Portugal, a Acta e a Lei

Gustavo Carneiro

A Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa é clara: nas suas re­la­ções in­ter­na­ci­o­nais, o País deve reger-se pelos prin­cí­pios da in­de­pen­dência na­ci­onal, do res­peito pelos di­reitos do homem e dos povos, da igual­dade entre Es­tados, da so­lução pa­cí­fica dos con­flitos in­ter­na­ci­o­nais, da não in­ge­rência nos as­suntos in­ternos dos ou­tros Es­tados e da co­o­pe­ração com todos os ou­tros povos para a eman­ci­pação e o pro­gresso da hu­ma­ni­dade.

É também ela a pre­co­nizar, ainda no seu ar­tigo 7.º, a «abo­lição do im­pe­ri­a­lismo, do co­lo­ni­a­lismo e de quais­quer ou­tras formas de agressão, do­mínio e ex­plo­ração nas re­la­ções entre os povos, bem como o de­sar­ma­mento geral, si­mul­tâneo e con­tro­lado, a dis­so­lução dos blocos po­lí­tico-mi­li­tares e o es­ta­be­le­ci­mento de um sis­tema de se­gu­rança co­lec­tiva, com vista à cri­ação de uma ordem in­ter­na­ci­onal capaz de as­se­gurar a paz e a jus­tiça nas re­la­ções entre os povos».

Apro­vada, e de ime­diato pro­mul­gada, a 2 de Abril de 1976, ela aco­lheu como ne­nhuma outra os prin­cí­pios da Acta Final da Con­fe­rência para a Se­gu­rança e Co­o­pe­ração na Eu­ropa, as­si­nada meses antes em Hel­sín­quia: entre os 35 Es­tados sig­na­tá­rios, da Eu­ropa e da Amé­rica do Norte, es­tavam os EUA e a União So­vié­tica, em­bora os pri­meiros (e as pa­la­vras são do então Se­cre­tário de Es­tado norte-ame­ri­cano, Henry Kis­singer) con­si­de­rassem todo o pro­cesso um mero «sen­sa­ci­o­na­lismo de es­querda» a que – fruto dos ventos da época – te­riam de se sub­meter. E não foi pre­ciso es­perar muito para que co­me­çassem efec­ti­va­mente a sa­botar a sua im­ple­men­tação…

In­ter­vindo na ce­ri­mónia de as­si­na­tura da Acta, re­a­li­zada na ca­pital fin­lan­desa em Agosto de 1975, o Pre­si­dente da Re­pú­blica, Fran­cisco da Costa Gomes, re­a­firmou a «in­te­gração real» do Por­tugal de Abril no es­pí­rito da se­gu­rança e co­o­pe­ração, de­pois de uma «par­ti­ci­pação am­bígua» da di­ta­dura fas­cista na pri­meira fase de con­ver­sa­ções. Na ver­dade, até à Re­vo­lução foram so­bre­tudo os an­ti­fas­cistas a em­pe­nhar-se na pre­pa­ração da con­fe­rência, unindo a luta pela paz e o de­sa­nu­vi­a­mento à que tra­vavam no País, pela li­ber­dade e a de­mo­cracia.

Re­cu­perar os prin­cí­pios de Hel­sín­quia é fun­da­mental, hoje, para de­fender a paz e travar a pe­ri­gosa es­ca­lada de tensão que marca o nosso tempo. Por­tugal, que os con­sa­grou e de­sen­volveu na sua Lei Fun­da­mental, en­con­trava-se numa po­sição pri­vi­le­giada para as­sumir um papel re­le­vante na aber­tura deste ca­minho, que quanto mais cedo co­meçar a ser tri­lhado me­lhor. Mas as de­cla­ra­ções e ga­ba­ro­lices do Pre­si­dente da Re­pú­blica, do pri­meiro-mi­nistro e do mi­nistro dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros, apoi­ando o re­forço da NATO e do seu ca­rácter agres­sivo, não se li­mitam a des­res­peitar a Cons­ti­tuição: são também ir­res­pon­sá­veis e pe­ri­gosas. A lem­brar mais o 24 do que o 25 de Abril…



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