- Nº 2545 (2022/09/8)
Cineavante

Cinema deste tempo e das suas lutas

Festa do Avante!

Na convidativa paisagem junto ao lago da Quinta do Cabo, o CineAvante! voltou a mostrar um cinema contemporâneo ligado às lutas políticas e ideológicas em curso. Destacou o cinema feito em Portugal, mas integrou filmes vindos de mais oito países.

As sessões da «Monstrinha na Festa», dirigidas às crianças nas manhãs de sábado e domingo, foram apresentadas por Tiago Galrito (Monstra), que salientou «a multiculturalidade e a expressão livre da cultura na Festa». Disse ele que neste cinema «tudo é possível acontecer» e isso torna «os filmes muito criativos». São elementos fundamentais para a transformação histórica: imaginar outro mundo, conceber outra realidade.

O Jovem Cunhal de João Botelho abriu o programa na noite de sexta, com uma grande moldura humana. A obra evoca a juventude de Álvaro Cunhal, histórico dirigente do PCP, a formação da sua consciência de classe como «filho adoptivo do proletariado», a luta contra o fascismo, a defesa da liberdade e da democracia — com excertos encenados dos seus textos literários, inseparáveis da sua actividade política. O realizador frisou que «não foi uma encomenda» e esclareceu: «Devo e devemos muito ao PCP. Esta foi uma forma de retribuir e agradecer.»

No fim da tarde de sábado, três curtas-metragens abordaram a desertificação, o abandono, e a emigração no interior português. O Que Resta (2021) de Daniel Soares é, segundo o próprio, uma ficção «sobre um agricultor no fim de uma vida dura que retrata as desigualdades sociais». A actriz Tânia Alves, intérprete de As Sacrificadas (2021) de Aurélie Oliveira Pernet, interessou-se pela representação «do Fundão e das suas mulheres, em especial as cuidadoras». A actriz Maria João Vaz assinalou que «é relevante que a Festa promova a arte portuguesa, o cinema em particular». O actor Francisco Nascimento estava «maravilhado com a Festa» e «com o coração cheio». A ilustradora Patrícia Guimarães notou que O Homem do Lixo (2022) de Laura Gonçalves, sobre um emigrante que reutilizava lixo de França em Portugal, «remete para histórias comuns a muitas famílias portuguesas durante a ditadura».

A noite de sábado foi um momento alto do CineAvante!, com a ante-estreia de Territórios Ocupados (2022) de José Vieira. O filme documenta o violento processo de florestação dos baldios durante a ditadura fascista, no concelho de Vouzela, Viseu. Na apresentação, Manuel Rodrigues, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP e director do Avante!, observou que o cineasta «viu a dureza da vida na serra, como ela é (como ela era)» e o filme é «uma homenagem aos povos da serra do Caramulo, a todos os povos serranos».

O combate ao racismo e a herança do colonialismo marcaram a sessão de encerramento, ao fim da tarde de domingo. Mistida (2021) de Falcão Nhaga e Alcindo (2021) de Miguel Dores, uma curta de ficção e uma longa documental, concentraram a atenção de um vasto público. Pedro Cabral, argumentista de Mistida, explicou que ele e o realizador «são filhos de imigrantes» e queriam tratar esse tema neste raro projecto desenvolvido na Escola Superior de Teatro e Cinema. Miguel Dores sublinhou a «ideia do cinema como construção colectiva, fruto de muita discussão». Pedro Santarém (Frente Anti-Racista) afirmou a importância de Alcindo na luta anti-racista ao «refrescar a memória e encontrar caminhos», porque «o racismo divide-nos, deturpa as nossas memórias, degrada a nossa história».


Sérgio Dias Branco