Das cheias, que todos dizem violentas

António Santos

Não se culpe a chuva, mesmo que, em apenas 12 horas, o Ken­tucky, nos EUA, tenha re­gis­tado 25 por cento da pre­ci­pi­tação anual. Não se culpe tam­pouco a ra­pidez das cheias, que em mi­nutos ar­ras­taram mi­lhares de casas, es­tradas e pontes. Não se culpe se­quer a vi­o­lência dos rios. Fa­çamos antes como Brecht e olhemos antes para as mar­gens que os com­primem.

As cheias do Ken­tucky foram re­pen­tinas, não foram uma sur­presa. São o re­sul­tado de dé­cadas de cons­trução de­sor­de­nada, des­truição de vár­zeas, mi­ne­ração nos cumes das mon­ta­nhas, de­sin­ves­ti­mento pú­blico e, so­bre­tudo, ní­veis de po­breza in­com­pa­tí­veis com a ex­pressão “país mais rico do mundo”.

Nos con­dados mais afec­tados pelas cheias as taxas de po­breza va­riam entre os 27 e os 40 por cento. Estas po­pu­la­ções são tão po­bres que sim­ples­mente não têm di­nheiro para fu­girem às cheias, muito menos para se mu­darem per­ma­nen­te­mente para zonas mais ele­vadas e menos pe­ri­gosas. É um ciclo ar­ma­di­lhado: as cheias em­po­brecem e ao em­po­bre­cerem tornam ainda mais di­fícil es­capar às pró­ximas cheias. As iden­ti­dades dos 40 mortos que já se co­nhecem vi­eram con­firmar a velha sina: só os po­bres morrem nestas ca­tás­trofes que de na­tu­rais não têm nada.

De­pois da tra­gédia, o Es­tado de­morou dias a fazer chegar qual­quer au­xílio a mi­lhares de pes­soas, re­le­gando a di­fe­rença entre a vida e a morte para as­so­ci­a­ções pri­vadas de ca­ri­dade. À data da pu­bli­cação deste ar­tigo, mi­lhares de pes­soas con­ti­nuam sem es­gotos, sem água, sem elec­tri­ci­dade ou mesmo sem casa. Apesar dos pe­didos de ajuda fe­deral do go­ver­nador, no total, só dois abrigos pú­blicos ainda foram dis­po­ni­bi­li­zados.

Que os rios e as cheias podem ser vi­o­lentos, já todos sa­bemos. Mas o que dizer das mar­gens que os com­primem e dos mar­gi­nais que os vi­o­lentam? O que dizer da grande bur­guesia da mi­ne­ração que des­flo­resta e ar­ranca im­pune os cumes dos Apa­la­ches, des­truindo qual­quer ca­pa­ci­dade de in­fil­tração das mon­ta­nhas e com­pro­me­tendo todo o ciclo hi­dro­ló­gico? O que dizer desses ca­pi­ta­listas que du­rante mais de um sé­culo com­ba­teram o mo­vi­mento sin­dical de pis­tola na mão até ati­rarem ge­ra­ções de mi­neiros e as suas fa­mí­lias para a po­breza mais ab­jecta? Vi­o­lentos — eles sim, com as suas al­deias de ru­lotes, as suas epi­de­mias de opióides, os seus sa­lá­rios-es­mola, as suas pri­sões lo­tadas e os seus lu­cros que as cheias não levam.



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