Jovens nas ruas de Lisboa e do Porto exigiram «o que é nosso»

Com a forte par­ti­ci­pação na ma­ni­fes­tação na­ci­onal da ju­ven­tude tra­ba­lha­dora, pro­mo­vida pela In­ter­jovem/​CGTP-IN em Lisboa e no Porto, a 31 de Março, as rei­vin­di­ca­ções de di­fe­rentes em­presas, sec­tores e re­giões ga­nharam força nas ruas, em con­ver­gência e uni­dade, sob o lema «Pro­du­zimos a ri­queza, que­remos o que é nosso, exi­gimos so­lu­ções – Mais sa­lário, menos ho­rário, fim da pre­ca­ri­e­dade».

Com uni­dade, or­ga­ni­zação e luta, os jo­vens con­se­guem os seus ob­jec­tivos

As con­cen­tra­ções ini­ciais foram mar­cadas para as 15 horas, no Largo José Sa­ra­mago (Campo das Ce­bolas), em Lisboa, e no Campo 24 de Agosto, no Porto.

O âm­bito na­ci­onal da ma­ni­fes­tação – que as­si­nalou o Dia Na­ci­onal da Ju­ven­tude e os 75 anos de­cor­ridos desde que, em Bela Mandil (con­celho de Olhão) um acam­pa­mento de jo­vens, no âm­bito da Se­mana da Ju­ven­tude do MUD Ju­venil, foi vi­o­len­ta­mente re­pri­mido pelo re­gime fas­cista – foi con­cre­ti­zado na par­ti­ci­pação de jo­vens tra­ba­lha­dores de todos os dis­tritos, re­par­tidos pelas duas ci­dades, e de di­versos sec­tores e em­presas, or­ga­ni­zados nos res­pec­tivos sin­di­catos.

As men­sa­gens de rei­vin­di­cação e pro­testo fi­zeram-se notar nas pa­la­vras de ordem – como «pre­ca­ri­e­dade em Por­tugal é ver­gonha na­ci­onal», «pro­du­zimos mi­lhões, re­ce­bemos tos­tões», «exi­gimos es­ta­bi­li­dade, fim à pre­ca­ri­e­dade», «Go­verno, es­cuta, os jo­vens estão em luta», «o custo de vida au­menta, a ju­ven­tude não aguenta» – e em faixas, ban­deiras e car­tazes, que também per­mi­tiam iden­ti­ficar al­guns grupos de ma­ni­fes­tantes: fer­ro­viá­rios, en­fer­meiros, pro­fes­sores, bol­seiros-in­ves­ti­ga­dores, tra­ba­lha­dores da ho­te­laria e res­tau­ração, da ali­men­tação e be­bidas, da cons­trução, ce­râ­mica e vidro, de call cen­ters das te­le­co­mu­ni­ca­ções, do co­mércio e ser­viços (in­cluindo super e hi­per­mer­cados), da ac­ti­vi­dade fi­nan­ceira, da ad­mi­nis­tração local e cen­tral, das in­dús­trias trans­for­ma­doras e energia, da cul­tura, de mi­se­ri­cór­dias e IPSS.

Em Lisboa, a União dos Re­sis­tentes An­ti­fas­cistas Por­tu­gueses ex­pressou o seu apoio à ma­ni­fes­tação, ins­ta­lando no local da con­cen­tração uma banca onde foi ven­dido o livro «MJT e a Luta dos Jo­vens Tra­ba­lha­dores - Fios de Me­mó­rias», edi­tado pela URAP em 2019, por oca­sião dos 50 anos da cri­ação do Mo­vi­mento da Ju­ven­tude Tra­ba­lha­dora.

Pelas ruas da baixa, a ma­ni­fes­tação subiu à Praça Luís de Ca­mões e se­guiu em di­recção à As­sem­bleia da Re­pú­blica. Aqui in­ter­vi­eram Dinis Lou­renço, co­or­de­nador da In­ter­jovem, e Isabel Ca­ma­rinha, Se­cre­tária-geral da CGTP-IN.

Pre­o­cu­pados com o fu­turo

De ca­mi­solas ne­gras com o nome da em­presa, trans­por­tando ban­deiras do SIESI e faixas a exigir me­lhores sa­lá­rios e con­di­ções de tra­balho, des­tacou-se um grupo de de­zenas de tra­ba­lha­dores da Exide (Tudor). Nesse dia es­ti­veram em greve, so­bres­saindo a rei­vin­di­cação de re­dução da idade de re­forma. Como ex­plicou ao Avante! um di­ri­gente do sin­di­cato, esta é a res­posta dos tra­ba­lha­dores ao facto de, por li­darem com pro­dutos tó­xicos para a pro­dução de ba­te­rias, ocor­rerem muitos casos de do­enças pro­fis­si­o­nais. Diogo Cor­reia as­si­nalou que na em­presa de Cas­ta­nheira do Ri­ba­tejo há muitos tra­ba­lha­dores jo­vens, mas vêem o que su­cede à saúde dos mais ve­lhos.

No ano pas­sado, foi também forte a par­ti­ci­pação do pes­soal da Exide na ma­ni­fes­tação do Dia Na­ci­onal da Ju­ven­tude, o que re­pre­sentou um bom con­tri­buto para me­lhores re­sul­tados na ne­go­ci­ação sa­la­rial anual. Em breve de­verá co­meçar a ne­go­ci­ação deste ano.

Nas ruas da ca­pital foram também exi­bidas ori­gens ge­o­grá­ficas, no­tando-se grupos vindos de Al­cácer do Sal, Ri­ba­tejo, Cas­telo Branco, Beja,

No Porto, os ma­ni­fes­tantes – vindos dos dis­tritos do Norte, como Aveiro a Viseu, de onde chegou a luta na Brin­tons contra a re­moção dos te­ares – di­ri­giram-se à Trin­dade, onde se con­cen­traram junto da es­tação do Metro. Uma de­le­gação do Con­selho Por­tu­guês para a Paz e Co­o­pe­ração juntou-se à ma­ni­fes­tação, exi­gindo «parar a guerra, dar uma opor­tu­ni­dade à paz».

Na con­cen­tração usaram da pa­lavra: Tiago Oli­veira, co­or­de­nador da União dos Sin­di­catos do Porto e membro da Co­missão Exe­cu­tiva da CGTP-IN; Fi­lipe Ma­chado, da co­missão de jo­vens do SITE Norte; Inês Branco, da di­recção da In­ter­jovem e do Con­selho Na­ci­onal da CGTP-IN.

 

Não estão dis­traídos

«Não é ver­dade» que os jo­vens es­tejam dis­traídos, como al­guns podem pensar, sa­li­entou Je­ró­nimo de Sousa. Em de­cla­ra­ções aos jor­na­listas, du­rante a con­cen­tração junto da As­sem­bleia da Re­pú­blica, o Se­cre­tário-geral do PCP lem­brou que «os jo­vens hão-de des­co­brir, pela du­reza da vida, que têm de lutar muito, tal como fi­zeram ge­ra­ções an­te­ri­ores, para con­se­guir os ob­jec­tivos». Con­si­derou «re­con­for­tante e es­ti­mu­lante ver estes jo­vens, car­re­gados de pre­o­cu­pa­ções, mas, si­mul­ta­ne­a­mente, cheios de es­pe­rança de que é pos­sível um fu­turo me­lhor».

Da par­ti­ci­pação na ma­ni­fes­tação, re­alçou, como «uma pre­o­cu­pação cen­tral», «o seu di­reito ao tra­balho e ao tra­balho com di­reitos», co­lo­cado em causa pela pre­ca­ri­e­dade de em­prego. Os vín­culos pre­cá­rios «atingem fun­da­men­tal­mente os jo­vens, que ocupam um posto de tra­balho per­ma­nente e que, ao fim de poucos meses, acabam des­pe­didos de forma su­mária». Esta é uma si­tu­ação que tem con­sequên­cias na vida dos jo­vens, di­fi­cul­tando a con­cre­ti­zação dos seus an­seios, quando «querem cons­ti­tuir fa­mília, querem a sua pró­pria eman­ci­pação», ha­bi­tação, es­tudo e «o tra­balho com di­reitos que é re­co­nhe­cido a ou­tros tra­ba­lha­dores».

Je­ró­nimo de Sousa li­derou uma de­le­gação do Par­tido, de que fi­zeram parte Paulo Rai­mundo (do Se­cre­ta­riado e da Co­missão Po­lí­tica do Co­mité Cen­tral), João Frazão (da Co­missão Po­lí­tica do CC), Alma Ri­vera (do CC e de­pu­tada na AR), Te­resa Cha­veiro (do CC) e Sandra Pe­reira (de­pu­tada no PE).

 

Isabel Ca­ma­rinha re­jeita «des­culpas»

Do palco junto à es­ca­daria da As­sem­bleia da Re­pú­blica, a Se­cre­tária-geral da CGTP-IN saudou «esta grande ma­ni­fes­tação da In­ter­jovem e os mi­lhares de jo­vens tra­ba­lha­dores de todo o País que, em Lisboa e no Porto, hoje exigem na rua os di­reitos que faltam nos lo­cais de tra­balho e nas suas vidas».

In­sis­tindo na ne­ces­si­dade de au­mentos sa­la­riais ge­rais, Isabel Ca­ma­rinha re­cusou «as des­culpas da falta de meios, da si­tu­ação di­fícil, da es­cassez de verbas», porque «os lu­cros e os ren­di­mentos do grande ca­pital não param de au­mentar».

Re­cordou que, «só em 2020, ano da pan­demia e de cortes de um terço nos sa­lá­rios de muitos mi­lhares de tra­ba­lha­dores, mais de sete mil mi­lhões de euros foram trans­fe­ridos para os pa­raísos fis­cais, uma verba que dava e so­brava para um au­mento de 90 euros para todos os tra­ba­lha­dores».

Por outro lado, «os lu­cros lí­quidos de 19 grandes em­presas, só em 2021, davam para au­mentar em 90 euros os sa­lá­rios de mais de três mi­lhões e du­zentos mil tra­ba­lha­dores». «Há di­nheiro sim», frisou, no­tando que ele «está é cada vez mais con­cen­trado, ao ser­viço de cada vez menos pes­soas, que en­ri­quecem sempre, haja COVID, haja guerra, haja o que houver».

«Querem pro­duzir com meios do Sé­culo XXI, pagar sa­lá­rios do Sé­culo XX e re­meter os res­tantes di­reitos para o Sé­culo XIX», mas «não acei­tamos aquilo em que al­guns querem trans­formar o País», pelo que «vamos in­ten­si­ficar a luta, a mo­bi­li­zação, o es­cla­re­ci­mento e a or­ga­ni­zação dos tra­ba­lha­dores, a uni­dade na acção, a sin­di­ca­li­zação e o for­ta­le­ci­mento dos sin­di­catos de classe, para im­pedir o re­tro­cesso e avançar na de­fesa e con­quista de di­reitos, ga­ran­tindo às novas ge­ra­ções uma vida me­lhor».

Isabel Ca­ma­rinha des­tacou a «im­por­tância acres­cida» das co­me­mo­ra­ções do 25 de Abril e do 1º Maio.

 

Nem sa­lá­rios baixos, nem pre­ca­ri­e­dade

Ao ava­liar a si­tu­ação la­boral e so­cial da ju­ven­tude, nas in­ter­ven­ções cen­trais da In­ter­jovem – lidas por Dinis Lou­renço, em Lisboa, e Fi­lipe Ma­chado, no Porto, com um texto-base comum –, me­re­ceram re­levo as con­sequên­cias da ge­ne­ra­li­zação da pre­ca­ri­e­dade de em­prego e dos baixos sa­lá­rios, entre os pro­blemas que se avo­lumam.

Os jo­vens tra­ba­lha­dores estão «cada vez mais en­cur­ra­lados, entre o au­mento ga­lo­pante do custo de vida e uma po­lí­tica de baixos sa­lá­rios que não nos per­mite fazer-lhe face».

Se «somos a ge­ração mais qua­li­fi­cada», a ver­dade é que «são cada vez mais os jo­vens, em par­ti­cular mu­lheres, que re­cebem menos do que o sa­lário mí­nimo na­ci­onal, com ho­rá­rios par­ciais for­çados, de 20 ou 30 horas».

Com «rendas ab­surdas», que «levam fa­tias cada vez mai­ores do nosso sa­lário», e quando «os preços da água, da luz, dos com­bus­tí­veis, da co­mida não param de au­mentar», «são já mais de 200 mil os jo­vens que acu­mulam mais que um em­prego».

A In­ter­jovem su­blinha que «os lu­cros mi­li­o­ná­rios, que não param de crescer, são fruto do nosso tra­balho». Aos que dizem ser pre­ciso pro­duzir ri­queza, para de­pois dis­tri­buir, os jo­vens con­tra­põem que «toda essa ri­queza existe, nós já a pro­du­zimos, está é mal dis­tri­buída».

En­quanto mi­lhões de euros vão para os ac­ci­o­nistas das grandes em­presas, estas «pagam sa­lá­rios baixos, muitas mesmo o sa­lário mí­nimo, como acon­tece com a Sonae, a Randstad, a In­telcia ou a Eu­rest, entre ou­tras». E o Es­tado ainda as pre­miou por isso!

Como se fosse normal...

A pre­ca­ri­e­dade «vai-se tor­nando cada vez mais a norma», pro­tes­taram os di­ri­gentes da In­ter­jovem, re­jei­tando tal ten­dência e dando exem­plos:

– «Como se fosse normal ter de andar de con­trato a prazo em con­trato a prazo, até ao li­mite legal e sem ga­rantia de chegar ao vín­culo efec­tivo, man­tendo a nossa vida em sus­penso, sem saber se vamos ter ou não o con­trato re­no­vado»;

– «Como se fosse normal tra­ba­lhar para uma em­presa, exer­cendo ta­refas per­ma­nentes, mas ser pago através de uma outra em­presa, sob a capa de “tra­balho tem­po­rário”, pondo e dis­pondo da vida dos tra­ba­lha­dores e afas­tando-os das me­lhores con­di­ções da em­presa para a qual, de facto, tra­ba­lham»;

– «Como se fosse normal ar­ris­carmo-nos a aci­dentes de mota ou bi­ci­cleta, sem ga­rantia de pro­tecção da em­presa cujo logo le­vamos na mo­chila».

Para a In­ter­jovem, «a pre­ca­ri­e­dade não é normal e não é ine­vi­tável», e «com a luta, os jo­vens têm con­se­guido com­batê-la e têm con­quis­tado vín­culos efec­tivos».

Agenda sem so­lu­ções

São exi­gidas «so­lu­ções que o Go­verno do PS não tem apre­sen­tado», pois segue «a mesma po­lí­tica de fa­vo­re­ci­mento do grande ca­pital das úl­timas dé­cadas». Além de manter as normas gra­vosas da le­gis­lação la­boral que atacam a con­tra­tação co­lec­tiva, «in­tro­duziu al­te­ra­ções que apro­fun­daram ainda mais a pre­ca­ri­e­dade, com o pe­ríodo ex­pe­ri­mental de seis meses, in­justo, que serve de me­ca­nismo de fa­ci­li­tação de des­pe­di­mentos de jo­vens».

Per­sis­tindo na «agenda do tra­balho digno e de va­lo­ri­zação dos jo­vens», o Go­verno «finge a mesma pre­o­cu­pação com os pro­blemas da ju­ven­tude», sem apre­sentar so­lu­ções para os pro­blemas dos ho­rá­rios des­re­gu­lados e dos baixos sa­lá­rios, pro­pondo «os mes­mís­simos me­ca­nismos de nor­ma­li­zação da pre­ca­ri­e­dade».

An­te­ce­dida de lutas «por me­lhores con­di­ções de vida e de tra­balho, como na Amarsul, na Tesco, na Exide, na Con­ti­nental An­tenna, na Hannon, na Sonae, no Au­chan, na ITX», a ma­ni­fes­tação com­provou que «que­remos avançar, que­remos o que é nosso, e os jo­vens têm lu­tado por isso», «porque é com a luta que con­quis­tamos o que é nosso».

Con­ti­nuar a luta

Na re­so­lução acla­mada em Lisboa e no Porto, exige-se que o Go­verno vá «além da pro­pa­ganda e me­didas pa­li­a­tivas» e tome «me­didas efec­tivas de de­fesa do em­prego e va­lo­ri­zação do tra­balho e dos tra­ba­lha­dores».

São re­a­fir­madas as rei­vin­di­ca­ções co­lo­cadas du­rante as se­manas de mo­bi­li­zação para 31 de Março, de­sig­na­da­mente:

• Au­mento geral dos sa­lá­rios, em 90 euros, e do sa­lário mí­nimo na­ci­onal, para 850 euros;

• Fim da pre­ca­ri­e­dade, para que a um posto de tra­balho per­ma­nente cor­res­ponda um tra­ba­lhador com vín­culo efec­tivo;

• Fim dos ho­rá­rios des­re­gu­lados e ho­rário se­manal de 35 horas para todos, sem perda de re­tri­buição;

• Efec­ti­vação dos di­reitos, no­me­a­da­mente de ma­ter­ni­dade e pa­ter­ni­dade e dos tra­ba­lha­dores-es­tu­dantes;

• Re­vo­gação das normas gra­vosas do Có­digo do Tra­balho, tais como o pe­ríodo ex­pe­ri­mental de 180 dias para tra­ba­lha­dores à pro­cura do pri­meiro em­prego ou a ca­du­ci­dade da con­tra­tação co­lec­tiva, e re­po­sição do tra­ta­mento mais fa­vo­rável ao tra­ba­lhador;

• Re­forço do in­ves­ti­mento nos ser­viços pú­blicos, no­me­a­da­mente no Ser­viço Na­ci­onal de Saúde;

• Con­di­ções de saúde e se­gu­rança nos lo­cais de tra­balho e trans­portes.

 

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