Urânio empobrecido da NATO é mais um «presente» envenenado

O Reino Unido anunciou que vai enviar munições de urânio empobrecido para a guerra de procuração que os EUA, a NATO e a UE travam na Ucrânia contra a Rússia, pondo em risco as populações e o meio ambiente, e não só. No Iraque e nos Balcãs, o saldo da utilização deste tipo de armamento é dramático.

No Iraque e nos Balcãs, o urânio empobrecido deixou um imenso rasto de morte

Lusa

A subsecretária de Defesa do Reino Unido, Annabel Goldie, anunciou a 21 de Março a possibilidade de serem enviadas para a Ucrânia munições com urânio empobrecido. A Rússia respondeu a este anúncio, realçando que será forçada a reagir caso seja efectivamente utilizado este tipo de armamento.

Mas o que é, afinal, o urânio empobrecido?

Metal denso derivado do processo de enriquecimento do urânio natural (e não tão radioactivo como este), o urânio empobrecido é utilizado no revestimento de munições, conferindo-lhes um elevado poder perfurante e tornando-as, dessa forma, particularmente eficazes contra alvos blindados. É esta dimensão que tem sido destacada na generalidade da comunicação social, que elogia a «generosidade» britânica, alguma da qual anunciando até que essas armas possam mesmo vir a alterar o rumo do conflito. Mas há outra dimensão, deliberadamente pouco ou nada referida – e não é por falta de elementos: os elevados e duradouros efeitos negativos da sua utilização na saúde e no meio ambiente.

Se, como lembrou o físico Rui Namorado Rosa (Armas de Urânio: destruição sem regresso, Editorial Avante!, 2001), o urânio metálico «é quase inofensivo», o mesmo não ocorre quando assume as formas de composto químico solúvel, aerossol ou poeira fina. Aí torna-se «altamente perigoso, por se tornar então insidiosamente assimilável pelo organismo humano, e ser desse modo quimicamente muito tóxico e radiologicamente muito agressivo».

Ora – é ainda Rui Namorado Rosa quem o explica –, ao contrário de outras, as munições com urânio empobrecido não se fragmentam no momento do impacto. Pelo contrário, fundem-se e vaporizam-se, «em maior ou menor extensão», dispersando-se na forma de vapor ou aerossol. Algumas das micropartículas de óxido de urânio resultantes deste processo espalham-se pela camada limite da atmosfera, «sendo de admitir o seu transporte até dezenas ou centenas de quilómetros do ponto de emissão. Estes aerossóis dispersos através da atmosfera contaminarão o solo e as águas e o urânio será assim, a breve prazo, assimilado por seres vivos e entrará na cadeia alimentar».

O urânio tem, ainda, outra característica relevante: a de ser praticamente eterno (o seu ciclo de vida prolonga-se por muitos milhares de milhões de anos).

 

Morte lenta

Por mais que as potências imperialistas o procurem esconder, e até tentem demonstrar «cientificamente» o carácter «inofensivo» deste armamento, os factos falam por si: nos locais onde foram massivamente utilizadas munições com urânio empobrecido pelos EUA e outros países que integram a NATO (como a antiga Jugoslávia ou o Iraque), as consequências negativas são dramáticas e prolongadas.

Na Sérvia, por exemplo, a incidência de cancro em crianças é duas vezes e meia superior à média europeia e a taxa de mortalidade por doença oncológica é, também, uma das mais altas da Europa. No Iraque o panorama não foi diferente: após a Guerra do Golfo (1990-91), mas ainda antes da Operação Choque e Pavor, de 2003, já o número de casos de cancro tinha quintuplicado, especialmente no sul do país, ao mesmo tempo que o padrão da doença se alterava (especialmente nos linfomas e leucemias), novos tipos de cancro surgiam e a idade média das vítimas mortais baixava significativamente.

Outros efeitos atribuídos à exposição ao urânio empobrecido são as malformações congénitas, os problemas respiratórios, as doenças dos aparelhos digestivo ou renal, as desordens neurológicas, as deficiências imunológicas, a infertilidade – que também cresceram dramaticamente no Iraque, tanto após 1991 como depois de 2003.

Sintomas semelhantes registaram-se em militares norte-americanos e de outros Estados membros da NATO que participaram nessas guerras. Portugal não foi excepção: em 2000 faleceu o militar português Hugo Paulino, após regressar da Bósnia. Os veteranos norte-americanos da Guerra do Golfo lutaram durante anos por compensações pela incidência extremamente elevada de doenças crónicas. O governo dos EUA negou esta pretensão.

O urânio empobrecido, tal como o napalm, o agente laranja ou as armas nucleares em Hiroxima e Nagasáqui, continuam a matar muito para lá do calar das armas. Pode, assim, ser considerada uma arma não convencional.

 

Proibição impõe-se

Desde a década de 90 do século XX que movimentos, partidos políticos e personalidades exigem a celebração de tratados internacionais que proíbam este tipo de armamento. Segundo o Direito Humanitário Internacional é já proibido o uso de armamento que possa causar «danos supérfluos e sofrimento desnecessário», o que é claramente o caso.

Em Maio de 2008, o Parlamento Europeu adoptou uma resolução propondo a proibição global do uso de tais armas, na qual instava a que se desse seguimento à Resolução da Assembleia-Geral das Nações Unidas, de 2007, que manifestava sérias preocupações quanto às consequências da sua utilização. Apelava-se ainda a que se impusesse uma moratória à utilização de tais munições e apontava à sua proibição total.

Por perceber fica apenas de que forma a utilização de munições com urânio empobrecido na Ucrânia pode ser considerada uma «ajuda»…

 

Contra «inimigos» e «amigos»

 

Munições com urânio empobrecido terão sido utilizadas pela primeira vez pelo exército israelita em 1973, sob a orientação de conselheiros norte-americanos. Tal utilização, porém, nunca foi reconhecida nem por Israel nem pelos EUA. Confirmado está, porém, o seu uso no Iraque (1991), na Bósnia (1995), na Jugoslávia (1999) e no Iraque (2003). Só no caso da Jugoslávia, e após forte pressão pública, os EUA e a NATO confirmaram o disparo em 112 locais (72 dos quais no Kosovo) de 31 mil projécteis contendo urânio empobrecido.

Há ainda evidências da realização de testes com munições de urânio empobrecido, durante as décadas de 80 e 90 do século XX, em muitos locais dos EUA e também em Porto Rico, no Japão, no Panamá e na Coreia do Sul. Em todos os casos, a administração norte-americana começou por negar a realização dos testes, acabando depois por ser forçada a reconhecê-los.

Em Vieques, Porto Rico, a mobilização popular exigiu o fim dos disparos e a descontaminação do território. Na ilha japonesa de Okinawa, foram disparados milhares destes projécteis sem o conhecimento das autoridades do Japão, pelo que as armas – e os ensaios – foram transferidas para a Coreia do Sul, onde também se gerou forte contestação. O mesmo sucedeu no Panamá.




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