A necessidade é outra

Manuel Gouveia

O primeiro-ministro veio justificar a «necessidade» de empresas públicas como a TAP e a CGD pagarem salários aos seus administradores bem acima dos salários «normais» dos gestores públicos, porque competem num mercado liberalizado. Como sempre, o argumento é o da concorrência, aqui, a necessidade de segurar gestores competentes pagando os salários que são pagos no privado. Este raciocínio está todo errado. Desde logo porque misturar a actual gestão da TAP e a palavra competência numa mesma frase não faz qualquer sentido, e até é suficiente para demonstrar a falsidade da tese apresentada.

Depois porque defende que as empresas públicas necessitam de copiar as taras dos grandes grupos capitalistas. É verdade que há grupos desses a pagarem milhões aos seus administradores e ainda mais milhões aos accionistas. Mas isso está errado. E não tanto moralmente errado, que também o será, mas económica e socialmente errado.

Em Portugal, um gestor público recebe entre 3 e 6 mil euros de salário. Não é suficiente para atrair qualidade? Brincamos? Num país onde centenas de milhar de trabalhadores com formação superior só recebem entre mil e dois euros de salário? É preciso pagar salários de 15, 20, 30 mil euros para «segurar» um bom gestor público? E a malta acredita nisto? A sério?

A lógica das empresas capitalistas é remunerar o capital na mais alta taxa possível. É essa a lógica que deve presidir a uma empresa pública? As empresas públicas não existem para gerar lucros, e quando os geram é de forma marginal. A riqueza que criam começa nos salários que pagam aos seus trabalhadores, nos empregos que criam, nos serviços ou mercadorias que produzem, e vão até ao contributo que dão a outras actividades económicas.

Que António Costa não está de acordo com a socialização dos meios de produção, nem sequer dos estratégicos, é uma evidência com consequências dramáticas na vida nacional. Outra evidência, a de que continua a ser necessário romper com a política de direita.




Mais artigos de: Opinião

Examine-se

Para que serve a avaliação dos estudantes? Deveria servir para aferir, em cada momento, os conhecimentos adquiridos e para se tomarem medidas para puxar pelos que estivessem com mais dificuldades. A escola pública, construção de Abril, tem a obrigação de assegurar a todos, independentemente das suas condições...

Corrupção: a mão por detrás do arbusto

Na torrente de notícias sobre corrupção que, cumprindo uma agenda meticulosamente preparada, inundam o debate público há, em regra, uma grave omissão: a responsabilização do grande capital. Toda a narrativa em torno da sucessão de casos que vão preenchendo a agenda mediática - e que fazem fermentar uma cultura marcada...

Amílcar Cabral

Na sexta-feira, 20 de Janeiro, cumprem-se 50 anos sobre o assassinato de Amílcar Cabral, histórico dirigente da luta de libertação nacional dos povos da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Tentando impedir o desenvolvimento da luta pela independência, a consolidação da ideia de que (nas palavras de Amílcar), «a nossa situação é...

Amizade e coerência

Faz amanhã 50 anos que foi assassinado Amílcar Cabral, destacado dirigente da luta libertadora dos povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. No próximo ano, a Revolução de Abril cumpre a mesma idade. Como sempre sucede com as efemérides, ouve-se e lê-se de tudo: investigadores honestos e vulgares trafulhas; análises...

A biodiversidade e a privatização de todas as esferas da vida na Terra

A Conferência das Nações Unidas para a Biodiversidade decorreu em Dezembro do ano passado, presidida pela China e realizada no Canadá. Participaram representantes de 188 países, que subscreveram a Estratégia Global para a Biodiversidade de Kunming-Montreal, com o objectivo de travar e reverter...