- Nº 2527 (2022/05/5)

Dicotomia

Opinião

Adoptar um conceito comum de segurança; respeitar a soberania e integridade territorial e a não ingerência nos assuntos internos de outros países; acatar os objectivos e princípios da Carta das Nações Unidas; reconhecer a importância das legítimas preocupações de segurança de todos os países; aceitar a resolução de diferendos e disputas por meios pacíficos através do diálogo e consulta; manter a segurança em áreas tradicionais e não tradicionais, de forma integrada – eis, em síntese, a Iniciativa de Segurança Global proposta pela China na abertura Anual de 2022 do Fórum do Boao para a Ásia, há uma semana.

Apresentada pelo presidente Xi Jinping, a Iniciativa assenta na convicção de que a «segurança é um pré-requisito para o desenvolvimento» e de que a «Humanidade é uma comunidade de segurança indivisível».

Uns dias depois, o Congresso dos EUA ressuscitava uma lei da Segunda Guerra Mundial para permitir à Casa Branca uma forma expedita de enviar armas para a Ucrânia, e Biden pedia (mais) 33 000 milhões de dólares para a guerra por procuração que se trava na Europa. Fontes bem informadas dizem que a fatia de leão se destina a armamento, mais de 20 000 milhões de dólares, um reforço significativo do pacote de 3400 milhões que, segundo a CNN, foi fornecido em assistência inicial e que já irá no dobro.

Embora não se possa dizer que estamos a falar de peanuts, dado que as verbas do pacote milionário serão tudo menos uma mixaria, o que importa ter em conta é a abissal diferença de posicionamento das duas super potências.

De um lado, a iniciativa de Segurança Global propõe-se contribuir, «com a sabedoria e a experiência chinesa», para garantir uma «segurança mundial partilhada», numa altura em que a paz está perigosamente fragilizada em consequência da «eclosão da crise na Ucrânia, devido à contínua expansão da NATO».

De outro lado, já ninguém tenta esconder que a pseudo neutralidade militar dos EUA e da NATO no conflito é pura ficção e que não há qualquer interesse em investir numa solução negociada. Biden gaba-se dos «milhares de mísseis, helicópteros, radares e mais de 50 milhões de munições» enviados para Kiev desde o início da guerra, que se juntaram às 130 toneladas de armamento enviadas antes, e não pára de lançar achas para a fogueira. O mesmo sucede com o corropio de altos dignitários norte-americanos pela Europa a garantir que é preciso destruir a Rússia, à custa dos ucranianos, meros peões num jogo de interesses que ameaça acabar mal.

A recente reunião de chefias militares de 40 países em Ramstein, na Alemanha, país onde forças norte-americanas treinam ucranianos, remete para um conselho de guerra que ninguém diz querer mas onde todos querem ser heróis. A China que se cuide: a paz não está na agenda. Por cá, a guerra já começou.


Anabela Fino