No céu cinzento, sob o astro mudo

António Santos

Dis­cute o par­la­mento de Mas­sa­chu­setts, nos EUA, o pro­jecto de lei HD.3822. Se apro­vado, es­ta­be­le­cerá o «Pro­grama para a Do­ação de Me­dula óssea e Órgãos por In­di­ví­duos En­ca­re­rados», que, no idioma dos vam­piros, sig­ni­fica trocar os ór­gãos vi­tais por li­ber­dade.

Se­gundo os le­gis­la­dores do Par­tido De­mo­crata que re­di­giram o pro­jecto de lei, trata-se tão so­mente de de­volver a «au­to­nomia cor­poral» aos pre­si­diá­rios, per­mi­tindo «do­a­ções vo­lun­tá­rias» em troca de uma re­dução da pena que pode ir dos 30 aos 365 dias, de­pen­dendo do órgão, claro. Em de­cla­ra­ções à Im­prensa, Carlos Gon­zález, um dos au­tores do pro­jecto, ex­plicou que «nin­guém vai obrigar nin­guém a doar um órgão. É uma questão de li­ber­dade in­di­vi­dual». E como nos EUA a li­ber­dade in­di­vi­dual não co­nhece li­mites, o pro­jecto de lei não es­ta­be­lece li­mite ao nú­mero de ór­gãos e quilos de me­dula que podem ser «do­ados». Esses li­mites, impõe-nos so­mente as cir­cuns­tân­cias, o de­ses­pero, a falta de opor­tu­ni­dades e, em úl­timo caso, o corpo hu­mano.

Mesmo que não vejam o pro­jecto apro­vado, os le­gis­la­dores me­recem, no mí­nimo, louvor pela co­e­rência: quando é ver­da­deira a fé na san­tís­sima trin­dade do livre mer­cado, livre in­di­víduo e li­bér­rima de­mo­cracia, não se deve fe­char os olhos e ficar ago­niado quando se vê um bo­ca­dinho de sangue. Isto é o ca­pi­ta­lismo, mas não é nada de novo.

Cerca de 80 por cento de todo o plasma san­guíneo usado no mundo são ex­por­ta­ções dos EUA, onde este ne­gócio re­pre­senta já mais de dois por cento de toda a ri­queza ame­ri­cana ex­por­tada. Eis o se­gredo, em sete passos sim­ples, dos em­pre­en­de­dores e dos man­da­dores sem lei por de­trás de tão lu­cra­tivo ne­gócio: 1) ins­talam-se «cen­tros de do­ação» nos pré­dios dos bairros po­bres (são já mais de 1000); 2) chupa-se o sangue e o plasma aos «do­a­dores»; 3) dá-se-lhes 50 dó­lares pelo sangue da ma­nada (se­gundo um es­tudo da Uni­ver­si­dade Case Wes­tern Re­serve, 57 por cento dos «do­a­dores» au­fere assim um terço dos seus ren­di­mentos); 4) vende-se por 600 dó­lares o plasma que custou 50; 5) fica-se rico; 6) os «do­a­dores» fre­quentes, fre­quen­te­mente po­bres, ficam com in­fec­ções, do­enças no fí­gado ou nos rins, co­ro­lário si­sudo da falta de pro­teínas no sangue e 7), por úl­timo, dança-se a ronda no pi­nhal do rei.

Agora ima­gine-se este mo­delo de ne­gócio apli­cado às pri­sões de um país que re­pre­senta 25 por cento da hu­ma­ni­dade presa; onde um por cento da po­pu­lação está atrás das grades; onde 76 por cento dos presos li­ber­tados voltam a ser en­car­ce­rados, 46 por cento dos quais em menos de um ano; onde quase me­tade da po­pu­lação vive na po­breza. En­cher-se-iam tu­lhas de vinho novo e ven­tres de des­pojos an­tigos até um dia acabar a noite ca­lada.




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