A mão
Dias de intenso calor, quando, no seguimento de meses de seca, o País se encontra, na sua quase totalidade, em situação de Seca Severa ou Extrema, levaram o Governo, com o respaldo, sempre presente, do Presidente da República, a desdobrar-se em decisões, visitas, anúncios e declarações sobre os quais é necessário dizer duas palavras.
A primeira sobre a tentativa de responsabilização individual que está presente no conjunto de intervenções, quer de uns, quer de outro, sintetizada nas infelizes expressões do primeiro-ministro – «para haver incêndios tem de haver mão humana» ou «o que faltam não são meios, é cautela» – a que alguns se agarram para destilar a sua verve populista e reaccionária.
De facto, toda a narrativa oficial, oficiosa e publicada em torno dos incêndios coloca a tónica na culpa das populações, dos agricultores que fazem queimadas, ou dos que decidem passear ou fazer um pic-nic pela floresta.
Tentam assim esconder quer que em muitos incêndios não é necessária mão humana, seja negligente ou criminosa – como os incêndios de Pedrogão em 2017 bem mostraram –, quer que mesmo havendo mão humana a dimensão brutal que estes atingem decorre muito mais da ausência de prevenção, do desordenamento florestal, da desertificação e do despovoamento, ou do abandono das actividades agrícolas e da pastorícia e, portanto, se ligam mais à política de direita do que à sardinhada infeliz.
E a segunda palavra a de que, compreendendo-se medidas de prevenção e contenção, mesmo de limitações de actividades para proteger a floresta e, particularmente bens e vidas humanas, não se pode deixar de sinalizar a promoção do medo que lhe vem associada, na esteira aliás do que nos últimos tempos tem acontecido, seja a propósito da epidemia, seja a propósito da guerra.
A notícia, não desmentida que uma Junta de Freguesia da cidade de Lisboa decidiu encerrar parques infantis urbanos é, a esse propósito, bastante elucidativa da histeria a que se pode chegar.
Topa-se à légua que a azáfama dos governantes, o desdobramento de presenças e intervenções de Ministros e Secretários de Estado ou a tomada de medidas por excesso, partindo do avisado provérbio de que vale mais prevenir que remediar, facilitam a criação da ideia de que alguma coisa se está a fazer, face à evidência do muito que está por concretizar.
Mas se alguma mão é para aqui chamada, é mesmo a mão que falta numa outra resposta aos problemas que persistem.