- Nº 2541 (2022/08/11)

O prazer do cinema ao ar livre é maior na Festa do Avante!

Festa do Avante!

É junto ao lago, ao ar livre, que o CineAvante dá a conhecer a sua escolha de filmes: um olhar sobre a produção cinematográgica nacional mais recente nos formatos de curtas-metragem, longa-metragem, assim como imagem do real e a animação. São filmes que despontam uma reflexão sobre a conjuntura social, política e cultural do nosso mundo, enquadrada pela memória do que nos trouxe até aqui. Sabendo que o prazer do cinema não se limita ao nosso olhar sobre as imagens, este espaço conta com a presença dos realizadores para apresentarem os seus filmes, lançando desta forma a deixa para o debate de ideias que é também a Festa.

 

Na sexta-feira, o CineAvante marca o arranque da sua programação com a curta-metragem «O Jovem Cunhal», que será apresentado pelo realizador João Botelho.

No dia seguinte, sábado, a programação divide-se em duas sessões: uma primeira dedicada ao universo da curta-metragem – com os filmes «O que resta», «As sacrificadas» e «O Homem do Lixo» – e a segunda com a longa-metragem «Territórios Ocupados». Não descurando a singularidade estética e narrativa de cada película, ambas as sessões (antecedidas por apresentação dos filmes pelos respectivos realizadores, acompanhados por outros convidados especiais) realçam um elemento temático transversal: um País caracterizado pela geografia do abandono, fruto da desertificação do interior com o progressivo e inexorável abandono das suas terras pelas suas gentes.

Este espaço encerra a sua programação, no domingo, com uma sessão com «Mistida» e «Alcindo», apresentados pelos realizadores e convidados. Na última edição do CineAvante, a história do colonialismo à escala internacional e nacional foi tema de grande centralidade na sua programação. Em 2022, dá-se a conhecer dois filmes que abordam de modos distintos o impacto desse mesmo passado na sociedade actual.

As sinopses, trailers e mais informações podem ser consultadas em www.festadoavante.pcp.pt.

 

Ante-estreia de «Territórios Ocupados»

O CineAvante apresenta a ante-estreia da longa-metragem «Territórios Ocupados», um documentário que centra-se na história dos baldios que ainda existem no concelho de Vouzela. Uma história ímpar sobre o impacto da alienação dos terrenos baldios durante o regime fascista, para que o Estado aí promovesse a arborização da serra (neste caso, na Penoita, serra do Caramulo) em favorecimento dos grandes interesses económicos corporativos. Esta decisão da ditadura gerou revolta das populações que se viram privadas da sua única fonte de sustento, forçando-as à emigração e culminando na desertificação brutal dessas localidades.

A sessão conta com a apresentação do realizador José Vieira. Foi exactamente contra a natureza da propriedade comunitária e a sua importante função para os povos que o fascismo levou para a frente, com violenta repressão, a sua florestação de mais de 500 mil hectares, arrancados às comunidades serranas, procurando assim ferir de morte a sua umbilical relação a esta “livre e plena propriedade”, sem “divisórias nem muros, nem coutadas, nem empeços”» (Aquilino Ribeiro, na obra Quando os Lobos Uivam).

A mesma propriedade que, depois de uma longa luta – que contou com a resistência combativa dos povos serranos – foi devolvida à sua posse, uso, fruição e administração com o 25 de Abril, abrindo caminho a um novo tempo, em que os baldios foram potenciadores de uma obra notável de progresso económico, social e cultural em largas centenas de aldeias serranas. E que só não foi mais longe por força da política de direita que, há mais de quatro décadas, vem matando a agricultura familiar (e de montanha), destruindo a floresta, desertificando humanamente as serras. Apesar das suas origens seculares, os baldios, mais do que reminiscências do passado, são sementes de futuro. Obviamente, com uma outra política que, também nas serras, promova desenvolvimento eprogresso social.

 

CineAvante arranca com «O Jovem Cunhal»

«O Jovem Cunhal» evoca a memória de Álvaro Cunhal, sublinhando o impacto da sua obra política e literária, quer no combate político e ideológico a um regime fascista que assombrou a sociedade portuguesa durante quatro décadas, quer na construção e reflexão sobre a democracia do nosso País no tempo póstumo à queda do fascismo com a Revolução de 25 de Abril. Esta película celebra não apenas a determinação e coragem tão marcantes na sua vida, como evoca igualmente o impacto das suas ideias no panorama cultural português do século XX, nomeadamente o seu papel na consolidação dos princípios do movimento neo-realista português através das suas diversas manifestações artísticas. Como o realizador João Botelho refere, «encontrar o modo certo de filmar o percurso de um jovem complexo e corajoso foi tão difícil como fascinante. Para mim não há documentários nem ficções, há cinema. E o cinema pode nestes tempos de perigos e ameaças ajudar as pessoas a serem mais corajosas e mais humanas.»

 

Monstrinha na Festa

O CineAvante apresenta uma programação pensada para o público infanto-juvenil. Em colaboração com a MONSTRA – Festival de Animação de Lisboa, ali serão exibidos, no sábado e domingo de manhã, filmes de diferentes países: Portugal, França, Alemanha, Noruega, Rússia, Ucrânia, Reino Unido, Suíça e Eslovánia.

 

 

Alcindo
Realização
: Miguel Dores
Ano: 2021
País: Portugal
Duração: 75’
Observações: Documentário
Sinopse: A 10 de Junho de 1995, para celebrar o Dia da Raça e a vitória na Taça de Portugal do Sporting, um grupo de etno-nacionalistas portugueses sai às ruas do Bairro Alto, em Lisboa, para espancar pessoas negras. O resultado oficial foram 11 vítimas, uma delas mortal.

 

As sacrificadas
Realização
: Aurélie Oliveira Pernet
Ano: 2021
País: Suíça e Portugal
Duração: 22’
Observações: Ficção
Sinopse: É Verão. As montanhas portuguesas são devastadas pelos incêndios. Otília debate-se entre o trabalho como empregada de limpeza na piscina municipal e a necessidade de cuidar sozinha da mãe. Sufocada pelo quotidiano, as chamas despertam a solidão, o desespero e desejo de escapar.

 

Mistida
Realização
: Falcão Nhaga
Ano: 2021
País: Portugal
Duração: 30’
Observações: Ficção
Sinopse: Uma mãe imigrante, aflita das costas, liga ao filho para que ele a ajude a carregar os sacos de compras para casa. Durante o percurso, os dois conversam sobre o futuro através do passado, numa revinda às suas amarguras e alegrias.

 

O Homem do Lixo
Realização
: Laura Gonçalves
Ano: 2022
País: Portugal
Duração: 12’
Observações: Animação documental
Sinopse: Numa tarde quente de Agosto, a família junta-se à mesa. As memórias de cada um vão-se cruzando para recordar a história do tio Botão. Da ditadura à emigração para França, onde trabalhou como homem do lixo, e quando voltava a Belmonte na carrinha cheia de «lixo» que transformava num verdadeiro tesouro.

 

O Jovem Cunhal
Realização
: João Botelho
Ano: 2022
País: Portugal
Duração: 53’
Observações: Documentário
Sinopse: O revolucionário Álvaro Cunhal, símbolo do comunismo português e gigante político do século XX. É nada menos que uma figura maior que a vida, agora examinada pela câmara de João Botelho, num filme detectivesco, em que se exploram os primeiros anos da vida do histórico dirigente do Partido Comunista Português. Pelo meio, são encenados excertos dos seus próprios livros.

 

O que resta
Realização
: Daniel Soares
Ano: 2021
País: Portugal
Duração: 21’
Observações: Ficção
Sinopse: Emilio, um agricultor de oitenta anos, vive sozinho na sua quinta abandonada. Já só lhe resta um animal. Hoje é o dia em que ele decide vendê-lo.

 

Territórios Ocupados
Realização
: José Vieira
Ano: 2022
País: Portugal
Duração: 77’
Observações: Documentário
Sinopse: Territórios Ocupados é a história de uma espoliação contada pelo povo das serras do Caramulo. As pessoas falam da sua vida após a violenta ocupação e florestação dos seus terrenos comunitários pelo Estado em 1941. Falam de miséria e de emigração, das rupturas e das feridas impostas pelo curso violento da história, contam as suas resistências a essa expropriação. Elas têm ainda a memória de um tempo onde as comunidades se construíam numa percepção colectiva do território que as envolvia.