- Nº 2527 (2022/05/5)

«Sabemos nós para onde vamos?»

Opinião

A campanha anticomunista e, por consequência, antidemocrática, desenvolvida em torno da guerra na Ucrânia tem ela própria, como seria de esperar com o passar do tempo, denunciado a sua própria natureza e objectivos. É cada vez mais visível que assenta em dois pilares: a) a instigação do ódio, da xenofobia, da perseguição política, em oposição à necessidade de uma cada vez mais necessária aproximação e cooperação entre povos, incluindo para inverter e superar situações de conflito; b) a defesa da guerra, em oposição à defesa de uma solução pacífica e negociada.

Vamos ao primeiro pilar. A operação política e ideológica de mentira, manipulação e ofensa que foi desenvolvida contra a CM de Setúbal e contra o PCP encerra várias questões, todas elas graves: a primeira é o anticomunismo puro e primário, que isola o «caso de Setúbal» de outros em que se verificaram processos com características similares de recepção de refugiados, aliás de acordo com as regras das entidades nacionais responsáveis; a segunda reside no facto de a sr.ª embaixadora da Ucrânia e o presidente de uma associação de ucranianos defenderem a instauração de uma barreira xenófoba entre ucranianos e russos, instigando assim um caldo de intolerância, incompreensão e mesmo ódio entre comunidades residentes em Portugal que tanto têm em comum e cilindrando uma associação que na sua direcção tem cidadãos oriundos de vários países do Leste europeu. A terceira questão diz muito sobre a sua cultura «democrática». Além de se ingerirem abertamente na vida partidária nacional, tais representantes defendem a extinção de partidos portugueses e consideram que a Administração Pública portuguesa deve condicionar emprego e funções em função da opinião ou mesmo naturalidade. Tal «filtro» (nas palavras de um desses representantes), parece ir ao ponto de os cidadãos nacionais terem que clarificar as suas opções e opiniões políticas para poder exercer determinadas funções. Aliás, para tais representantes, qualquer pessoa de naturalidade russa que tenha tido ou tenha contactos com a embaixada do seu país de origem deve ser imediatamente «classificado». Tal postura e práticas, a que acrescem inaceitáveis declarações da sr.ª embaixadora da Ucrânia deveria, por força da Lei e da Constituição, merecer uma resposta por parte das autoridades competentes.

O segundo pilar é o militarismo, a guerra sem fim e a falta de vontade de quaisquer perspectivas de negociação com vista a uma solução pacífica. Repetem-se nas TV portuguesas autênticos «anúncios» de envio de armamento pesado, com «tecnologia topo de gama» dos EUA quase em jeito de comemoração. Continua, depois de 5 mil milhões de dólares de armamento ter sido enviado para a Ucrânia, a defender-se que tem de haver mais e mais armas. Os EUA respondem com mais 20 mil milhões só para armamento (mais 10 mil milhões para outros fins); a Alemanha junta-se aos fornecedores de armamento e Canadá e Reino Unido vangloriam-se de feitos que são de participação na prática na guerra. Em Rammstein, os EUA lideram uma reunião da NATO com os seus aliados directos para renovar ameaças e clarificar: o objectivo é «enfraquecer a Rússia», armar a Ucrânia até aos dentes e treinar as suas forças, muito para lá do fim da guerra. A irracionalidade está ao rubro. Como o PCP vem alertando desde 2014 é necessário parar a guerra e a escalada sob pena de ser tarde demais. Não somos só nós que o dizemos. O insuspeito Henry Kissinger afirmou: «a discussão pública sobre a Ucrânia resume-se à confrontação. Mas sabemos nós para onde vamos?»


Ângelo Alves