Sofia Ferreira foi exemplo de «comunista dedicada firme resistente antifascista e combatente de Abril»
O PCP prestou anteontem homenagem a Sofia Ferreira, que este ano faria cem anos, com uma sessão evocativa no auditório do Museu do Neo-realismo, em Vila Franca de Xira, concelho onde nasceu.
A ascensão de um certo fascismo reciclado confirma a importância do reforço e papel do PCP
«Sofia Ferreira não era apenas aquela mulher modesta e afável, portadora de um humanismo enternecedor e de uma serenidade revolucionária tocante e envolvente, que nos juntava e nos unia. Era uma mulher portadora de uma história de vida de total entrega à luta, de uma enorme firmeza e inabaláveis convicções na justeza da causa da emancipação da classe operária e dos trabalhadores, pela liberdade, a democracia e pelo socialismo», disse Jerónimo de Sousa no encerramento da sessão.
A iniciativa, realizada ao fim da tarde de terça-feira, 27 no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, foi apresentado por José Ernesto Cartaxo, que lembrou que a ex-dirigente comunista era natural de Alhandra, «vila de resistência e de resistentes antifascistas que, como ela, de uma forma organizada, não olharam a sacrifícios na luta pela liberdade e a democracia», e chamou ao palco dois jovens músicos, justamente em formação na também centenária Sociedade Euterpe Alhandrense, onde funciona o Conservatório local.
Guilherme Lourenço e Leonor Alabaça brindaram os presentes com sensíveis interpretações musicais, a que se seguiu, na tribuna, Catarina Arrojado, que falou em nome da Comissão Concelhia de Vila Franca de Xira do PCP. A jovem comunista considerou que «assinalar os 100 anos do nascimento da camarada Sofia Ferreira é, também, assinalar o património de luta de uma terra e de um povo que nunca se vergou e sempre combateu».
De resto, «a luta organizada continua a ser o caminho que nos garantirá um futuro melhor», acrescentou Catarina Arrojado, que qualificando-a como «determinante no passado e inevitável no presente», deu vários exemplos que a convocam.
«No acesso à saúde, assistimos a uma situação de emergência. São dezenas de milhares de utentes sem médico de família no concelho, cerca de metade da população, resultado da recusa do PS no Governo em dar as respostas que se impõe».
«Aos trabalhadores de uma ponta à outra do concelho», prosseguiu, «é exigido que o seu salário seja suficiente para fazer face ao brutal aumento do custo de vida, que tem engordado os bolsos de uns poucos». E «a isto acresce, a nível local, os 25 anos de gestão municipal do PS, articulada de forma explícita ou implícita com o PSD», a qual, recentemente, com o apoio do Chega, aprovou o aumento da tarifa da água em todos os serviços prestados pelos SMAS».
Simultaneamente, «isentam grandes empresas multinacionais, como a BIRD, do pagamento das devidas taxas de ocupação da via pública, naquilo que o PS na Câmara chamou de “negócios de chave na mão”», denunciou igualmente Catarina Arrojado.
Inspiração presente e para o futuro
A encerrar a homenagem a Sofia Ferreira, também Jerónimo de Sousa se referiu ao agravamento das condições de vida populares, apontou os responsáveis e os beneficiários da situação e indicou a via de saída, pela luta, e as soluções preconizadas pelos comunistas portugueses. O Secretário-geral do Partido deixou ainda importantes notas biográficas (ver caixa) sobre a homenageada, que sublinhou ter sido uma «dirigente comunista dedicada, firme resistente antifascista e combatente de Abril, exemplo notável de mulher cuja vida e militância revolucionária constituem um inestimável património do PCP».
«Sofia Ferreira foi uma mulher de muita coragem que desde muito jovem tomou o partido da luta pela emancipação dos trabalhadores e pela libertação do nosso povo do jugo fascista», tendo feito «parte daquele núcleo de militantes (tal como suas irmãs Georgette e Mercedes) que, em condições extremamente difíceis e à custa de enormes sacrifícios pessoais e humanos – vida precária, clandestinidade, anos e anos ausentes do convívio familiar, prisões, torturas –, deram um inestimável contributo para afirmar o PCP como a grande força que permanece como necessária e insubstituível na luta dos trabalhadores e do nosso povo».
Aliás, «esse esforço organizativo e de ligação às massas vai permitir ao PCP encabeçar e dirigir grandes movimentações de massas, grandes lutas nas fábricas e nos campos e lançar-se em todas as frentes da luta antifascista, na construção da unidade das forças democráticas contra a ditadura», lembrou ainda o dirigente comunista.
«Sofia foi uma combatente com uma enorme consciência de classe, generosa, inteligente e sagaz, possuidora de uma grande capacidade de trabalho e disponibilidade revolucionária», realçou também Jerónimo de Sousa, recordando que o contexto em que Sofia Ferreira integra o trabalho colectivo clandestino era o da cobertura dada pelo imperialismo ao regime fascista português, designadamente «aceitando Portugal sob o domínio da ditadura como fundador da NATO».
Alerta, alerta!
«Hoje, quando assistimos ao levantar de cabeça de um certo fascismo reciclado aqui na Europa e, nalguns casos, com assento nos centros de poder, sob a complacência normalizadora, senão com a cobertura dos mesmos que no passado deram a mão ao fascismo [português] para o salvar», tal «diz-nos quanto precisamos de estar alerta e quanto importante e decisivo é o reforço e o papel deste PCP».
Ora, o reforço do Partido depende, em boa medida, da determinação, entusiasmo e constância revolucionárias. Por isso, o dirigente comunista salientou, uma vez mais, o exemplo de Sofia Ferreira, que «abraçou cada tarefa que o seu Partido de sempre lhe atribuiu com extrema perseverança, dedicação e sensibilidade», sendo essa uma conduta inspiradora na «acção e luta dos comunistas e do seu Partido, que em todas as circunstâncias souberam estar na linha da frente em defesa dos interesses dos trabalhadores e do nosso povo».
«Como hoje continuam a estar, travando uma grande batalha contra todas as tentativas de imposição de novos e dolorosos sacrifícios e retrocessos nas suas vidas, agora a pretexto da guerra na Ucrânia e da espiral de sanções impostas pelos EUA, a União Europeia e a NATO , com a cumplicidade do Governo português e do conjunto das forças da política de direita».
«Por isso é tão importante assegurar a paz pela qual desde o início nos batemos e contra a escalada da guerra a que assistimos», disse Jerónimo de Sousa, para quem «estamos cá e cá continuaremos o combate de gerações de comunistas de que a vida de Sofia Ferreira é um exemplo que nos honra».
«Uma luta exigente contra a política de direita e pela afirmação de uma política alternativa patriótica e de esquerda, para responder aos exigentes desafios da defesa dos interesses dos trabalhadores, do nosso povo e do desenvolvimento do País. Uma luta norteada pelos valores de liberdade, democracia, emancipação social, desenvolvimento e independência nacionais e pelo porvir de uma nova sociedade mais justa, mais solidária e mais fraterna, liberta da exploração do homem pelo homem – o socialismo – que Sofia Ferreira abraçou e dignificou com uma vida de coerência e dignidade», concluiu.
Biografia de uma combatente
Nascida a 1 de Maio de 1922 em Alhandra, concelho de Vila Franca de Xira, filha de trabalhadores agrícolas, Sofia Ferreira conheceu as durezas do trabalho nas lezírias do Ribatejo com 10 anos. «Esse mundo do proletariado rural, particularmente explorado na dureza da faina exercida, de sol a sol», que «mourejava» a troco de «salários infames, assolado pela miséria e pela violência dos poderes dominantes».
Sofia Ferreira «cedo foi levada para Lisboa para trabalhar numa casa particular, como empregada doméstica», mas «o contacto com a sua família de comunistas, em particular com as suas irmãs, nunca se perdeu» e «foi através delas e da Organização de Vila Franca de Xira que tomou contacto com o Partido».
Sofia Ferreira adere ao PCP em 1945 e, cerca de uma ano depois, «mergulha» na clandestinidade. Tinha 24 anos e começa a exercer tarefas como funcionária numa tipografia clandestina na Figueira da Foz, onde se imprimia O Militante e outras obras do Partido».
«Sofia Ferreira assumirá desde os primeiros anos de actividade na clandestinidade diversas responsabilidades – junto do Secretariado do Comité Central, em tarefas de apoio e protecção das casas clandestinas, na Organização Local do Porto, onde foi responsável pela organização partidária em empresas têxteis, e em serviços da Função Pública».
«Eleita para o Comité Central no V Congresso do PCP, responsabilidade que manteve até 1988», em «finais dos anos 1960 assumiu tarefas na Organização Regional de Setúbal e Lisboa e, posteriormente, no Portugal de Abril, na Direcção das Organizações Regionais de Setúbal e Beira Litoral. Em 1988, continuou a trabalhar dedicadamente em tarefas centrais do Partido, junto dos organismos executivos do Comité Central até ao final dos seus dias»
«Sofia Ferreira é presa pela primeira vez em Março de 1949, numa casa clandestina no Luso, juntamente com Militão Ribeiro e Álvaro Cunhal. Perante a polícia comportou-se sempre com grande coragem, superou espancamentos, insultos e um prolongado isolamento durante seis meses, cinco dos quais sem receber qualquer livro ou jornal. Julgada em 9 de Maio de 1950 pelo Tribunal Plenário, foi condenada a três anos de prisão. Após ter sido libertada não tardou em regressar à luta da clandestinidade».
«Presa novamente em Maio de 1959», Sofia Ferreira foi «submetida à tortura da estátua», tendo mantido «a mesma firmeza e dignidade de sempre».
Julgada em finais de Maio de 1960 foi condenada a cinco anos e seis meses de prisão mais três anos de medidas de segurança, aguardou pelo julgamento durante um ano sem nunca lhe ter sido permitido pela PIDE uma única entrevista com o seu advogado de defesa. No total, Sofia Ferreira passou mais de doze anos da sua vida encarcerada nas prisões fascistas. Sofreu todo o tipo de privações e castigos, mas a polícia fascista nunca conseguiu refrear o seu espírito combativo, tendo voltado à clandestinidade poucos meses depois de libertada, onde se manteve até ao 25 de Abril de 1974».
«A vida de combatente revolucionária de Sofia Ferreira era conhecida no plano internacional e foi motivo de uma ampla campanha mundial pela sua libertação. A sua presença em Junho de 1969, em Helsínquia, no 6º Congresso da Federação Democrática Internacional das Mulheres (FDIM), à frente da delegação portuguesa, suscitou um caloroso acolhimento pessoal e da delegação portuguesa e uma onda de simpatia e respeito por si e pela luta das mulheres portuguesas».
«Com a vitória da Revolução de Abril, Sofia Ferreira assume importante papel na luta pela libertação de todos os presos políticos, pela extinção da PIDE, da censura e do aparelho repressivo do fascismo, pela defesa e consolidação das liberdades democráticas».