Assembleia da República aprova na generalidade o Orçamento do Estado para 2023

O aprofundar das desigualdades e injustiças e a não resolução dos problemas do povo e do País

Sem res­postas para os pro­blemas do povo e do País, os mais ime­di­atos que re­sultam do agravar das con­di­ções de vida e os de fundo que são in­dis­so­ciá­veis dos nossos dé­fices es­tru­tu­rais, assim avalia o PCP a pro­posta de Or­ça­mento do Es­tado para 2023.

Op­ções do PS con­duzem à de­gra­dação das con­di­ções de vida

Lusa

Apro­vada na ge­ne­ra­li­dade, dia 27, com os votos a favor apenas do PS, a abs­tenção de PAN e Livre, e os votos contra das res­tantes ban­cadas, a pro­posta de lei baixou às co­mis­sões par­la­men­tares, onde pros­se­guirá o pro­cesso le­gis­la­tivo em dis­cussão na es­pe­ci­a­li­dade. O do­cu­mento re­gressa a ple­nário no dia 21 es­tando pre­vista a sua vo­tação final global no dia 25 de No­vembro.

Traços in­de­lé­veis do OE e que o de­finem, sendo também muito cla­ri­fi­ca­dores quanto às op­ções do Go­verno PS e da ban­cada que o su­porta, são ainda o modo como «apro­funda de­si­gual­dades e in­jus­tiças», como se furta ao «com­bate contra os prin­ci­pais dé­fices es­tru­tu­rais na­ci­o­nais», como «agrava a de­pen­dência ex­terna e a vul­ne­ra­bi­li­dade do País face a de­sen­vol­vi­mentos ainda mais ne­ga­tivos da si­tu­ação in­ter­na­ci­onal».

As pa­la­vras são do Se­cre­tário-geral do PCP e foram pro­fe­ridas já ao cair do pano dos dois dias de de­bate, tra­du­zindo bem e em sín­tese a ava­li­ação de crí­tica que os co­mu­nistas fazem de um or­ça­mento que, em sua opi­nião, tem ainda como marcas não menos ne­ga­tivas a des­con­si­de­ração pelos pro­blemas dos tra­ba­lha­dores e do povo, em fla­grante con­traste com as van­ta­gens e pri­vi­lé­gios con­ce­didos aos grupos eco­nó­micos. E por isso Je­ró­nimo de Sousa não teve dú­vidas em con­cluir que o Go­verno «fez uma clara opção pela de­fesa dos in­te­resses dos grupos eco­nó­micos», em de­tri­mento dos tra­ba­lha­dores. «E não se venha com a re­tó­rica de que não há di­nheiro para sa­lá­rios. Há, está é mal dis­tri­buído», afirmou, ca­te­gó­rico, Je­ró­nimo de Sousa.

Pi­ores con­di­ções de vida

Uma lei­tura do PCP sobre o OE que, bem se pode dizer, des­mente a nar­ra­tiva do Go­verno, que o apre­sentou como sendo de «es­ta­bi­li­dade» e de «com­pro­misso», de­fen­dendo que «é pos­sível com­pa­ti­bi­lizar res­pon­sa­bi­li­dade or­ça­mental com cres­ci­mento e mais jus­tiça so­cial», se­gundo as pa­la­vras do pri­meiro-mi­nistro.

O mi­nistro das Fi­nanças, que res­pondia a ques­tões co­lo­cadas por Bruno Dias, de­sen­volveu o dis­curso na mesma linha, sus­ten­tando que na pro­posta de OE estão apon­tadas de forma «muito clara», ima­gine-se, «me­lho­rias de ren­di­mentos», sendo também «muito clara re­la­ti­va­mente aos pen­si­o­nistas», e «quanto à po­lí­tica fiscal de apoio ao ren­di­mento das fa­mí­lias».

Ar­gu­mentos que a ban­cada co­mu­nista re­bateu um por um, de­mons­trando, no­me­a­da­mente, como as op­ções do PS, ao re­cu­sarem repor e va­lo­rizar o poder de compra e au­mentar sa­lá­rios e pen­sões, em con­trolar os preços, em re­forçar os ser­viços pú­blicos e as fun­ções so­ciais do Es­tado, estão a de­gradar as con­di­ções de vida, a em­po­brecer os tra­ba­lha­dores, os re­for­mados e pen­si­o­nistas, a au­mentar as in­jus­tiças e de­si­gual­dades.

São ainda essas op­ções do PS que, ig­no­rando so­lu­ções ur­gentes que a si­tu­ação do País re­clama no or­ça­mento e para lá dele, levam a que no OE não haja me­didas que atendam à ne­ces­si­dade de di­na­mizar o in­ves­ti­mento pú­blico, de apoiar os sec­tores pro­du­tivos e as MPME, de tri­bu­tação efec­tiva dos lu­cros dos grupos eco­nó­micos.

Mas no de­bate não fi­caram ex­pressas apenas as ra­zões da opo­sição do PCP à pro­posta de OE do Go­verno PS. Afir­madas, com cla­reza, foram também as so­lu­ções que ad­voga para os pro­blemas que atingem os tra­ba­lha­dores e o País e que são traves mes­tras da po­lí­tica al­ter­na­tiva que de­fende e propõe ao nosso povo.

 

«Contas certas» mas não para o povo

A pri­mazia dada pelo Go­verno à re­dução da dí­vida e dé­fice é uma marca forte da pro­posta de OE. «Re­duzir a dí­vida pú­blica para menos de 100% do PIB», disse o pri­meiro-mi­nistro, es­ta­be­le­cendo-a como um das metas a al­cançar até 2026.

Aliás, a nar­ra­tiva das «contas certas» per­passou o de­bate, com os mem­bros do Go­verno e os de­pu­tados da ban­cada que o su­porta a eri­girem-na quase a de­sígnio na­ci­onal.

O pro­blema é que a sua in­ter­pre­tação de «contas certas», de como a elas chegar e a quem devem apro­veitar, está muito longe de se apro­ximar da pers­pec­tiva que sobre as mesmas tem, por exemplo, o PCP.

«Con­si­de­rando as op­ções desta pro­posta de OE bem como o teor dos acordos subs­critos pelo Go­verno com o grande pa­tro­nato e al­gumas or­ga­ni­za­ções sin­di­cais nas úl­timas se­manas per­cebe-se hoje me­lhor o re­go­zijo ma­ni­fes­tado pelos grupos eco­nó­micos com a mai­oria ab­so­luta do PS no dias se­guinte às elei­ções», anotou na fase de en­cer­ra­mento do de­bate o Se­cre­tário-geral do PCP, su­bli­nhando que «são esses que têm as contas certas com o Go­verno para con­ti­nu­arem a apro­priar-se de fa­tias cres­centes da ri­queza na­ci­onal». Já para a grande mai­oria dos por­tu­gueses, pros­se­guiu Je­ró­nimo de Sousa, «o que as op­ções do PS re­servam é a ex­plo­ração, o em­po­bre­ci­mento, as in­jus­tiças e de­si­gual­dades, a ace­le­rada e pro­funda de­gra­dação das con­di­ções de vida».

Noutro mo­mento do de­bate, a de­pu­tada co­mu­nista Alma Ri­vera pu­sera já em evi­dência o des­fa­sa­mento entre o «or­ça­mento das “contas certas”» do PS e o «or­ça­mento das pes­soas, das fa­mí­lias, com o qual têm de so­bre­viver», con­cluindo que o pri­meiro «tem um pro­blema com a re­a­li­dade».

É que, ex­plicou, no or­ça­mento das fa­mí­lias «há tudo menos contas certas, porque o que há é um re­sul­tado ne­ga­tivo entre os ren­di­mentos – que o Go­verno se re­cusa au­mentar de forma real – e as des­pesas que não param de subir».

Há al­ter­na­tiva

Abor­dando a questão da dí­vida e do dé­fice, o de­pu­tado co­mu­nista Bruno Dias cri­ticou também a forma como o Go­verno efec­tiva a res­pec­tiva re­dução, de­fen­dendo que «havia e há al­ter­na­tiva» para obter a re­dução da dí­vida e o equi­lí­brio or­ça­mental. Como? «Por me­didas de es­tí­mulo ao mer­cado in­terno, pelo in­cre­mento do in­ves­ti­mento pú­blico, pela aposta na pro­dução na­ci­onal, pela re­dução da de­pen­dência ex­terna», pre­cisou.

E quanto ao re­frão das «contas certas», Bruno Dias in­sistiu que tais contas não são de cer­teza as dos tra­ba­lha­dores «com um sa­lário que não dá para a co­mida e a renda e as fac­turas para pagar», nem as dos re­for­mados «que uma e outra vez têm de es­co­lher se o di­nheiro vai para co­mida ou para os me­di­ca­mentos», nem as dos jo­vens que «de­sistem de es­tudar porque não têm onde ficar e o mais que en­con­tram é uma vaga num be­liche a 300 euros».

«Não! com este OE e com esta po­lí­tica, as contas certas são antes de mais para os grandes grupos eco­nó­micos com os mai­ores lu­cros de sempre. Preços e es­pe­cu­lação sem con­trolo, lu­cros e di­vi­dendos sem li­mite, ex­plo­ração e em­po­bre­ci­mento sem fim à vista», acres­centou Bruno Dias, vendo neste OE contas certas de mi­lhões para o poder eco­nó­mico», mas «vida in­certa para os tra­ba­lha­dores, os jo­vens, os re­for­mados».

 

Op­ções em favor do ca­pital

Na pro­posta de OE, é fla­grante o con­traste entre o tra­ta­mento dado, por um lado, aos sa­lá­rios, re­formas e pen­sões, e, por outro, aos grupos eco­nó­micos. Se no pri­meiro caso o Go­verno as­sume a perda do poder de compra – o pró­prio pri­meiro-mi­nistro re­co­nheceu que é «brutal», assim a ad­jec­tivou – e as­sume a li­mi­tação das fun­ções so­ciais do Es­tado, já re­la­ti­va­mente ao se­gundo é no­tória a forma como «abre a porta a es­can­da­losos be­ne­fí­cios fis­cais». Ao mesmo tempo que re­cusa me­didas de alívio fiscal para os ren­di­mentos do tra­balho. Mas não só. Na calha está também «uma nova re­dução do IRC (que be­ne­ficia so­bre­tudo as grandes em­presas)», bem como «novas trans­fe­rên­cias de re­cursos pú­blicos que se juntam aos mi­lhares de mi­lhões de euros, que, por via do PRR, lhes estão a ser en­tre­gues», cen­surou Bruno Dias.

Ra­zões acres­cidas de pre­o­cu­pação en­contra pois a ban­cada co­mu­nista pe­rante uma pro­posta de OE que «au­menta 1,7 mil mi­lhões de euros em aqui­si­ções de ser­viços a pri­vados na saúde, en­quanto o in­ves­ti­mento pú­blico marca passo na exe­cução», que prevê um pa­ga­mento de 1,41 mil mi­lhões às par­ce­rias pú­blico pri­vadas (PPP), sem falar nas «cen­tenas de mi­lhões em “re­e­qui­lí­brios fi­nan­ceiros”, in­cluindo para a VINCI com os ae­ro­portos».

Já para as micro, pe­quenas e mé­dias em­presas (MPME) a his­tória é outra. O de­pu­tado co­mu­nista João Dias deu o exemplo do IRC: «nada se faz em re­lação às tri­bu­ta­ções au­tó­nomas, que é o que a mai­oria das pe­quenas em­presas paga». Não he­sitou por isso em acusar o Go­verno de «co­locar o Es­tado a fi­nan­ciar os lu­cros mi­li­o­ná­rios» e de dar «borlas e be­ne­fí­cios fis­cais de todo o tipo» a grandes em­presas e grupos eco­nó­micos, al­guns com sede na Ho­landa para fuga aos im­postos que de­ve­riam pagar em Por­tugal.

 

Pro­blemas de fundo con­ti­nuam sem res­postas

O pri­meiro-mi­nistro, em res­posta às ques­tões co­lo­cadas pela líder par­la­mentar do PCP, fixou-se na in­fância para re­alçar com grande ên­fase que há no OE três me­didas, que ape­lidou de «fun­da­men­tais», que vão ao en­contro das ne­ces­si­dades das cri­anças, a saber: os au­mentos do abono de fa­mília, da de­dução fiscal para o se­gundo filho e da pres­tação mensal para o com­bate à po­breza in­fantil.

O pro­blema, está bem de ver, é que tais me­didas ficam muito aquém da res­posta ne­ces­sária. Basta pensar que «a acção so­cial es­colar é ma­ni­fes­ta­mente in­su­fi­ci­ente, face ao agra­va­mento das con­di­ções de vida das fa­mí­lias», que «há es­tu­dantes que aban­donam o en­sino por falta de con­di­ções eco­nó­micas, que «há mais cri­anças com fome nas es­colas», como tratou de sa­li­entar Paula Santos.

Mas o que não deixa de ser sig­ni­fi­ca­tivo é que o chefe do Go­verno - es­tava-se na se­gunda ronda de per­guntas que lhe foi di­ri­gida -, se tenha cin­gido à in­fância e ju­ven­tude, pas­sando to­tal­mente ao lado das res­tantes ma­té­rias sus­ci­tadas pela par­la­mentar do PCP.

Ma­té­rias da maior re­le­vância como é a falta de tra­ba­lha­dores nos ser­viços pú­blicos, a não ga­rantia de con­di­ções de tra­balho ade­quadas ou a não va­lo­ri­zação das car­reiras e pro­fis­sões.

Ou como é o caso do re­forço em 7,8% de verbas para o SNS, que An­tónio Costa tanto alar­deou, e que teria sido útil ter fi­cado a saber se tal au­mento é «para trans­ferir para os grupos pri­vados», em vez de servir para «con­tratar e fixar pro­fis­si­o­nais no SNS». É que na pro­posta de OE o que está é o «alar­ga­mento do fi­nan­ci­a­mento aos grupos pri­vados da do­ença», ob­servou Paula Santos, lem­brando que nos úl­timos dois anos as «verbas atri­buídas à aqui­sição de ser­viços de saúde au­men­taram 1 700 mi­lhões de euros».

Não menos im­por­tante teria sido ficar a saber de que forma vai o Go­verno re­solver a falta de mé­dico e de en­fer­meiro de fa­mília, ou como vai «as­se­gurar a re­a­li­zação de con­sultas, ci­rur­gias e tra­ta­mentos e exames no tempo re­co­men­dado», ou se avança mesmo o fecho de seis ma­ter­ni­dades, como foi pro­posto.

Sem res­posta do pri­meiro-mi­nistro ficou também o de­safio de Paula Santos para que se pro­nun­ci­asse sobre as cres­centes di­fi­cul­dades re­la­ci­o­nadas com a ha­bi­tação, no­me­a­da­mente quanto ao acesso à mesma pelos jo­vens e à su­bida es­pe­cu­la­tiva dos preços no ar­ren­da­mento.

E o mesmo em re­lação à edu­cação, tendo fi­cado por es­cla­recer o que pensa o go­ver­nante quer da apo­sen­tação de 300 pro­fes­sores em Ou­tubro (a somar aos 260 que pas­saram à re­forma em Se­tembro), quer sobre o que irá fazer o Mi­nis­tério da edu­cação para que todos os alunos te­nham pro­fes­sores a todas as dis­ci­plinas.

 

Sim, há corte nas pen­sões e re­formas!

Da parte do Go­verno e da ban­cada do PS houve um es­forço enorme para fazer passar a ideia de que este é um OE de «jus­tiça so­cial». Nada mais falso, como em vá­rias oca­siões pu­deram com­provar os de­pu­tados co­mu­nistas. E fi­zeram-no mos­trando como a pro­posta ace­lera o em­po­bre­ci­mento dos tra­ba­lha­dores, dos re­for­mados e pen­si­o­nistas – com a re­cusa em re­cu­perar o poder de compra per­dido, assim agra­vando as de­si­gual­dades e in­jus­tiças -, ao mesmo tempo que fa­vo­rece os grupos eco­nó­micos, com mais be­ne­fí­cios fis­cais e ele­vados re­cursos pú­blicos.

Um exemplo fla­grante dessa opção do Exe­cu­tivo que agrava a in­jus­tiça so­cial, por muito que a pro­pa­ganda do Go­verno o pro­cure negar, é a de­cisão de cortar nas re­formas e pen­sões a que os re­for­mados e pen­si­o­nistas te­riam di­reito em 2023.

«Em vez dos 8% de au­mento que a lei manda fazer no pró­ximo ano, os re­for­mados e pen­si­o­nistas com pen­sões até 866 euros terão apenas 4,3%, bem abaixo da in­flação», re­alçou o de­pu­tado co­mu­nista Al­fredo Maia, de­pois de ter ano­tado que os en­cargos com as pres­ta­ções so­ciais se mantêm inal­te­rados face ao es­ti­mado para 2022, se­gundo o re­la­tório da UTAO.

Na fase ini­cial do de­bate, alu­dindo ao corte nas pen­sões a que os re­for­mados e pen­si­o­nistas têm di­reito nos termos da lei, Je­ró­nimo de Sousa ques­ti­o­nara-se já sobre se «não é um corte nas re­formas aquele que se faz quando um pen­si­o­nista com uma re­forma de 400 euros, que devia ter um au­mento de 34 euros de acordo com a lei, apenas re­cebe 17 euros, des­va­lo­ri­zando o real valor da re­forma». Ou, exem­pli­ficou ainda, «quando um pen­si­o­nista com uma re­forma de 600 euros devia ter um au­mento de 48 euros e apenas vai ter de 24 euros, cor­tando me­tade».

O chefe do Go­verno, na res­posta, afirmou que «em Ja­neiro de 2023 ne­nhum pen­si­o­nista re­ce­berá menos do que em De­zembro de 2022». Ar­gu­mento cap­cioso, está bem de ver. «Uti­lizou a ma­nobra de com­parar as pen­sões de De­zembro com Ja­neiro para dizer que não há corte, mas a com­pa­ração que deve fazer é entre o valor da ac­tu­a­li­zação da pensão que a lei prevê com aquele que o Go­verno de­cidiu», con­trapôs Paula Santos, as­se­ve­rando que, «sim, há um corte», antes de acusar An­tónio Costa de não ter feito a com­pa­ração cor­recta «porque quis «es­conder o corte de me­tade do valor que é de­vido aos re­for­mados e pen­si­o­nistas».