Programa da Festa ainda mais rico com a presença de Dino D’Santiago

De­pois de uma ac­tu­ação me­mo­rável em 2020, Dino D’­San­tiago volta este ano à Festa do Avante!, jun­tando-se assim às mais de duas de­zenas de ar­tistas já con­fir­mados. O anúncio foi feito na sexta-feira, 8, com o pró­prio ar­tista a as­si­nalar o facto com uma de­cla­ração pu­bli­cada em vídeo nas redes so­ciais da Festa: «Este ano es­tarei pre­sente na Festa do Avante!, porque não há festa como esta».

As can­ções de Dino D’­San­tiago têm um forte cunho so­cial

O pro­grama mu­sical da Festa do Avante! foi apre­sen­tado ainda em Maio e tem, como sempre, ar­tistas, es­tilos e ten­dên­cias para todos os gostos: da mú­sica clás­sica pre­sente nos li­vros de Sa­ra­mago à mú­sica nova que esses mesmos li­vros ins­pi­raram; da mú­sica po­pular por­tu­guesa à afri­cana; do fado ao jazz; do rock ao blu­e­grass; do hip-hop à mú­sica de dança e elec­tró­nica po­li­ti­ca­mente em­pe­nhada, numa ini­ci­a­tiva ino­va­dora – a Rave Avante!. Dois con­certos ho­me­na­ge­arão Adriano Cor­reia de Oli­veira, no ano em que faria 80.

Pelos palcos da Festa pas­sará a me­lhor mú­sica que se faz em Por­tugal, bem como ar­tistas de An­gola, Bél­gica, Brasil, Cabo Verde, Cuba, França, Gana, Lí­bano e de muitas ou­tras pa­ra­gens. Novos, uns, que ali se mos­trarão. Con­sa­grados, ou­tros, es­tre­ando os úl­timos tra­ba­lhos.

Também pela mú­sica, a Festa é única!

É a este mul­ti­fa­ce­tado pro­grama que se junta agora Dino D’­San­tiago, um dos nomes in­con­tor­ná­veis do pa­no­rama mu­sical por­tu­guês con­tem­po­râneo. O seu mais re­cente álbum, Badiu, foi já con­si­de­rado um dos me­lhores de 2021. In­clui Lo­kura e Es­kinas e conta com a par­ti­ci­pação de Branko e Slow J, entre ou­tros ar­tistas.

Nas suas can­ções e ac­tu­a­ções estão muito pre­sentes os temas de cariz so­cial, abor­dando-se ques­tões re­la­ci­o­nadas com o ra­cismo, a dis­cri­mi­nação, a po­breza, a ex­clusão.

Na­tural de Quar­teira, Dino D’­San­tiago funde sons de tra­dição cabo-ver­diana, onde tem as suas ori­gens, com so­no­ri­dades elec­tró­nicas mais con­tem­po­râ­neas.


O ar­tista existe para ser a voz am­pli­fi­cada do povo

As suas can­ções e atu­a­ções focam-se muito em temas de cariz so­cial. Essa é uma opção evi­den­te­mente de­li­be­rada. O que é que o levou a cons­truir a sua car­reira com base em le­tras desse tipo em vez, por exemplo, como tantos ou­tros ar­tistas fazem, de se focar apenas em can­ções de amor?

A grande ironia é que o meu foco é mesmo o de es­crever can­ções de amor. Tudo o que vi­vemos re­sume-se às vá­rias faces do amor. O ódio, a ga­nância, o egoísmo des­me­dido que nos levam aos actos mais sór­didos, cruéis e ima­gi­ná­rios, du­rante mi­lé­nios são não mais do que o amor num es­tado de do­ença. O que tenho feito ao longo destes anos é a busca in­ces­sante pela outra face do amor, onde cada um de nós re­pre­senta um foco de luz e de es­pe­rança.

As mi­nhas can­ções são ora­ções ali­nhadas com a minha es­sência, o que co­nheço de mim em em­patia com o pró­ximo, ou o que quero ainda des­co­brir nas mi­nhas li­mi­ta­ções. As can­ções são as notas que vou ti­rando nesta apren­di­zagem do sim­ples­mente aceitar a con­dição vul­ne­rável do Ser.

 

Quando re­cebeu este ano, o que acon­teceu pela ter­ceira vez, os pré­mios Play (de Me­lhor Ar­tista Mas­cu­lino e, ainda, o Prémio da Crí­tica), fez questão de deixar um re­cado aos seus co­legas mú­sicos: «Fa­zemos parte de um tempo e de­vemos re­fletir esse tempo. Não po­demos ser in­di­fe­rentes ao que acon­tece no mundo, en­quanto houver guerras e fomes todos fa­zemos parte dessa equação». Isto é uma crí­tica por achar que mú­sica po­pular – ou uma parte dela – está a afastar-se da uma função in­ter­ven­tiva na so­ci­e­dade, que se aliena dos pro­blemas mun­diais?

Es­teve muito longe de ser uma crí­tica. Foi um ma­ni­festo de des­pertar. Sinto de ver­dade que nós somos um veí­culo de co­mu­ni­cação através do qual a arte se ma­ni­festa. E o facto de muitas vezes sermos en­go­lidos pela pressão da in­dús­tria em ca­pi­ta­lizar com a nossa arte, es­que­cemo-nos de qual é a nossa função pri­mor­dial.

O ar­tista existe para ser a voz am­pli­fi­cada do povo. Re­flectir o mo­mento pre­sente, de­nun­ciar as in­jus­tiças e de­se­nhar um novo fu­turo. Nem todos têm que sentir desta forma, pois somos li­vres de es­co­lher o nosso ca­minho, mas é pri­mor­dial que per­ce­bamos qual o nosso pro­pó­sito neste plano da vida, para que não se­jamos sim­ples ins­tru­mentos de en­tre­te­ni­mento.

 

Acha que a mú­sica po­pular do sé­culo XXI pre­cisa de ter uma papel se­me­lhante ao que teve a mú­sica de in­ter­venção do sé­culo XX, que em Por­tugal criou ícones como José Afonso ou Adriano Cor­reia de Oli­veira? Que se­me­lhanças e di­fe­renças en­contra entre o papel so­cial do mú­sico desse tempo e deste?

Sou muito fã do sé­culo XX. Acre­dito e ins­piro-me muito em ar­tistas do sé­culo pas­sado. Bob Marley, Nina Si­mone, Sam Cooke, Fela Kuti, Freddie Mer­cury, Zeca Afonso, Ce­sária Évora e Bob Dylan dei­xaram um le­gado ines­ti­mável no que diz res­peito à luta pela dig­ni­dade hu­mana e o res­peito que de­vemos ter neste pro­cesso de acul­tu­ração. Não eram os nú­meros que os mo­viam, mas a ne­ces­si­dade de re­flectir o tempo que vi­viam, fun­ci­o­nando sempre como des­per­ta­dores de eman­ci­pação. Acre­dito que o sé­culo XXI traz ou­tros de­sa­fios e aqui o nosso papel é o de pelo menos cum­prir o que os nossos an­te­ces­sores so­nharam um dia.

 

Já ex­plicou vá­rias vezes que o nome do seu úl­timo disco, Badiu, é a de­sig­nação das pri­meiras pes­soas afri­canas es­cra­vi­zadas pelo oci­dente, na re­gião da Gâmbia e da Guiné, que con­se­guiram formar uma nação cri­oula. Porque é que a his­tória dos Badiu o im­pres­si­onou tanto?

O que mais me im­pres­si­onou foi per­ceber que os meus pais, que são ori­gi­nal­mente Ba­dius, des­co­nhe­ciam a sua pró­pria his­tória. E quanto mais apro­fundei a questão, mais senti que tinha de deixar esta ho­me­nagem ao povo que me edi­ficou en­quanto ci­dadão do Mundo. E per­ceber que é pre­ciso che­garmos ao Museu da Es­cra­va­tura, em Washington, para bater de frente com a cru­el­dade do ge­no­cídio e a de­su­ma­ni­dade tra­zida pela Eu­ropa até ao Con­ti­nente Afri­cano, mexe muito co­migo. Ter cres­cido com uma ideia com­ple­ta­mente dis­tor­cida da his­tória das mi­nhas ori­gens, sen­tindo-me um «con­quis­tador» e «herói do mar» du­rante tanto tempo, sem per­ceber que os he­róis que ad­mi­rava foram não mais do que as­sas­sinos dos meus an­ces­trais… até me custa ler o que estou a es­crever porque é bater de frente com algo que ainda não mudou nos nossos li­vros de His­tória, que con­ti­nu­amos a não contar a ver­dade às nossas cri­anças.

Os PALOP con­ti­nuam a es­tudar a nossa his­tória Afri­cana, se­gundo um olhar do sis­tema de edu­cação Eu­ropeu. É tempo de não si­len­ci­armos. Temos de agir e re­al­mente fa­zermos a mu­dança dessa es­tru­tura eu­ro­cen­trista.

 

Também disse que este disco de­corre muito do im­pacto pes­soal que sentiu com o nas­ci­mento do seu filho. Tem medo que este mundo não sirva para o seu filho viver?

Tenho medo de que o Lucas seja re­flexo dos meus medos. Quero que ele seja um ser livre e eman­ci­pado, com pro­pri­e­dade de ser sem qual­quer li­mi­tação so­cial. Que sinta or­gulho em ser cri­oulo, no ver­da­deiro sen­tido da pa­lavra, fruto da mis­tura e de um novo mundo.

 

Es­teve este ano numa con­fe­rência da World In­tel­lec­tual Pro­perty Or­ga­ni­za­tion, uma or­ga­ni­zação li­gada às Na­ções Unidas, sobre o im­pacto da pan­demia nos di­reitos in­te­lec­tuais dos ar­tistas. Pode ex­plicar, em termos ge­rais, o pa­no­rama que re­latou e o que ouviu?

Foi um mo­mento muito im­por­tante nesta ca­mi­nhada que tenho feito, pois a WIPO é uma or­ga­ni­zação que de­fende o di­reito in­te­lec­tual e tem lu­tado para que os ar­tistas e acima de tudo os cri­a­dores en­tendam o valor da nossa arte. E sa­bermos como re­clamar os nossos di­reitos.

Dei um exemplo muito prá­tico: du­rante a pan­demia, 80% do meu ren­di­mento veio através da re­colha dos meus di­reitos au­to­rais e co­nexos. Com a au­sência de con­certos, o facto de eu ter as mi­nhas obras de­vi­da­mente re­gis­tadas fez com que o con­forto fi­nan­ceiro me per­mi­tisse es­crever dois al­buns – Kriola e Badiu. E ainda hoje temos muitos ar­tistas que não estão re­gis­tados ou que per­cebam a im­por­tância de sermos os de­ten­tores dos nossos mas­ters. O ar­tista con­tinua a ser o úl­timo a comer, quando es­tamos nesta ceia que é a indús­tria das artes.

Fui con­vi­dado a estar mais vezes pre­sente nas Na­ções Unidas para con­ti­nuar essa luta que acre­dito de ver­dade que ven­ce­remos.

 

Dino D’­San­tiago vai à Festa do Avante! de­pois de uma su­cessão de con­certos que a im­prensa re­gistou como tendo sido atu­a­ções de ele­vado nível. A ida à Festa é es­pe­cial? O re­per­tório e centra-se no úl­timo disco ou vi­sita também os an­te­ri­ores?
Há al­guma sur­presa pre­pa­rada?

A Festa do Avante é o único lugar onde sinto que todos en­tendem a men­sagem que quero passar! Já estou a contar os dias, para que fa­çamos mais uma vez his­tória nesta Nação Kriola! Nu Bai!!

Novos va­lores nos palcos da Ata­laia

São já co­nhe­cidos os três pro­jectos mu­si­cais que ac­tu­arão na Festa do Avante! por via do Con­curso de Bandas Novos Va­lores. Pro­mo­vido pela Ju­ven­tude Co­mu­nista Por­tu­guesa, o Con­curso en­volveu 30 pro­jectos, dos quais foram sendo su­ces­si­va­mente apu­rados al­guns, quer pelo voto aberto através das redes so­ciais quer por um júri, que acabou por se­lec­ci­onar os três ven­ce­dores.

Um deles é Another Level Squad, pro­jecto de Sérgio Costa, que res­ponde no meio pelo nome ar­tís­tico Seaan Tiller. É o pró­prio quem se apre­senta: «Sou na­tural de An­gola (Lu­anda), aos quatro anos vi­ajei para Por­tugal e desde aí vivi sempre no Bar­reiro, Se­túbal. Desde muito jovem, sempre tive amor à mú­sica e o es­tilo que sempre me ca­tivou foi o hip-hop. Mas também gosto de ou­tros es­tilos como pop, rock, R&B, etc. Tenho como ins­pi­ra­ções e ídolos Mi­chael Jackson, 2Pac, Big Sean, Bryson Tiller.»

Outro dos pro­jectos se­lec­ci­o­nados tem o nome Maria Silva e ins­pira-se no vasto es­pólio de me­lo­dias po­pu­lares re­co­lhidas pelo et­no­mu­si­có­logo Mi­chel Gi­a­co­metti. As­su­mindo-se como um grupo de «mú­sica tra­di­ci­onal por­tu­guesa re­vi­si­tada», Maria Silva nasceu em 2021. Pro­cu­rando manter a sim­pli­ci­dade e a força ca­rac­te­rís­ticas desta so­no­ri­dade por­tu­guesa, estão também pre­sentes na har­mo­ni­zação e ins­tru­men­tação in­fluên­cias da mú­sica clás­sica, jazz e do mundo. Com­põem o grupo Fran­cisco Leite, Gus­tavo Paixão, Inês Ro­dri­gues da Silva e Mi­guel La Feria.

Ter­minal, o ter­ceiro pro­jecto es­co­lhido, é uma banda de Indie Rock de Coimbra, for­mada em Se­tembro de 2019 e cons­ti­tuída por Tomás Dinis (voz e gui­tarra), Diogo So­ares (baixo), Edu­ardo Gon­çalves (ba­teria), João Reis (gui­tarra) e Thomas Fresco (te­clado). Já com vá­rios fes­ti­vais e um EP de can­ções ori­gi­nais na ba­gagem, têm um sol bas­tante ver­sátil de­vido às di­fe­rentes in­fluên­cias tra­zidas por cada um dos seus mem­bros. Es­peram voltar a es­túdio em breve.