Virado do avesso

Jorge Cordeiro

A ha­bi­tação está na ordem do dia. Desde logo porque cons­titui um ine­gável e imenso pro­blema. Ao que se adi­ciona a cen­tra­li­dade me­diá­tica que ga­nhou com a su­cessão de anún­cios e pro­messas que, à bo­leia do PRR, da cri­ação de um Mi­nis­tério ou de um re­cente pa­cote de me­didas, fi­zeram do tema «de­sígnio na­ci­onal». Donde seria ex­pec­tável que as pró­ximas li­nhas se de­di­cassem a des­co­di­ficar o que o Go­verno apre­sentou. Assim não será.

Desde logo porque entre o que foi dito, es­crito e apre­sen­tado tem uma margem tal de im­pre­ci­sões e ver­sões con­tra­di­tó­rias que só por ím­petos de adi­vi­nhação se pode ir além da iden­ti­fi­cação geral das op­ções que as en­formam, es­pe­rando que o dar à luz do dia na anun­ciada con­sulta pú­blica ajude a cla­rear con­teúdos. O que aqui se quer mesmo evi­den­ciar é de outra na­tu­reza e al­cance. Não pelo ine­di­tismo, mas pelo que re­vela de com­pro­vada do­mi­nação ide­o­ló­gica. Dú­vidas sub­sis­tissem, mesmo sa­bendo que por aí sub­sistam em abun­dância, sobre o poder dos cen­tros do grande ca­pital para, a partir da opi­nião edi­tada e pu­bli­cada, impor uma po­de­rosa cam­panha de de­sin­for­mação e mis­ti­fi­cação, e fi­ca­riam dis­si­padas.

O coro que em unís­sono pa­pa­gueou um guião capaz de trans­formar um pa­cote de me­didas que, para lá de uma outra me­dida pon­tual, tem como des­ti­na­tário pri­vi­le­giado os in­te­resses da banca e dos fundos imo­bi­liá­rios, num te­ne­broso pro­grama «cha­vista», «so­ci­a­lista» ou «es­quer­dista», deve ser re­tido. Não pela no­vi­dade em si, que da guerra à epi­demia já se fez prova bas­tante, mas pelo que tes­te­munha dessa má­quina de con­di­ci­o­na­mento capaz de co­locar em mi­nutos a horda de co­men­ta­dores, ana­listas e edi­to­ri­a­listas a uivar contra uma su­posta vi­o­lação do sa­cra­mental «di­reito à pro­pri­e­dade», ilu­dindo o que as me­didas com­portam em ma­téria de be­ne­fí­cios e pri­vi­lé­gios fis­cais dados aos grupos eco­nó­micos, à banca e aos es­pe­cu­la­dores imo­bi­liá­rios.

Vi­rado assim do avesso, quer o que os con­teúdos pre­do­mi­nan­te­mente re­velam, quer a na­tu­reza e ob­jec­tivos de classe que o go­verno exer­citou, aí está em an­da­mento essa ope­ração para que a re­sul­tante final se tra­duza numa mais en­xuta versão no in­te­resse do grande ca­pital e no adiar do di­reito cons­ti­tu­ci­onal à ha­bi­tação.




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