- Nº 2548 (2022/09/29)

É caso para questionar

Opinião

«As pessoas vão ter de se conformar que irão ter de viver pior.» Foi assim que um determinado comentador numa determinada rádio vaticinou o nosso destino colectivo. Esta é uma afirmação da família de uma outra, anterior, que hipocritamente ficou célebre noutros tempos: «ai o povo aguenta, aguenta». Mas a quem se dirigem estes conselhos de «gente ilustre» que, do alto das suas confortáveis poltronas, vivem na sua própria bolha?

Vamos ter de viver pior? Mais de metade dos trabalhadores (57%) recebe salários base iguais ou inferiores a 800 euros. Juntemos-lhes os que ganham até 1000 euros e passam a 72,5% – ou seja mais de 2,7 milhões de trabalhadores. Acrescente-se os milhares de reformados com pensões de miséria e os desempregados, adicionemos milhares de micro, pequenos e médios empresários, produtores e agricultores, agora misturemos isto tudo com a subida do preço das matérias-primas, do pão, do gás, dos combustíveis, do leite, dos vegetais, da carne, do peixe, da massa, do óleo, da fruta, da renda e da prestação da casa, da luz, das despesas escolares, e perguntemos: são estes que vão ter de se acostumar a viver pior?

Será que sobra sempre para os mesmos os esforços, os sacrifícios, os pagamentos, a vida pior?

«É a guerra», berram eles para nos convencer que a culpa é de outros. A guerra, a pandemia, a crise, tudo coisas com costas largas. Entretanto, há quem se vá safando e bem no meio de isto tudo.

Os lucros das 13 maiores empresas cotadas na bolsa nacional dispararam 73%, são mais 2,3 mil milhões de euros de lucros só no primeiro semestre deste ano.

Não haverá aqui uma «ligeira» contradição? Não estaremos perante um aumento especulativo e concertado de preços e de aproveitamento da situação? Então a guerra fica à porta, entre outras, da GALP, da EDP, da banca, da Sonae, da Jerónimo Martins?

Mas não lhes chega! É preciso continuar o roubo nos salários, nas reformas, nos direitos, garantir que os lucros continuam a crescer e não são beliscados. E, acima de tudo, manter bem vivo o pretexto da guerra e as sanções.

E se?...

E se 1% de todo o esforço em curso na instigação e escalada da guerra fosse investido na concentração de forças, acções e iniciativa no sentido da paz?

E se o caminho fosse o do aumento geral dos salários, das reformas e das pensões, assegurando a reposição e valorização do poder de compra dos trabalhadores e dos reformados?

E fixar preços máximos de bens essenciais, designadamente da energia, dos combustíveis e dos bens alimentares, incluindo a possibilidade de fixação de preços abaixo daqueles que são hoje praticados?

E os lucros extraordinários dos grupos económicos, porquê não tributá-los de forma a combater a razão funda do aumento dos preços?

E perante o vendaval dos custos com a habitação, porque não fixar em 0,43% a actualização das rendas em 2023, congelar as rendas do regime da renda apoiada e fixar um spread máximo, desde logo a praticar pela Caixa Geral de Depósitos?

Estes são caminhos que servem os trabalhadores e o povo, mas que não encaixam nos interesses dos donos dos 2,3 mil milhões de euros e de todos os que contribuem para o seu sucesso – veja-se como se concertaram PS, PSD, Chega e IL sobre as propostas de combate ao aumento do custo de vida apresentadas pelo PCP na Assembleia da República.

Mas para lá de todos os esforços e investimento propagandista, a realidade impõe-se. A luta contra o aumento do custo de vida, a acção reivindicativa nas empresas e locais de trabalho, a luta pelo aumento dos salários, a intervenção pelo aumento das pensões e reformas, as acções realizadas e que estão em preparação, demonstram que são cada vez mais aqueles que entendem o que está em causa.

A luta revela-se, uma vez mais, como factor determinante de conquista e, acima de tudo, de esperança e confiança no futuro. Vamos à luta!


Paulo Raimundo