Para aquele «homem da mú­sica, da cul­tura, da par­ti­ci­pação cí­vica e da luta», para o «es­tu­dante de Di­reito da velha Uni­ver­si­dade de Coimbra» que seria um dos «au­tores mais mar­cantes da mú­sica de in­ter­venção por­tu­guesa e da canção de Coimbra, em cujo mo­vi­mento de re­no­vação par­ti­cipa e o qual viria a ter um papel de re­levo na luta contra o re­gime fas­cista», aquele foi «um tempo mar­cante», in­sistiu.

«Um tempo de des­co­berta da ver­da­deira re­a­li­dade so­cial do País, da guerra de li­ber­tação das ex-co­ló­nias – como nos disse –, mas também da sua pró­pria afir­mação no canto, na mú­sica, na ac­ti­vi­dade as­so­ci­a­tiva, na luta dos es­tu­dantes, nas ac­ti­vi­dades do mo­vi­mento de con­tes­tação ao fas­cismo extra-es­tu­dantis», pros­se­guiu o Se­cre­tário-geral do PCP, que a pro­pó­sito, des­tacou a ac­ti­vi­dade de Adriano Cor­reia de Oli­veira en­quanto «membro da Di­recção do CITAC, co­ra­lista do Órfeão Aca­dé­mico, atleta da As­so­ci­ação Aca­dé­mica de Coimbra».

Foi aliás em Coimbra, re­cordou Je­ró­nimo de Sousa, que «gra­vará o seu pri­meiro disco». E «é com a “Trova do Vento que Passa”, essa canção que será um marco do canto na re­sis­tência, in­clusa no seu re­por­tório, que co­meçou a sentir, como con­fessou, “ver­da­dei­ra­mente o gosto por cantar, por fazer mú­sica e, so­bre­tudo, por sentir que es­tava do lado justo, do lado da luta an­ti­fas­cista”».

Porém, «o gosto pelas ac­ti­vi­dades do mo­vi­mento as­so­ci­a­tivo, a sua en­trega e a sua de­di­cação aos ou­tros, não ti­nham nas­cido em Coimbra. Esse in­te­resse já antes tinha ger­mi­nado nele», re­alçou o di­ri­gente co­mu­nista, cha­mando a atenção para o des­pontar da «ac­ti­vi­dade cul­tural e cí­vica» de Adriano Cor­reia de Oli­veira em Avintes, onde cresceu e acabou por fa­lecer.

Armas de luta

Adriano Cor­reia de Oli­veira dis­tin­guiu-se, porém, nas can­tigas. «Cerca de 100, que trans­formou em armas de luta contra a di­ta­dura, contra a ex­plo­ração, contra a guerra e contra todas as dis­cri­mi­na­ções», e que em Abril saltam «para a rua», onde «Adriano está na pri­meira linha».

«Eram can­tigas de luta», que fa­lavam «da vida di­fícil de um povo, do seu tra­balho e do tra­balho que não tinha e que o le­vava a emi­grar, (...) mas que can­tavam também das suas ale­grias e es­pe­ranças». Can­ções que «cantam ainda, apesar da re­a­li­dade mu­dada, as nossas vidas», a «re­a­li­dade de mi­lhares de jo­vens de hoje que o País pre­cisa e que daqui se vão, porque não en­con­tram nele res­posta», con­si­derou Je­ró­nimo de Sousa, tra­zendo à me­mória o «Cantar da Emi­gração».

Ines­que­cível e de ful­gu­rante ac­tu­a­li­dade é, igual­mente, a «Lá­grima de Preta». Um «hino contra o ra­cismo que a ide­o­logia da di­ta­dura le­gi­ti­mava, para as­se­gurar a ex­plo­ração», que uniu «os com­ba­tentes de todas cores e pelo fim da guerra, tra­vando com a pa­lavra da canção, o mesmo com­bate que o seu Par­tido tra­vava, quando se lan­çava na cons­trução de uma frente de luta anti-im­pe­ri­a­lista do povo por­tu­guês e dos povos co­lo­niais pela li­ber­tação de todos».

Uma canção «para cantar neste tempo onde na­vegam todos os ra­cismos, dos mais subtis, aos mais des­ca­rados e ex­plí­citos, que os se­nhores do mundo e da do­mi­nação pro­movem». Como pro­movem «xe­no­fo­bias do­en­tias de­li­be­ra­da­mente aci­ca­tadas e am­pli­adas com a sua pro­pa­ganda da guerra, onde povos são es­tig­ma­ti­zados e per­se­guidos e o pa­tri­mónio cul­tural de cada um e até o de re­co­nhe­cido valor uni­versal é co­lo­cado na pira da in­to­le­rância», pros­se­guiu o Se­cre­tário-geral do PCP, para quem estes são «tempos pe­ri­gosos, onde se le­vantam novas cen­suras e, a pre­texto da guerra, se san­ciona a cul­tura e o des­porto», se «hos­ti­lizam e “queima” na praça pú­blica quem se atreva a ir ao ar­repio da car­tilha di­tada e im­posta pelas au­to­ri­dades do pen­sa­mento único, per­se­guindo todos os que re­cusam a ló­gica da con­fron­tação e, sin­ce­ra­mente, as­piram e de­sejam que se en­con­trem os ca­mi­nhos da paz».

Hoje e sempre

Daí que «Adriano me­rece que o re­vi­si­temos em cada canção e em toda a sua obra, em cada mo­mento da sua vida de lu­tador, tal como me­receu que a Re­pú­blica o dis­tin­guisse com a Ordem da Li­ber­dade».

«Essa li­ber­dade que ce­le­bramos em Adriano, lem­brando as nossas justas pre­o­cu­pa­ções sobre o rumo deste mundo que nos ro­deia e da nossa pró­pria de­mo­cracia», acres­centou Je­ró­nimo de Sousa, antes de sa­li­entar que «a con­dição de co­mu­nista de Adriano Cor­reia de Oli­veira é in­se­pa­rável do per­curso e das op­ções que tomou ao longo da vida, de que são tes­te­munho quer os inú­meros es­pec­tá­culos e ac­ções em que par­ti­cipou du­rante o fas­cismo, tendo sido uma ban­deira da luta do Mo­vi­mento Es­tu­dantil e da Re­sis­tência, quer o seu papel im­pul­si­o­nador para que grandes nomes da mú­sica por­tu­guesa se dessem a co­nhecer, quer a sua par­ti­ci­pação no Co­mité Or­ga­ni­zador da Festa do «Avante!» desde a pri­meira edição, quer ainda o seu en­vol­vi­mento mi­li­tante em cen­tenas de ini­ci­a­tivas do PCP de­pois do 25 de Abril».

«Cons­ci­ente do papel do ar­tista na so­ci­e­dade e no tempo em que foi des­ta­cado pro­ta­go­nista, Adriano Cor­reia de Oli­veira viria a afirmar uma po­sição de prin­cípio quando per­gun­tado acerca de uma con­tro­vérsia num pro­jecto em que par­ti­ci­pava: “a única luta pelo poder em que estou em­pe­nhado é a luta para que o povo por­tu­guês tome o poder e que, nessa luta, tenha um papel de­ter­mi­nante a ac­ti­vi­dade do apa­relho po­lí­tico or­ga­ni­zado que é o PCP, a que per­tenço”», re­me­morou, ainda, o líder do PCP.

«E disse mais: “A canção pode não ter uma in­fluência de­ci­siva, mas é com­ple­mentar e in­te­ressa que a arte, seja qual for, re­flicta exac­ta­mente aquilo que se está a passar em cada so­ci­e­dade. Se não, não é útil e falha subs­tan­ci­al­mente. Não cor­res­ponde à sua função”», lem­brou Je­ró­nimo de Sousa, antes de con­cluir que, «no Por­tugal dos nossos dias, nas con­di­ções de agu­di­zação da luta de classes e de ofen­siva contra os di­reitos dos tra­ba­lha­dores e do povo, a obra de Adriano as­sume de novo o papel que sempre foi o do homem, ar­tista e re­vo­lu­ci­o­nário Adriano Cor­reia de Oli­veira, in­te­grando-se na luta do seu Par­tido de sempre pela cons­trução da so­ci­e­dade nova com que so­nhava, li­berta da ex­plo­ração, da opressão e de todas as dis­cri­mi­na­ções».

 

«Gesta cí­vica de com­ba­tivo al­cance»

Na evo­cação de Adriano Cor­reia de Oli­veira pro­mo­vida pelo PCP, o mi­li­tante co­mu­nista, Pro­fessor Doutor, fi­ló­sofo, en­saista e can­tautor José Ba­rata-Moura re­levou a ex­ce­lência e pe­re­ni­dade da obra da­quele.

«Reu­nimos, de­mo­rados 40 anos de­pois de um es­cassos 40 anos de vida, para evocar um dos nossos, para dis­tin­guir um des­ta­cado cri­ador na frente cul­tural dos com­bates co­mu­nistas, para re­co­lher en­si­na­mentos da ma­neira muito pró­pria e con­se­guida como Adriano trouxe ar­ti­cu­lação feliz aos ter­ri­tó­rios da arte, da po­lí­tica, da in­ter­venção so­cial», co­meçou por des­tacar, antes de notar que, «no que ao Adriano res­peita, o gesto ar­tís­tico, de apu­rada ac­tu­a­li­dade, ins­creve-se numa gesta cí­vica de com­ba­tivo al­cance».

Com efeito, Adriano Cor­reia de Oli­veira con­tri­buiu, du­rante a di­ta­dura fas­cista, para «re­sistir aos gar­rotes que as­fi­xiam, de­nun­ciar re­a­li­dades que o pro­pa­gan­dismo ofi­cial es­condia, prover o braço que as cons­ci­ên­cias des­perta e o ho­ri­zonte ro­bus­te­cido de es­pe­rança tra­ba­lhada». E nos al­vores da Re­vo­lução, para «es­cla­recer o pro­pó­sito das von­tades, mo­bi­lizar para os tra­ba­lhos de uma li­ber­dade com re­cheio so­cial na carga e de­sígnio de eman­ci­pação, en­ri­que­cida e en­ri­que­ce­dora, em trans­porte».

«Nos di­fe­rentes mo­mentos destas pen­dên­cias, o canto à in­ter­venção cha­mado, rompeu o si­lêncio ca­bis­baixo, ir­rompeu pelos palcos à festa res­ti­tuídos, de­sem­pe­nhou um papel que, par­celar em­bora, não foi menos re­le­vante», con­ti­nuou José Ba­rata-Moura, para quem, «nos temas que elegeu, nas oca­siões em que foi in­ter­ve­ni­ente, nos sí­tios em que fez ouvir a voz, em cena e no con­vívio, o Adriano cantou de certo a li­ber­dade».

«En­tre­tanto, como em cir­cuns­tân­cias trans­for­madas o com­bate não en­trou de li­cença gra­ciosa, convém não es­quecer que hoje, igual­mente, é tempo de canção», con­cluiu.