Sob o signo da estrela porno

António Santos

A acu­sação cri­minal contra Trump exala bafio a queda do Im­pério Ro­mano. Também Ca­lí­gula, Nero e Có­modo fi­zeram correr in­ter­mi­ná­veis bo­atos com os seus es­cân­dalos se­xuais. É es­tranho ima­ginar os es­cravos do im­pério re­vol­tados – não com a pró­pria con­dição de es­cravos, não com as in­fi­nitas guerras es­pú­rias dos pa­trí­cios; não com o cres­cente em­po­bre­ci­mento da classe ple­beia, mas com o rumor de que o im­pe­rador dor­miria com a pró­pria mãe, ou com uma irmã, ou com um eu­nuco…

Do­nald Trump não se senta no banco dos réus por ter pla­neado e exe­cu­tado uma ten­ta­tiva de golpe proto-fas­cista, nem por ter con­tri­buído para a guerra na Síria ou no Ié­mene, nem por ter di­na­mi­tado os di­reitos la­bo­rais de mi­lhões de tra­ba­lha­dores, nem por ter feito re­tro­ceder vá­rias dé­cadas os di­reitos das mu­lheres do seu país. Do­nald Trump en­frenta, desde terça-feira, 34 pro­cessos crime por ale­ga­da­mente ter fal­si­fi­cado re­gistos co­mer­ciais para si­len­ciar vá­rios es­cân­dalos se­xuais.

Tal como no velho Im­pério Ro­mano, a de­ca­dência moral dos pre­si­dentes deve ser lida como um sin­toma da de­ca­dência po­lí­tica e his­tó­rica do sis­tema. Os pa­ra­lelos são de­ma­siado fá­ceis: em vez do pan­to­mi­meiro e pros­ti­tuto Mnéster, fa­moso amante de Ca­lí­gula, temos Stormy Da­niels, «es­trela por­no­grá­fica» e «in­ves­ti­ga­dora do pa­ra­normal», mas não fa­çamos como os es­cravos dis­traídos e fo­quemo-nos no es­sen­cial. Tal como os es­cân­dalos se­xuais dos an­tigos im­pe­ra­dores ro­manos, os que cercam os novos im­pe­ra­dores es­tado-uni­denses, de Trump a Clinton, não obe­decem sempre a cons­pi­ra­ções por­me­no­ri­za­da­mente ur­didas. São es­gotos que brotam na­tu­ral­mente do sub­solo porque a infra-es­tru­tura po­lí­tica, so­cial e eco­nó­mica – a ca­na­li­zação da so­ci­e­dade, cha­memos-lhe assim – está pu­tre­facta. Isto não quer dizer que a rup­tura da infra-es­tru­tura não possa ser uti­li­zada como arma de ar­re­messo ou en­tre­te­ni­mento para a dis­tracção de mo­dernos es­cravos, mas que ela é, antes de mais, re­flexo da vo­la­ti­li­dade po­lí­tica em que caem todos os im­pé­rios his­to­ri­ca­mente mo­ri­bundos.

A acu­sação de que Trump é alvo pode fa­cil­mente trans­formar-se num imenso trunfo po­lí­tico em causa pró­pria caso o mag­nata seja ab­sol­vido ou, mais pe­ri­go­sa­mente, caso os mi­lhões de tra­ba­lha­dores mar­ti­ri­zados pela po­lí­tica be­li­cista e aus­te­ri­tária de Biden re­vejam no can­di­dato re­pu­bli­cano à pre­si­dência um mártir como eles e, si­mul­ta­ne­a­mente, o cas­tigo dos seus opres­sores.

Em todo o caso, a sen­tença que im­porta já é há muito co­nhe­cida dos his­to­ri­a­dores, que não re­cordam com pre­cisão, ou se­quer in­te­resse, como e com quem dormia Ca­lí­gula, Nero e Có­modo, mas que pas­sados poucos sé­culos o im­pério cairia da imensa po­dridão que os me­drou.



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