- Nº 2566 (2023/02/2)

Segurança Social Pública ao serviço da justiça social

Opinião

O combate às desigualdades, à pobreza e ao empobrecimento não dispensa o contributo do sistema público de Segurança Social, consubstanciado em critérios de justiça social na atribuição das prestações e apoios sociais para responder a quem deles necessita, e na valorização dos seus montantes.

Justiça social que norteia o regime previdencial, assente na justiça contributiva, que preside ao seu financiamento e à solidariedade entre gerações na garantia da sua protecção social e, complementarmente, na justiça distributiva do regime não contributivo, que tendo por base o financiamento do Orçamento do Estado, visa garantir a todos direitos básicos de cidadania.

Todos os indicadores confirmam que se não fosse a atribuição das prestações sociais, a taxa de pobreza seria bem mais elevada. Mas é um facto que as pensões e outras prestações mantêm valores baixos para quem recebe e que delas continuam excluídos muitos daqueles que precisam.

Alguns exemplos: 47% dos desempregados não acedem ao Subsídio de Desemprego, sendo que o valor médio desta prestação é de 558 euros (Dezembro de 2022). O Rendimento Social de Inserção, com valor médio por família de 259,39 euros e por beneficiário 121,59, abrange 198 mil beneficiários. O Complemento Solidário para Idosos abrange rendimentos abaixo de 5858, 63 euros e, no caso de casais, inferiores a 10 256,60 euros, é pago apenas em 12 meses. O valor médio das pensões, em 2020, era de 487,50 euros, na velhice, e 406,88 na invalidez. O Indexante de Apoios Sociais, cujo valor esteve congelado durante seis anos, passou de 397,86 em 2007, quando foi criado, para 439,20 euros em 2023.

«Reformas» e ameaças

Estes e outros exemplos que poderiam ser dados não resultam da natureza do Sistema Público – universal e solidário – e dos princípios que o norteiam, mas de um caminho de redução de direitos imposto em nome da sustentabilidade da Segurança Social, que anima todas as campanhas de propaganda dos fundos privados de pensões, com o apoio do grande capital, e a enorme pressão da União Europeia para reduzir a despesa inerente aos regimes de repartição e impor o desenvolvimento dos sistemas de capitalização.

Em vez da consolidação do sistema público enquanto instrumento de redistribuição da riqueza, por via de mais e melhores prestações sociais substitutivas do rendimento do trabalho (aliada a melhores salários, emprego de qualidade, combate à divida e fraude à Segurança Social e diversificação das fontes de financiamento), o Governo PS, em convergência com os partidos de direita, tem trilhado um caminho de desvirtuamento do sistema público.

Foi o PS que, entre 2005 e 2007, levou a cabo uma reforma da Segurança Social, prosseguida pelo governo PSD, que colocou Portugal como um dos países que mais rapidamente aumentou a idade de reforma e criou mecanismos de limitação das despesas com pensões.

Ela traduziu-se numa significativa redução do valor da reforma relativamente ao salário e no aumento da idade de reforma, com a criação do «factor de sustentabilidade», em que quanto maior for o aumento da esperança média de vida mais anos se terá de trabalhar para aceder à reforma. Aos reformados foram impostas alterações aos critérios de actualização anual das pensões, que passou a estar dependente do crescimento económico, numa clara opção pela sua desvalorização.

Como se não bastasse, a aplicação desta lei foi suspensa pelo governo PSD/CDS, de Passos Coelho, e os aumentos que dela resultaram, aquando do governo minoritário do PS, que, tendo decidido aplicá-la, sabia de antemão que tal não seria suficiente para repor o poder de compra. Foi a determinação do PCP, na exigência de aumentos extraordinários de todas as pensões, que permitiu a valorização anual das mais baixas, entre 2017 e 2021.

Pela justiça social

Detendo uma maioria absoluta, o PS impõe de novo, em 2023, a suspensão da aplicação desta lei, que significou impor pesados cortes na actualização das pensões. Aumentos insuficientes, entre os 4,83% e os 3,89%, que não só não permitem repor o poder de compra perdido como representam uma redução do valor da reforma que servirá de base à actualização em 2024 e anos seguintes.

O pagamento da meia pensão em Outubro de 2022 não compensou o insuficiente aumento registado em Janeiro desse ano (entre 0,24% e 1%) e o aumento extraordinário de 10 euros, para algumas pensões, não cobriu a perda acentuada do poder de compra face ao aumento de preços sem precedentes nos últimos anos.

É justa e necessária a luta pela reposição do poder de compra das pensões e por mais e melhores prestações sociais. É esta sustentabilidade financeira da Segurança Social que tem de ser salvaguardada, no presente e para o futuro. Pelo combate às desigualdades e à pobreza, pela justiça social.


Fernanda Mateus