«O fim da abundância»

Ângelo Alves

Macron proferiu, após umas férias no Forte de Brégançon, no Mediterrâneo, um discurso digno de registo. Afirmou o presidente que estamos perante «grandes mudanças» e que está a chegar «o fim da abundância», da «liquidez sem custos», da «despreocupação» e de outras benesses (de tecnologia, energia, terras, matérias-primas e água) de que, segundo Macron, todos nós temos beneficiado. Concluiu o governante que o povo francês, e de modo geral todos nós, teremos de estar prontos para «sacrifícios».

Comentadores portugueses mostraram-se tocados com o «realismo» dos dizeres do presidente. Não nos espanta. Esses foram os que há uma década amplificaram os discursos do «vivemos acima das nossas possibilidades» e dos «sacrifícios» para «salvar» o «sistema», nomeadamente o bancário. Este discurso de Macron tem exactamente esse objectivo.

Face ao aprofundamento da crise económica do capitalismo amplificada na Europa pela política suicida de guerra e sanções, Macron prepara o terreno ideológico para justificar mais exploração, mais empobrecimento, menos qualidade de vida e menos liberdade para milhões de pessoas cuja única abundância que conhecem é a do trabalho (quando o têm) ou a da miséria ou risco dela, como é o caso de um em cada cinco pessoas que vivem na União Europeia.

Aquilo que Macron verdadeiramente quer é abrir campo para que se mantenha a abundância dos milionários que viram a sua riqueza crescer 42% desde 2019, os lucros dos grandes grupos económicos – como as 15 empresas portuguesas do PSI cotadas em bolsa que arrecadaram lucros de 2,3 mil milhões de euros no primeiro semestre deste ano (um aumento de 73% face a 2021) – ou ainda a «abundância» necessária para canalizar milhares de milhões de euros para alimentar a estratégia de guerra e das sanções que todos estamos a pagar.

Não espanta, portanto, que Macron tenha dirigido aos seus ministros a mensagem de cerrar fileiras perante os sacrifícios que se preparam para impor povo francês. Mas numa coisa Macron tem razão: o Mundo está a mudar, e depressa, e nessas mudanças existem potencialidades para, pela luta, os povos conquistarem, não a abundância, mas o direito a viverem condignamente, com justiça e em Paz.




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