- Nº 2523 (2022/04/7)

A questão é derrotá-los

Opinião

O que levará um empresário agrícola que, há uma dezena de anos plantou um olival, a arrancá-lo pela raiz, deixando essas árvores ao sol, destruindo assim uma riqueza que, presume-se, custou tanto a criar? Ora, esta é a realidade que, por estes dias, podemos assistir em várias zonas do Alentejo, designadamente na servida pela Obra Hidroagrícola de Alqueva.

O espanto ainda é maior quando nos dizem que o objectivo é plantar, naqueles mesmos terrenos, outro olival, mas agora, em vez de ser em modo intensivo, em modo super intensivo, num compasso ainda mais denso, ou seja, com muito mais árvores, mais de 1600, por hectare.

Trata-se, repete-se, de milhares de árvores, que estão no auge da produção, inseridas num processo, de que, aliás, os poderes públicos se vangloriam como um extraordinário sucesso, por ter permitido passar de uma situação de défice produtivo em azeite para um superavit que ultrapassa os 160%.

Encontramos apenas uma explicação, que é bem reveladora da irracionalidade do capitalismo. Os grupos económicos e o capital financeiro que está hoje por trás do desenvolvimento do capitalismo agrário na região vêem, ali, mais uma oportunidade de negócio e de intensificar ainda mais os seus lucros, a partir da sobre-exploração da terra e dos recursos naturais, designadamente da água.

Ao contrário dos agricultores, que alicerçam as suas forças em ver crescer as sementes que lançam à terra, as árvores que plantam ou os animais que vêem nascer, o capitalismo agrário só se anima com a produtividade, a competitividade, a governança ou modelo de negócio, palavras mágicas que lhes abrem os sorrisos e que enchem as páginas de relatórios e de planos e programas oficiais a justificar estas opções.

Quatro registos

Estas notícias são tão mais inquietantes quanto convocam quatro registos incontornáveis.

O primeiro, é o de que estas situações lembram que já assistimos a este processo, mas arrancando olival tradicional, com dezenas ou centenas de anos, que produzia azeite de altíssima qualidade, praticamente sem a necessidade de rega. Os mesmos que alimentam campanhas em defesa do ambiente, que apontam o dedo aos comportamentos individuais relativos, por exemplo, ao uso da água, tomam medidas em função do seu bolso, que são, elas sim, prejudiciais para o ambiente, para a biodiversidade e mesmo para a saúde pública.

O segundo, relacionado com o facto de tais investimentos, de dezenas de milhares de euros por hectare, serem feitos, em larga medida, à custa de dinheiros públicos. Um capitalismo parasitário, que depende, em primeiro lugar, do apoio directo do Estado para realizar os seus investimentos e, posteriormente, das grandes obras públicas, para sobreviver, mesmo que usem todos os meios para desvalorizar e menorizar o seu papel.

O terceiro é o de que estas operações são realizadas sem que as entidades públicas intervenham, face à realidade de monocultura a que assistimos naquela região. Uma monocultura que, além do mais, não assegura a fixação seja de população, uma vez que quase todo o trabalho é precário, mal pago, assentando em mão-de-obra quase escrava, como acontecimentos recentes nos recordam, seja da riqueza, num quadro em muitas das empresas são estrangeiras, principalmente espanholas, e que as compras que fazem e a maquinaria que empregam vêm de fora e regressam à origem no final dos trabalhos de campanha.

O quarto é o de que perante a evidência da dependência extrema de Portugal em matéria de cereais, que os tempos presentes tornam mesmo dramática, o que seria sensato era colocar estes terrenos, muitos deles dos melhores para este tipo de produção, ao serviço da necessidade de garantir a alimentação do nosso povo.

Desumano e irracional

O capitalismo é um sistema desumano. Havendo hoje a capacidade de produzir alimentos para fazer face às necessidades de toda a Humanidade, não apenas aposta em produções que não o asseguram, como permite o desperdício de milhões de toneladas que impediriam que milhões de crianças continuassem a passar fome, e promove a guerra nos países principais produtores de alimentos.

Mas é, para além disso, irracional. Para garantir o seu único objectivo – acumular lucros e concentrar a riqueza produzida – não olha a meios. Sempre bem instalado à mesa do Orçamento, recorre mesmo, como aqui se vê, sem qualquer hesitação, à destruição da capacidade produtiva instalada, na certeza de receitas públicas imediatas e na expectativa de ainda maiores lucros futuros.

O problema é que política de direita não lhe põe o freio nos dentes. E é por isso que, mais cedo que tarde, temos de derrotar uma e outro.


João Frazão