O Cinema morreu Viva o Cinema!
O cinema «tradicional» coexiste com diversas outras modalidades
Talvez, como propôs Arlindo Machado, uma determinada concepção de cinema encontre o seu fim, porém isso não significa para o cinema o fechamento de todos os seus percursos possíveis. Trata-se, como sugeriu o autor, de deixar de pensar o «cinema como um modo de expressão fossilizado, paralisado na configuração que lhe deram Lumière, Griffith e os seus contemporâneos, mas como um sistema dinâmico, que reage às contingências da sua história e se transforma em conformidade com os novos desafios que lhe lança a sociedade» (1997).
Neste quadro de abertura a novas caracterizações, o cinema vive contemporaneamente um período de vitalidade e de importante reestruturação. Como aponta Erick Felinto, ao ter encontrado novos suportes e novas linguagens – aliás, percurso diagnosticado antes noutras artes como a literatura ou as artes plásticas –, o cinema «vê-se confrontado com o desafio de redefinir as suas práticas, poéticas e fronteiras» (2006).
Robert Stam e Holly Willis, reflectindo sobre o mesmo tópico, referem a presente inexistência de media puros como ideia fundamental. Este facto origina um novo cenário expressivo em que as linguagens, que estavam antes consignadas a um medium particular, passam a influenciar-se e contaminar-se entre si. Neste quadro, de acordo com Willis, além de se alterarem os conceitos de qualidade de imagem e aquilo que o público gosta de ver, «estabelece-se, também, um novo vocabulário ou sintaxe, construído a partir da hibridização ou mistura de formas, em que se combinam modos de registos, géneros e formatos» (2008). Ocorre, assim, uma fusão entre cinema, música e design que origina que o cineasta se converta num digitalista, «alguém sintonizado com a fluência e miscigenação de códigos em múltiplos registos» (Willis, 2008).
É certo que este esbatimento das fronteiras disciplinares e a perda da especificidade dos media não se iniciou com o advento da tecnologia digital, nem mesmo antes com a introdução do vídeo analógico. As delimitações, mantidas a nível institucional, sempre foram bastante fluídas. A autora assinala que esta noção é demonstrada pela existência de artistas/cineastas que trabalharam em múltiplos registos, com várias linguagens e em contextos diferenciados e pela permanência de diversas modalidades de expressão cinematográfica).
O que ocorre hoje é um incremento na multiplicação e complexificação das possibilidades que expande as formas de produção, assim como os circuitos e canais de distribuição e os contextos de exibição. É também a esta noção de mistura formal e material de linguagens e de dispositivos que Rosalind Krauss pretende aludir quando afirma que «habitamos uma condição pós-medium» (1999), território onde se elabora o cinema contemporâneo.
O cinema, tal como foi habitualmente definido, pelo menos na sua formulação dominante, existe agora em paralelo com diversas outras modalidades. Este não mais depende da película e dos seus equipamentos próprios, é distribuído e visto em plataformas e espaços diversos e requer posturas que se distanciam da atitude convencional associada à sala escura. Mais intervenientes participam na sua construção e difusão e novas tipologias estéticas e narrativas são identificadas nos objectos que daí resultam.
A reestruturação desta forma de expressão e de todos os seus elementos convencionais tem suscitado um amplo questionamento. Alguns crêem que estamos perante um momento de perda, outros consideram que esta é uma oportunidade de renovação e de abertura a outras possibilidades e, outros ainda, julgam que nada de significativamente novo ocorre com estas mudanças.