Entrevista a Carmen Souza

«Somos eternos exploradores e descobridores de novos sons»

Vai ser um espectáculo com uma dinâmica festiva e alguns momentos de reflexão

Na imprensa, a música de Carmen Souza é muitas vezes definida como sendo World Jazz. Revê-se nessa designação ou prefere caracterizá-la de outra forma?

Hoje em dia revejo-me na categoria Jazz Lusófono, visto que que a minha música bebe muito das influências da música e dos ritmos da Lusofonia, misturada com a improvisação do Jazz. No fundo, pode ser também World Music porque tem influências de vários outros lados do mundo.

 

Nasceu em Lisboa, viveu com os pais em Almada e a música que faz elabora em torno da música de raiz cabo-verdiana, cruzando-a com múltiplas formas de jazz. Mas canta bastantes mais vezes em crioulo do que em português e as suas letras fazem referência à vida quotidiana, a imagens ou a figuras de Cabo Verde. Porque é que Cabo Verde se impõe a tudo o resto nas suas canções?

Eu não sinto separação da minha raiz cabo-verdiana da minha raiz portuguesa, daí me referir à Lusofonia, porque essa história é exactamente o que nos une. Portugal, Cabo Verde, Guiné, Brasil, Angola, Moçambique... Existe uma história, uma língua e uma vivência comuns. O facto de hoje em dia, e nos últimos 20 anos, viajar pelo mundo inteiro, faz-me sentir que sou um bocadinho de cada lugar, sinto que isso representa riqueza e é uma contribuição enorme para a música que faço juntamente com o Theo.

O crioulo de Cabo Verde deriva de uma mistura e influencia do português, e acho que existe uma identidade forte do português no crioulo. O crioulo e Cabo Verde são também a identidade dos meus pais e dos meus antepassados, por isso sinto orgulho de representar a cultura deles.

 

Porque sente necessidade de impor essa marca?

Quando canto em crioulo ou noutra língua qualquer – inglês, francês etc. - não sinto que estou a fazer uma imposição, sinto sim que é a minha forma de expressão, a minha voz, a minha identidade. Busco e identifico-me com a fonética, nas melodias que interpreto. O crioulo dá-me possibilidades de expressão e caminhos de improvisação. Sou uma amante de línguas e falo não só português e crioulo, como também sou formada em inglês, alemão, francês, espanhol e italiano e tento brincar com as várias fonéticas ao mesmo tempo.

 

O sublinhar da sua tradição cabo-verdiana nas letras, aparentemente, contrasta um pouco com a música das canções, pois apesar de partir de raízes tradicionais, é marcada por traços inovadores e de ruptura com «apertos» formais do passado… É assim?

Na realidade, a nossa música sempre foi caracterizada como transfronteiriça. Não nos sentimos revolucionários nem tradicionalistas, sentimo-nos uns eternos exploradores e descobridores de novos sons e novas formas de nos reinventarmos. O próximo disco até é uma prova disso mesmo: eu e o Theo envolvemo-nos mais em produção e inovação sonora e procuramos transformar e manipular sons, gravando em sítios pouco convencionais e com técnicas próprias, de forma a trazer novas fontes de inspiração e também de nos pormos a prova. Consequentemente, criamos uma sonoridade própria e as pessoas identificam-nos como tal.

Obviamente, a nossa música e identidade sonora são resultado de quem procura e não se importa de sair da zona de conforto ou de fórmulas.

 

A forma como canta e improvisa transforma muitas vezes as letras em unidades sonoras, pois utiliza os fonemas como se fossem sons de um instrumento, que distribui ao longo das canções. Não tem medo que as letras se «percam» nesse processo?

Eu acredito que quem estiver interessado na letra, irá procurá-la, tal como eu tantas vezes fiz com vários artistas que ouvia. Eu tenho as minhas letras disponíveis e traduzidas sempre nos booklets dos CD ou no website. O facto de cantar maioritariamente para um público internacional, ou seja, as minhas tours são em grande maioria na Alemanha, Itália, Inglaterra, faz com que o público que ouve a minha música não entenda o crioulo. E eles próprios, por vezes, falam comigo sobre as letras e os significados, porque têm sede de perceber o quadro todo e tomam a iniciativa de procurar as letras. Embora eu faca questão, ao vivo, de explicar em concerto o conteúdo geral das letras.

Na música há sempre quem valorize mais as letras, mas, por vezes acontece ao contrário, valorizam mais a melodia e só depois tentam perceber o significado da letra. Às vezes as letras ajudam a decorar a melodia e outras vezes as melodias despoletam o interesse na história ou no texto. Mas acredito que uma boa melodia com um bom texto é um ciclo completo.

 

Estão a preparar um novo disco?

O novo disco está já preparado e será lançado no final deste ano.


O espetáculo que vão apresentar na Festa do Avante! já vai reflectir novas composições?

Sim, na Festa do Avante! vamos apresentar um cheiro deste novo disco.


Vão manter-se no repertório do último disco ou vão incluir músicas dos nove discos anteriores?

O nosso espetáculo inclui temas do The Silver Messengers, mas é claro que irá incluir temas anteriores que o público reconhece e canta connosco. E também outras músicas que nunca foram tocadas ao vivo.

 

O que é que o público da Festa vai encontrar com o espectáculo da Carmen Souza com os The Silver Messengers?

Vou fazer a festa com um quinteto, o público vai ter acesso a muito boa energia, alegria, música e ritmo. Vai ser um espetáculo com uma dinâmica festiva, mas também com alguns momentos de reflexão. Os ritmos lusófonos e o Jazz estarão presentes, mas também alguns ritmos latinos e algum sentimento trazido pelo Blues.

 



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