Legado e projecto

Há pre­ci­sa­mente um sé­culo, a 30 de De­zembro de 1922, nascia a União das Re­pú­blicas So­ci­a­listas So­vié­ticas (URSS). Cons­ti­tuída cinco anos após a Re­vo­lução de Ou­tubro pelas re­pú­blicas so­ci­a­listas da Rússia, Ucrânia, Bi­e­lor­rússia e Trans­cau­cásia (que se di­vidiu mais tarde em Ar­ménia, Azer­baijão e Geórgia), agregou ainda – e em di­fe­rentes mo­mentos – Ca­sa­quistão, Es­tónia, Le­tónia, Li­tuânia, Mol­dávia, Quir­guistão, Ta­ji­quistão, Tur­co­me­nistão, Uz­be­quistão e, por um breve pe­ríodo, a então cha­mada Re­pú­blica Ca­relo-Fin­lan­desa.

O im­pacto da Re­vo­lução de Ou­tubro e da União So­vié­tica foi ex­tra­or­di­nário e não é re­su­mível, muito menos em tão parcas li­nhas. Será útil, con­tudo, lem­brar que um im­pério atra­sado e semi-feudal (a prisão de povos de que fa­lava Lé­nine) deu ra­pi­da­mente lugar a uma po­tência in­dus­trial, ci­en­tí­fica e cul­tural de pri­meiro plano, que em poucos anos acabou com o anal­fa­be­tismo e o de­sem­prego, uni­ver­sa­lizou a edu­cação e a saúde, con­cre­tizou a igual­dade entre ho­mens e mu­lheres, ga­rantiu iné­ditos di­reitos de pro­tecção so­cial, ma­ter­ni­dade e apoio à in­fância, apontou ca­mi­nhos novos e mais justos de de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico e so­cial, am­pliou o con­ceito de de­mo­cracia e ainda foi pi­o­neira na ex­plo­ração do Cosmos.

A gesta he­róica que a vi­tória sobre o terror nazi-fas­cista re­pre­sentou, para a qual a URSS – com o seu Par­tido Co­mu­nista e o seu povo – con­tri­buiu de­ci­si­va­mente (e pelo qual pagou o mais ele­vado preço em vidas hu­manas), ga­rantir-lhe-ia por si só um lugar ci­meiro na His­tória. Mas as suas con­sequên­cias glo­bais não fi­caram por aqui, longe disso.

O pri­meiro Es­tado pro­le­tário ins­pirou mi­lhões a lan­çarem-se à con­quista dos céus: novas re­vo­lu­ções eclo­diram em vá­rios pontos do mundo; di­reitos até então des­co­nhe­cidos da mai­oria tor­naram-se re­a­li­dades quo­ti­di­anas; o apoio aos mo­vi­mentos de li­ber­tação foi de­ter­mi­nante para a der­ro­cada dos im­pé­rios co­lo­niais e a eman­ci­pação de povos se­cu­lar­mente opri­midos; a sua firme po­lí­tica de paz, ex­pressa logo no pri­meiro De­creto re­vo­lu­ci­o­nário (as­su­mido na pró­pria noite da to­mada do Pa­lácio de In­verno), re­freou as mais agres­sivas pul­sões do im­pe­ri­a­lismo.

Ao longo de mais de sete dé­cadas – a URSS foi dis­sol­vida em 1991, fez também por estes dias 31 anos –, a ex­pe­ri­ência so­vié­tica não se fez apenas de feitos ex­tra­or­di­ná­rios, mas também da acu­mu­lação de de­for­ma­ções, erros e atrasos que, jun­ta­mente com ca­pi­tu­la­ções e trai­ções, con­du­ziram às pe­sadas der­rotas do final do sé­culo XX, cujas con­sequên­cias pesam ainda hoje dra­ma­ti­ca­mente sobre a Hu­ma­ni­dade.

Ter pre­sente a pri­meira re­vo­lução so­ci­a­lista da His­tória, nos seus êxitos e também nos seus fra­cassos, é es­sen­cial a quem hoje se pro­ponha a trans­formar a so­ci­e­dade. Não como mo­delo, mas como ins­pi­ração.



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