Ensino Superior sai à rua em luta para assinalar o Dia Nacional do Estudante

Nas ruas de todo País, centenas de estudantes lutaram para derrubar as barreiras que persistem no Ensino Superior (ES). As acções de luta realizaram-se dia 23, a véspera do histórico Dia Nacional do Estudante.

Frequentar o Ensino Superior deve ser um direito e não um privilégio

«Até quando vai o muro aumentar? Fim às barreiras no Ensino Superior», foi o lema que mobilizou estudantes de Norte a Sul do País. O repto foi, inicialmente, lançado pela Associação de Estudantes (AE) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH), ao qual se juntaram cerca de duas dezenas de estruturas associativas de todo o território nacional.

Propinas; um Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior que permite regimes fundacionais, a introdução de interesses privados no ensino público e a reduzida representação de estudantes nos órgãos sociais das instituições; a gritante falta de residências e de alojamento público; o aumento do preço do prato social; a falta de investimento e as muitas insuficiências da Acção Social Directa e Indirecta; os atrasos na atribuição das bolsas; taxas e emolumentos – a lista de problemas indicada pelos estudantes é vasta, mas não é de agora. Conjugados com tantos outros, como o aumento do custo de vida, que cada vez mais têm afligido os portugueses, a corda ao pescoço que estes jovens dizem ter, já há vários anos, aperta cada vez mais.

Os vários protestos que se realizaram na quinta-feira passada apontam para uma voz uníssona: ao invés de um direito constitucionalmente garantido, estudar no Ensino Superior (ES) é cada vez mais um privilégio. Aliás, os que, nesse dia, protestaram nas ruas ou junto das suas instituições não se esqueceram dos tantos outros jovens que não ingressaram ou que abandonaram este nível de ensino por dificuldades socio-económicas.

Entre as associações subscritoras do apelo estavam as AE das faculdades de Letras e de Belas Artes do Porto e Lisboa, de Direito da Nova de Lisboa, de Ciências e Tecnologia da Nova de Lisboa e de Ciências do Porto, de Psicologia de Lisboa, de Arquitectura do Porto, dos institutos de Geografia e Ordenamento do Território de Lisboa e do de Serviços Sociais do Porto. De escolas superiores: subscreveram a Superior de Teatro e Cinema, de Artes da Universidade Católica do Porto, da de Educação e da Superior Artística do Porto, da de Artes e Design de Leiria. As associações académicas da Universidade de Lisboa e da Universidade do Algarve também assinaram o apelo.

 

Em Lisboa

Na capital, pouco antes das 14h30 já vários estudantes começavam a concentrar-se no largo frente à Faculdade de Belas Artes (FBAUL). Foram as músicas da tuna universitária daquela instituição que tocaram a reunir os jovens que começavam as preparações para escalar o Chiado e seguir todo o percurso delineado até ao Palácio de São Bento. Lá, mais tarde, uma delegação dos estudantes seria recebida pelo Gabinete de Assessoria do Primeiro-ministro.

«O Ensino é de e para todos! Deve ser acessível, estar ao serviço e constituir um direito e não um privilégio. Continuemos a lutar para que as nossas reivindicações se façam ouvir e dêem fruto: exigimos um ensino realmente público, democrático e de qualidade!», exclamou uma dirigente da AEFBAUL através de um megafone. Estava lançado o sinal para o início da marcha. De imediato irromperam centenas de vozes que gritavam «Estudantes unidos, jamais serão vencidos» e «Propinas e Bolonha é tudo uma vergonha».

Os que agora começavam a calcorrear as ruas chegavam de muitos lados, de áreas diversas, cursos, campi ou de distintas áreas da cidade. Alguns relacionam-se apenas através das várias lutas travadas em ocasiões anteriores. O sentimento de companheirismo que ressurgia nos muitos que de comum apenas têm problemas, era o mesmo que começava a surgir naqueles que, saindo pela primeira vez em defesa do ES, passavam a conhecer-se. Talvez seja «solidariedade» o que se lhe pode chamar.

 

Por todo o País

Por vários pontos do País, o sentimento dos estudantes que travaram esta jornada de luta não poderia ter sido diferente.

No Algarve, foi uma vigília nocturna que se realizou. Em Aveiro, no início da tarde, uma concentração juntou os estudantes na reitoria da universidade. Em Coimbra, ligeiramente mais tarde, foram muitos os que se manifestaram desde as Cantinas Azuis até à sua reitoria. Na Covilhã, realizou-se uma tribuna pública na cantina do Pólo de Engenharia durante a hora de almoço. No distrito de Braga, realizaram-se duas concentrações na Universidade do Minho, a primeira, em Braga, no Pólo de Gualtar, e a segunda, em Guimarães, no Campus de Azurém. Já em Évora, os estudantes marcaram presença no Colégio do Espírito Santo durante a parte da manhã. No Porto, naquela que foi a segunda maior acção desta jornada de alargada expressão nacional, foi uma concentração em frente à reitoria da Universidade do Porto que marcou o dia.

 

Problema concretos

De volta a Lisboa, com o corpo da manifestação já a meio do seu percurso, as várias faixas, pancartas e cartazes, acompanhados pelas vivas palavras de ordem que ecoavam nas ruas estreitas de Santa Catarina e da Calçada do Combro, não deixaram dúvidas do ao que vinham os estudantes. Referenciando a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino superior, muitos gritavam em uníssono «Olé, olé, senhora Elvira, Ai se gosta de propinas, venha cá e pague as minhas», enquanto outros seguravam cartões onde se lia «Fim das Propinas» ou «Propinas é para acabar». Outros que gritavam «São poucos estudantes com cama para dormir, Eu fui despejado e não sei para onde ir» corroboravam os cartazes que diziam «Vou dormir onde?» ou «Lisboa só quer estudantes com Moedas». Em muitas outras faixas, identificadas pelas instituições de onde tinham surgido os estudantes que as seguravam, estava escrito «ISCTE é dos estudantes, não é da fundação», «FPIE degradada, estudantes desagradados» e, numa outra da Faculdade de Direito, questionava-se «Se a Cantina é pública porque não dá para todos?». Já nas duas faixas que encabeçavam a manifestação resumiam-se os anseios dos estudantes: «Falta de condições humanas, propinas, sub-financiamento público, regime fundacional, falta de residências, falta de refeição social, falta de psicólogos, taxas e emolumentos, elitização, bolonha, falta de democracia – Até quando vai o Muro Aumentar?».

 

As culpas têm dono

Chegada a manifestação às imediações do Palácio de São Bento (residência oficial do Primeiro-ministro), houve ainda lugar para três intervenções introduzidas por Luís Miranda, presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. A primeira foi a de Mafalda Borges, presidente da AEFCSH que ali levantou, de novo, os problemas que levaram os estudantes até às ruas do País. Para além dos problemas concretos da sua faculdade, a dirigente mencionou o peso abismal que as propinas têm no financiamento das instituições, que, só na Universidade Nova de Lisboa, representam cerca de 22 por cento.

Já Gustavo Amaral, da AE da Escola Superior de Teatro e Cinema, abordou as condições – ou a falta delas – que afectam o ensino artístico no País, um dos mais desvalorizados a nível nacional. Sobre as mesmas questões, interveio Cíntia Moreira, da Escola Superior de Artes e Design de Leiria. Coube a Mariana Metelo, da direcção da AEFLUL, a intervenção de encerramento da acção, afirmando que os problemas «estruturais» e transversais a todas as instituições, têm origem no mesmo problema: o «subfinanciamento público do ES».

 

PCP tem propostas e soluções

Uma delegação do PCP, composta por Alma Rivera, deputada na Assembleia da República, João Frazão, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, e Mónica Mendonça, do Secretariado da Direcção Nacional da JCP, esteve presente, na acção de Lisboa, em solidariedade com a luta dos estudantes. Em declarações, a deputada comunista afirmou que tanto PS como PSD convergem em assuntos fundamentais, como o desinvestimento no ES e em «políticas elitistas que deixam pessoas para trás» no ensino.

 

Estudantes dos ensinos Básico e Secundário exigem condições

Também no Ensino Secundário centenas de estudantes têm realizado dezenas de protestos sob o lema «Mês de Março é mês de dar voz aos estudantes». Mais professores, uma menor carga horária, mais psicólogos, a efectivação da educação sexual, mais condições materiais e o fim dos Exames Nacionais são as principais reivindicações dos alunos que, ao longo de todo este mês, se têm organizado através do movimento Voz aos Estudantes.

Para além das relatadas no número anterior do Avante!, realizaram-se cerca 20 acções, nos dias 23 e 24, em escolas um pouco por todo o País, com particular incidência nos distritos de Lisboa, Setúbal e Porto, mas também no Algarve e em Santarém.

 

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