- Nº 2557 (2022/11/30)

Três notas e um míssil

Opinião

O recente episódio do míssil-russo-que-caiu-na-Polónia-mas-afinal-era-ucraniano, que animou as hostes mediáticas durante uns dias, não deve ser encarado com ligeireza, sendo útil que suscitasse algumas reflexões. Aqui ficam três.

1. Entre os que – dizem-nos – são nossos «amigos» e «aliados», há quem sonhe com a Terceira Guerra Mundial ou, pelo menos, não hesite em colocar a Humanidade perante essa terrível perspectiva.

Tinha o lamentável incidente acabado de acontecer e havia quem não tivesse quaisquer dúvidas acerca da origem do disparo e da sua motivação, bem como do que se deveria seguir: a Rússia acabara de atacar «território da NATO», exultaram, e só havia uma coisa a fazer – invocar o artigo 5.º e, com enorme probabilidade, colocar a NATO em guerra directa e aberta contra a Rússia.

Insanidade? Provocação? Estratégia negocial? Para o caso pouco importa.

2. A cobertura mediática do incidente diz muito acerca dos mecanismos e redes de poder que regem as grandes cadeias mediáticas.

Quando tanto se opõe à «propaganda russa» a «informação livre» do chamado Ocidente, é revelador que só se tenha abandonado a tese do míssil russo depois do presidente norte-americano, determinado em prosseguir a – lucrativa – estratégia de guerra prolongada, ter considerado «improvável» que o disparo tivesse essa proveniência: o que motivou a correcção de uma notícia falsa, e rapidamente disseminada, não foi o estudo, o exame de factos e o cruzamento de fontes, mas a indicação de qual era naquele momento a verdade oficial.

Para além de mostrar o tipo de jornalismo (chamemos-lhe assim) que por aí se faz, este episódio constitui uma preciosa lição acerca do modo como se constroem as narrativas.

3. Tinha razão o PCP naquilo que escreveu no seu comunicado de 24 de Fevereiro, o tal que tanta tinta fez correr.

Nele, apelava a uma «urgente desescalada do conflito, à instauração de um cessar-fogo e à abertura de uma via negocial», primeiros e indispensáveis passos de um processo de diálogo mais vasto: por uma solução política para o conflito; pela resposta aos problemas de segurança colectiva na Europa; pelo cumprimento dos princípios da Carta da ONU e da Acta Final da Conferência de Helsínquia.

O que aconteceu é sabido: milhares de milhões em armamento (algum dele sabe-se lá onde e em que mãos se encontra); novo alargamento da NATO à vista; crescente dependência da Europa face aos EUA; aumento da pobreza e das desigualdades em resultado das sanções; nenhuma abertura a negociações; momentos de perigosa escalada militar. E tanto sofrimento e destruição…

Mais cedo ou mais tarde, o caminho apontado pelo PCP – e por tantos outros por esse mundo fora – acabará por se impor. lutemos para que seja o quanto antes


Gustavo Carneiro