A imensa força de viver e lutar que não tem idade para acabar

«O di­reito a en­ve­lhecer com di­reitos é um avanço ci­vi­li­za­ci­onal pelo qual con­ti­nu­a­remos a lutar. E se há en­si­na­mento com o qual hoje daqui saímos, é que é também com a luta dos mais ve­lhos que se ga­rante o pre­sente e o fu­turo dos mais novos», sin­te­tizou Paulo Rai­mundo, no final de um en­contro com re­for­mados.

Os lu­cros do ca­pital con­trastam com a mi­séria dos re­for­mados

A ini­ci­a­tiva, que de­correu faz hoje uma se­mana, con­firmou que a força de viver e lutar por uma vida me­lhor não tem idade e é uma imensa ale­gria. Ou como Rego An­tunes disse da tri­buna, «nós não somos ve­lhos, es­tamos ve­lhos».

Re­giste-se, antes de mais, que o salão do Centro de Tra­balho Vi­tória, em Lisboa, foi pe­queno para aco­lher todos os que qui­seram par­ti­cipar. De modo que foi pre­ciso ins­talar uma co­luna de som na sala de con­vívio, entre o átrio e o bar, igual­mente re­pleta, não apenas bem com­posta, in­sista-se.

Daqui não é di­fícil per­ceber que se tratou de um en­contro com uma tó­nica mo­bi­li­za­dora, de en­tu­si­asmo, que foi muito além das le­gí­timas queixas e acu­sa­ções a res­peito da po­lí­tica im­posta contra os in­te­resses da mai­oria dos que tra­ba­lharam uma vida in­teira, mas du­rante a qual não fal­taram as so­lu­ções e pro­postas para um «en­ve­lhe­ci­mento com qua­li­dade de vida», afinal, o mote da sessão ves­per­tina.

Aliás, da tri­buna, a abrir os tra­ba­lhos di­ri­gidos por José Núncio, di­ri­gente do MURPI, Fer­nanda Ma­teus sa­li­entou que en­ve­lhecer com qua­li­dade de vida é uma as­pi­ração dis­tante da es­ma­ga­dora mai­oria dos que in­te­gram aquela ca­mada so­cial, de­sig­na­da­mente «pe­rante a am­pli­ação de múl­ti­plas de­si­gual­dades e in­jus­tiças so­ciais», re­sul­tado «das op­ções po­lí­ticas que são to­madas e dos seus im­pactos na de­gra­dação das con­di­ções de vida».

A di­ri­gente co­mu­nista deu como pri­meiro exemplo «o des­res­peito pelos di­reitos de quem tra­ba­lhou ao longo da vida, criou ri­queza para o País, des­contou para a Se­gu­rança So­cial, pagou im­postos e, che­gado à re­forma, con­tinua a perder poder de compra e a ver des­va­lo­ri­zada a sua pensão», caso, as­si­nalou, da sus­pensão, pelo Go­verno da lei de ac­tu­a­li­zação anual das re­formas.

«Uma de­cisão ina­cei­tável que foi pre­ce­dida pelo pa­ga­mento, em Ou­tubro, de meia pensão» e que «logo ficou con­su­mida», adi­antou ainda, abor­dando uma ma­téria à qual, a en­cerrar, vol­taria o Se­cre­tário-geral do PCP.

Fer­nanda Ma­teus também apre­sentou contas sobre os cortes apli­cados pelo Go­verno e marcou a di­fe­rença sobre o que su­ce­deria às re­formas caso fosse apli­cada a pro­posta da sua re­po­sição e va­lo­ri­zação, apre­sen­tada pelo Par­tido. Mas além de ques­tões pe­cu­niá­rias, Fer­nanda Ma­teus, que in­tegra a Co­missão Po­lí­tica do Co­mité Cen­tral su­bli­nhou «o sen­tido mais pro­fundo da so­li­da­ri­e­dade», que «na Se­gu­rança So­cial pú­blica se as­se­gura con­so­li­dando a jus­tiça con­tri­bu­tiva», ou dos de­sa­fios co­lo­cados pelo en­ve­lhe­ci­mento de­mo­grá­fico. Nesse sen­tido, acusou o PS e os par­tidos de di­reita de pre­ten­derem ins­tru­men­ta­lizar estas ques­tões para irem «mais longe na re­dução do valor das pen­sões, pros­se­guir com o au­mento da idade de re­forma» e di­mi­nuir as «pen­sões aos ac­tuais tra­ba­lha­dores».

O que visam em vá­rios do­mí­nios, es­cla­receu Fer­nanda Ma­teus, é «re­tirar o papel cen­tral da Se­gu­rança So­cial pú­blica na pro­tecção so­cial, trans­fe­rindo parte das con­tri­bui­ções dos tra­ba­lha­dores para os fundos pri­vados, co­lo­cando-os ao ser­viço da es­pe­cu­lação fi­nan­ceira; moldar o sis­tema pú­blico à “nor­ma­li­zação” dos baixos sa­lá­rios e à des­va­lo­ri­zação sa­la­rial; di­mi­nuir as res­pon­sa­bi­li­dades do grande ca­pital para com o seu fi­nan­ci­a­mento, seja em função da massa sa­la­rial, seja em função da ri­queza pro­du­zida».

Fer­nanda Ma­teus frisou, também, que «en­ve­lhecer com qua­li­dade de vida exige mais anos vi­vidos com saúde fí­sica e mental» e, assim, chamou a atenção para o de­sin­ves­ti­mento e des­man­te­la­mento do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, de­ta­lhando al­guns dos seus con­tornos e pro­blemas, alertou para a ne­ces­si­dade de me­lhorar e am­pliar a rede de equi­pa­mentos e ser­viços de apoio à ter­ceira idade e con­cre­tizar na rede pú­blica destes, assim como a de cui­dados con­ti­nu­ados, como o PCP há muito re­clama.

De viva voz

Se­guiram-se re­latos que, de viva voz, tra­çaram o quo­ti­diano agra­vado de quem é alvo de um ataque sem tré­guas, ma­te­ri­a­li­zado na su­pressão de di­reitos, ex­plí­cita ou ve­lada, na com­pressão de ren­di­mentos e con­se­quente de­gra­dação abrupta das con­di­ções de vida. Tes­te­mu­nhos como o tra­zido por An­tónio Oli­veira, da Cé­lula dos Re­for­mados de Al­mada do PCP, que contou casos de quem tem de par­ti­lhar casa e ajudar fi­lhos, ou por Carlos Re­forço, da Or­ga­ni­zação Re­gi­onal de Évora, que in­dicou as gri­tantes ca­rên­cias ao nível da saúde e lares no dis­trito e deu a co­nhecer as me­didas que os co­mu­nistas estão a as­sumir para di­na­mizar e for­ta­lecer a luta dos re­for­mados.

Ber­nardo Loff trouxe a re­a­li­dade das baixas pen­sões e re­formas (cerca de 20% abaixo da média na­ci­onal) e da falta de as­sis­tência mé­dica aos vá­rios ní­veis no dis­trito de Beja, con­si­de­rando que os di­ag­nós­ticos e as so­lu­ções estão há muito feitos pelo Par­tido, pelo que há que con­cen­trar ba­te­rias no papel dos co­mu­nistas no es­cla­re­ci­mento e in­ter­venção no mo­vi­mento uni­tário (ele­mento re­for­çado por ca­ma­radas como João Pedro e Ma­nuela Mo­rais); ao passo que Flo­rinda Freire e An­tónio Ca­leço deram a co­nhecer o roubo em toda a linha feito aos ex-tra­ba­lha­dores da CGD.

Como um murro no estô­mago, que calou a au­di­ência, foi a co­mu­ni­cação de Olívia Matos, di­ri­gente do MURPI, que res­pon­sa­bi­lizou a es­pe­cu­lação imo­bi­liária pelo au­mento dos custos com a ha­bi­tação. E entre ex­pli­ca­ções de fe­nó­menos com im­pacto te­lú­rico na vida de um cres­cente nú­mero de idosos, re­latou casos, que co­nhece e acom­panha, de fa­mí­lias ex­pulsas das res­pec­tivas ha­bi­ta­ções ou em ex­trema aflição para su­portar a renda ou a hi­po­teca.

Menos con­versa, mais acção

Quem também deitou contas ao quo­ti­diano cres­cen­te­mente árduo dos re­for­mados, pen­si­o­nistas e idosos foi Paulo Rai­mundo, de­sig­na­da­mente fa­zendo o con­traste entre a ne­gação de va­lo­ri­zação das pres­ta­ções, con­cre­ti­zada pelo exe­cu­tivo sus­pen­dendo a lei em vigor, «maior su­bida de preços de bens e ser­viços es­sen­ciais dos úl­timos 30 anos».

«Contas feitas, o re­sul­tado é sim­ples e cruel: para lá da pro­pa­ganda do Go­verno, es­tamos con­fron­tados com cortes na ordem dos 3%». Se a isto jun­tarmos o «pro­cesso em curso de des­man­te­la­mento de ser­viços pú­blicos como o SNS», o ce­nário é o do «pro­fundo agra­va­mento das si­tu­a­ções de po­breza de mi­lhares de re­for­mados com pen­sões muito baixas, a quem é ne­gado o di­reito a um nível de ren­di­mento que lhes per­mita uma ali­men­tação cui­dada, o pa­ga­mento das des­pesas es­sen­ciais como a ha­bi­tação, a elec­tri­ci­dade ou o gás», alertou.

Além do mais, es­tamos a falar de gente que, muitas vezes, «é o ponto de apoio fi­nan­ceiro a fi­lhos e netos, também eles con­fron­tados com a perda de poder de compra», pelo que, em causa não estão só os re­for­mados, mas «uma visão e um pro­jecto de so­ci­e­dade».

Assim, o Se­cre­tário-geral do PCP con­si­derou que para «ga­rantir o di­reito a um en­ve­lhe­ci­mento com qua­li­dade», é es­sen­cial «afrontar os golpes su­ces­sivos ao sis­tema pú­blico e so­li­dário da Se­gu­rança So­cial», «va­lo­rizar as re­formas e pen­sões» e as­se­gurar «que os tra­ba­lha­dores de hoje te­nham di­reitos». O resto, o resto é con­versa», ata­lhou.

Paulo Rai­mundo lem­brou, de­pois, que a pro­posta do PCP de au­mento das re­formas «não é de hoje», que a so­lução não está em «apoios pon­tuais», que «mas­caram mas não re­solvem a brutal in­jus­tiça na dis­tri­buição da ri­queza», que o con­traste entre os «lu­cros dos grandes grupos eco­nó­micos e a emer­gência so­cial com que se con­frontam mi­lhões de tra­ba­lha­dores e re­for­mados» mostra a ur­gência de me­didas ime­di­atas e de fundo, e que o en­ve­lhe­ci­mento da po­pu­lação e o dé­fice de­mo­grá­fico não se re­solvem com la­mentos fa­ta­listas.

Con­cen­trando ba­te­rias neste úl­timo as­pecto, de­fendeu, por fim, «me­didas para que os pais ou quem de­seje ter fi­lhos te­nham as con­di­ções para o poder fazer, desde logo através de au­mento de sa­lá­rios, es­ta­bi­li­dade, ho­rá­rios re­gu­lados, cre­ches gra­tuitas, re­forço e alar­ga­mento do abono», bem como uma pers­pec­tiva sobre os re­for­mados, pen­si­o­nistas e idosos, «não como uma ca­mada que atra­palha, mas sim como gente vá­lida, com saber e ex­pe­ri­ência, capaz de con­ti­nuar a dar o seu con­tri­buto para fazer o País avançar».

 

Di­reitos, não es­molas

Muitas vezes ne­gado e, por vezes, ob­jecto de re­tro­cesso, o au­mento das pen­sões é um di­reito. Sobre isto es­cla­receu Isabel Quintas, di­ri­gente do MURPI, que lem­brando que o cál­culo das pen­sões em Por­tugal nos sis­temas pú­blicos se ba­seia na con­ju­gação das re­mu­ne­ra­ções au­fe­ridas ao longo da vida con­tri­bu­tiva e no nú­mero de anos de des­contos para o sis­tema pú­blico, notou que «sendo Por­tugal um país de baixos sa­lá­rios, fa­cil­mente se en­contra a razão pela qual as pen­sões são ge­ral­mente baixas».

Com a en­trada em vigor da in­de­xação dos au­mentos à taxa de in­flação, pela mão de um go­verno do PS, em 2006, e, de­pois, com os cortes apli­cados du­rante o pe­ríodo de in­ter­venção da troika, muitos re­for­mados não ob­ti­veram qual­quer va­lo­ri­zação re­mu­ne­ra­tória du­rante 15 anos. Ao que se junta «a ma­nobra le­vada a cabo pelo ac­tual Go­verno de sus­pender a apli­cação» da lei que, este ano, obri­garia a um cres­ci­mento de pelo menos 8%.

Por outro lado, e lem­brando o ataque re­cor­rente às cha­madas «pen­sões altas», Isabel Quintas de­mons­trou que estas re­pre­sentam um uni­versos mui­tís­simo li­mi­tado e, so­bre­tudo, que de­correm dos des­contos feitos, não são uma be­nesse.

Um e outro as­pectos foram igual­mente re­fe­ridos por Hen­rique Men­donça e Ce­les­tina Gomes, que se se­guiram na tri­buna.

 

Es­timar a lon­ge­vi­dade

«Não corro como corria / nem salto como sal­tava / mas vejo mais do que via / e sonho mais do que so­nhava». Foi com esta quadra de Agos­tinho da Silva que José Al­berto Pi­tacas ini­ciou a sua in­ter­venção. De resto, no início da sessão, já havia su­bido ao púl­pito para dizer os po­emas «Nascer todas as ma­nhãs«, de Mi­guel Torga, e «Ode ao tempo», de Pablo Ne­ruda, mo­mentos que mais do que ar­ran­carem aplausos e sor­risos, ex­pres­saram a es­pe­rança que a pla­teia trans­porta.

Aquela «que não se re­signa a es­perar: luta!», disse José Al­berto Pi­tacas, pau­tada pelo sonho de «uma so­ci­e­dade para todas as idades, ba­seada na dig­ni­dade da pessoa hu­mana, em que todos os ci­da­dãos têm a mesma dig­ni­dade so­cial, como dispõe a Cons­ti­tuição».

A ver­dade, é que para lá das pro­cla­ma­ções per­siste o «em­po­bre­ci­mento da mai­oria da po­pu­lação», que o membro do Mo­vi­mento Er­ra­dicar a Po­breza de­ta­lhou. Su­por­tado em dados ofi­ciais, deixou por outro lado claro que «uma maior lon­ge­vi­dade», que se tem ve­ri­fi­cado em Por­tugal, «viver mais anos, não sig­ni­fica que estes sejam vi­vidos com qua­li­dade». Nesse con­texto, «o au­mento da lon­ge­vi­dade deve ser re­co­nhe­cido e com­pre­en­dido como uma con­quista ci­vi­li­za­ci­onal, exi­gindo di­fe­rentes ní­veis de abor­dagem nos do­mí­nios das po­lí­ticas pú­blicas, de forma mul­ti­di­men­si­onal e trans­versal e com im­pactos em vá­rias di­men­sões do ciclo de vida, como a fa­mília, o em­prego, os ren­di­mentos, a ha­bi­tação, a se­gu­rança so­cial, a saúde, a edu­cação e a cul­tura», con­cluiu.

 

Dia 24, há luta!

In­ter­vindo em nome da Inter-Re­for­mados, Ar­lindo Costa, apelou a que «re­for­mados or­ga­ni­zados nos sin­di­catos da CGTP-IN e tra­ba­lha­dores no ac­tivo» ca­mi­nhem juntos, «afir­mando a so­li­da­ri­e­dade in­ter­ge­ra­ci­onal», ma­te­ri­a­li­zada no sis­tema pú­blico de Se­gu­rança So­cial, e em de­fesa da va­lo­ri­zação dos sa­lá­rios e das pen­sões.

Desde logo no pró­ximo dia 24, quando MURPI e Inter-re­for­mados es­tarão na rua, num con­junto de ac­ções des­cen­tra­li­zadas que con­vergem para o pro­testo agen­dado pela In­ter­sin­dical Na­ci­onal para dia 9 de Fe­ve­reiro.

Também Isabel Gomes, pre­si­dente do MURPI, deu nota da in­tensa ac­ti­vi­dade da Con­fe­de­ração, com des­taque para as ini­ci­a­tivas de exi­gência de re­po­sição do poder de compra, num au­mento mí­nimo de 60 euros.

Ou­tras rei­vin­di­ca­ções do MURPI que es­tarão na rua dia 24 são o alar­ga­mento dos cri­té­rios de atri­buição do com­ple­mento so­li­dário, a cri­ação de uma cabaz de ali­mentos com preços re­gu­lados e a di­mi­nuição do IVA na elec­tri­ci­dade e gás, o fi­nan­ci­a­mento ade­quado das as­so­ci­a­ções para que possam cum­prir o papel de apoio em vá­rias va­lên­cias e de pro­moção de uma vida ac­tiva.

Sobre a im­por­tância das as­so­ci­a­ções de re­for­mados in­ter­veio, igual­mente, Jo­a­quim Gon­çalves, e sobre a ne­ces­si­dade de as res­gatar do su­foco fi­nan­ceiro, re­qua­li­ficar e ro­bus­tecer ao nível das infra-es­tru­turas e pes­soal, ade­quando-as para a res­posta que podem e devem dar em múl­ti­plos do­mí­nios, re­feriu-se Ade­laide Alves, do Co­mité Cen­tral do PCP, que deu a co­nhecer as pro­postas do Par­tido nesse âm­bito.