- Nº 2577 (2023/04/20)

A habitação não é mercadoria mas uma necessidade humana

PCP

«Ao arrepio da Constituição e dos valores de Abril, a política de direita impôs a liberalização da habitação» e pretendeu «convencer-nos de que é o mercado, e não o Estado, que está em melhores condições de garantir este direito. Os resultados deste caminho estão à vista», considerou Paulo Raimundo, no Encontro Nacional do PCP sobre a matéria.

O Secretário-geral do Partido encerrou uma reunião que decorreu durante todo o dia de sábado, 15, na Voz do Operário, sob o lema «Tomar a iniciativa. Assegurar o direito à habitação para todos», e que contou com mais de 30 intervenções que procederam não apenas à caracterização aprofundada, multifacetada e grave da situação no sector, mas também apontaram soluções (ver caixa).

No final, foi aprovada uma resolução na qual constam as propostas do PCP para uma outra política que materialize o direito constitucional à habitação (ver caixa). Direito inscrito na Constituição aprovada após a Revolução Portuguesa, mas que foi sempre ignorado pelos sucessivos governos, vassalos da reconstituição do poder dos monopólios. Processo que, de resto, a abrir os trabalhos, foi resumido por João Dias Coelho, da Comissão Política do Comité Central (ver caixa).

Direito que, recordou por seu lado Paulo Raimundo, não só não foi cumprido como contrariado na prática governativa pela atribuição ao «mercado, e não ao Estado», o papel de promotor da sua concretização.

«Os resultados estão à vista», alertou o dirigente comunista, que deu como exemplo o sucedido, só nos últimos três anos, em Lisboa e No porto, onde 60 e 20 mil arrendatários, respectivamente, foram expulsos das suas casas.

«Não é por acaso que o Partido caracteriza este chamado novo regime de arrendamento (NRAU) como a lei dos despejos», acrescentou, antes de frisar, noutro plano, que «o papel dominante do grande capital no mercado da habitação tem permitido aos grupos económicos somar avultados lucros à conta de uma necessidade básica da população».

«Em particular a banca, que só em 2022 obteve quase 7 milhões de euros de lucros por dia», precisou, ao que se junto o facto de que, «enquanto a esmagadora maioria dos residentes se sacrifica para manter a sua habitação» e «muitos imigrantes vivem em condições absolutamente desumanas, assistimos ao incentivo despudorado de estrangeiros com alto poder aquisitivo».

Favorecimento da especulação imobiliária e NRAU são, assim, «os dois grandes obstáculos à concretização de uma política de habitação justa». São, ainda, «protegidos por PS, PSD, IL e Chega», responsabilizou Paulo Raimundo, antes de criticar «este Governo e o PS» de, «perante a grave crise que enfrentamos» e «as dificuldades de muitos milhares de famílias», insistirem na «atribuição de novos benefícios fiscais para aqueles que têm especulado com a habitação e obtido chorudos lucros, designadamente a banca, os fundos imobiliários e os grandes proprietários».

Soluções

«PSD, CDS, IL e Chega querem ir ainda mais longe», advertiu ainda o Secretário-geral do PCP. Como afirmou Paulo Raimundo, o que se impõe é a «intervenção directa e investimento do Estado para alargar a oferta de habitação pública; a protecção dos inquilinos, com a revogação da lei dos despejos e, para as famílias com crédito à habitação, pôr os lucros da banca a pagar o aumento das taxas de juro», bem como «enfrentar os interesses especulativos» e «recusar a concepção da habitação como mercadoria».


De Abril ao pesadelo

A abrir os trabalhos, João Dias Coelho, da Comissão Política do Comité Central do PCP, fez um breve mas elucidativo resumo da ofensiva contra o direito à habitação, constitucionalmente consagrado com a Revolução de Abril e impulsionado por esta, mas negado e subvertido em nome da acumulação de lucros pelo grande capital, designadamente o financeiro, ao longo de décadas de política de direita e por responsabilidade de sucessivos governos liderados por PS e PSD.

 

Medidas inadiáveis

No Encontro Nacional sobre habitação foi aprovada uma resolução contendo propostas de carácter imediato, umas, e outras estruturais, mas todas inadiáveis, entre as quais:

 

Retrato Vivo

«Existem 15 mil camas em residências públicas para 108 mil estudantes deslocados».

Mónica Mendonça

«A Banca há muito que se concentrou no crédito à habitação: 100 283 milhões de euros de stock em 2022».

Pedro Massano

«A taxa de esforço com a habitação situa-seentre 40% e 60% do rendimento familiar».

Pedro Ventura

«[O pacote do Governo para a habitação] não passa de migalhas caídas da farta mesa dos fundos imobiliários e do capital financeiro».

Lino Paulo

«Entre 2017 e o início de 2022, o crescimento do preço da habitação triplicou o dos custos de construção e quintuplicou o dos rendimentos do trabalho».

Josué Caldeira

«Em 2018, o IHRU sinalizou o distrito de Aveiro como o quarto mais necessitado [de habitações sociais]».

João Canas

«Em 10 dos 16 municípios do Algarve, o SAAL promoveu 25 associações de moradores e 1324 fogos».

Daniel José

«Imóveis sem condições mínimas são alugados para os migrantes mais pobres, atingindo níveis criminosos».

Francisco Franco

«Este Governo PS insiste em não responder aos problemas gravíssimos que as populações enfrentam no direito à habitação».

Bruno Dias

As estratégias locais de habitação indicam que são necessários mais de 100 mil fogos».

Eugénio Pisco

«Na maioria dos concelhos do interior não existe oferta de habitação pública que colmate as necessidades».

Inês Fonseca

«As camadas das cidades que temos resultam de vontades e interesses privados, quer pela propriedade dos solos, quer pelo “papel dos urbanizadores”, quer ainda pela qualidade e uso da edificação, subordinada às mais elevadas taxas de lucro».

Mário Moreira

«Em 2022, o arrendamento no Porto aumentou 137%. O metro quadrado na cidade ronda os 3332 euros».

Cristiano Castro

«No Vale da Amoreira, Moita, aluga-se um quarto de casal por 380 euros».

Jorge Feliciano

«52 % dos trabalhadores recebe até 800 euros brutos e 69% até 1000 euros».

Valter Lóios

«O metro quadrado em Lisboa são 5 mil euros, 2600 na Amadora, 3800 em Oeiras, 2300 em Sintra, 2400 em Mafra e 1600 na Lourinhã. As rendas aumentaram 30 por cento no distrito desde 2013».

Gonçalo Tomé

«Desde 2010 foram construídas 17 novas habitações municipais por ano em Lisboa».

Íris Damião

«Em 2022, apenas 23% dos trabalhadores foram abrangidos por aumentos salariais».

Dinis Lourenço

«O estado da habitação pública [no distrito de Braga] confirma a opção de desinvestimento e fragilização do IRHU».

Tânia Silva

«Em 2012 [num bairro público em Guimarães] fomos confrontados pelo IRHU com aumentos entre 5 mil e 20 mil %».

João Pedro

«Os novos contratos [em habitação pública em Marvila] aumentam rendas de 6 para 400 euros».

Pedro Chagas

«Entre 1990 e 2010, o stock de apartamentos ociosos chegou a ultrapassar os 1,2 milhões».

Cardão Pinto

«O preço médio da renda de um T2 em Vila Real são 600 euros».

Guilherme Dias

«Uma notícia recente do Público relatava que o sector cooperativo só constrói 16 casas por ano».

Tiago Mota Saraiva

«Nas iniciativas realizadas identificámos disponibilidade da população em intervir. Precisamos transformá-la em mais luta e acção».

Paulo Loya

«Uma causa da gentrificação é a enorme quantidade de propriedades vagas em elevada degradação, potenciando a especulação imobiliária».

Luís Mendes

«Com a fragmentação do mundo do trabalho, as cidades e a habitação são um campo de disputa entre os que nela vivem e trabalham e os que lhes extorquem a mais-valia».

Nuno André Patrício

«O acesso à habitação é determinante para a emancipação [das mulheres] e a igualdade na vida».

Lily Nóbrega

«Em 2022, no Alentejo Central, o aumento das rendas foi entre 12 e 27%».

Susana Mourão

«Em 2015, em média, os jovens saiam de casa dos pais aos 29 anos. Hoje saem aos 34».

José Lourenço (texto de Fernando Sequeira)

«Evidência [do incumprimento da Constituição] é o facto de o parque habitacional público representar apenas 2% do total».

Carla Lopes

«Há crianças que acumulam traumas devido ao estigma e à exclusão por viverem em habitações degradadas».

Paulo Silva