A Cultura Integral do Indivíduo continua a ser problema central do nosso tempo

Manuel Rodrigues

Bento de Jesus Caraça identificava a cultura como a verdadeira liberdade

Faz agora 90 anos que Bento de Jesus Caraça proferiu a conferência «Cultura integral do indivíduo – problema central do nosso tempo». Uma Conferência inserida em todo um processo de luta pelo acesso do povo ao ensino, à cultura, à liberdade, de que Bento de Jesus Caraça foi incansável impulsionador como intelectual, cientista, pedagogo, promotor da educação e instrução populares, lutador antifascista, militante comunista.

De facto, Bento de Jesus Caraça despontou como jovem académico em plena época de ascensão do regime fascista português, terrível tempo de culto e promoção de um obscurantismo incompatível com a postura de um intelectual de novo tipo.

Foi neste contexto político que se manifestou a sua grande preocupação com a cultura, que identificava como a verdadeira liberdade, na sua ânsia de contribuir para a formação de um proletariado educado e culto, tendo plena consciência dos seus direitos e deveres, em suma, com consciência de classe.

A sua concepção de cultura, alheia a todo o elitismo e radicalmente democrática, viria Bento de Jesus Caraça a explicitá-la desta forma nesta Conferência, quando se interroga «o que é o homem culto?» e responde que este:

«1.º – Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que percente;

«2.º – Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano;

«3.º – Faz do aperfeiçoamento do seu ser interior preocupação máxima e fim último da vida.»

Sublinha, no entanto que, para que o homem possa trilhar a senda da cultura, é indispensável que ele seja economicamente independente. O problema económico – insistia – é, de todos os problemas sociais, aquele que tem de ser resolvido em primeiro lugar.

 

Uma luta que prossegue
e se projecta no futuro

É nesta luta que se insere hoje a acção dos intelectuais comunistas e de muitos outros democratas e patriotas, que inspirados no exemplo de Bento de Jesus Caraça prosseguem o combate pela democratização da cultura, num tempo em que a política de direita põe em causa direitos constitucionais como o direito à cultura, se promovem forças e projectos reaccionários, se desenvolve uma ofensiva antidemocrática, com forte pendor anticomunista, se iniciou o processo de revisão da Constituição da República Portuguesa com vista à sua descaracterização.

Para o PCP, a «democracia cultural é um factor de democracia política cujas potencialidades só se podem desenvolver com o alargamento e elevação da formação e da vida cultural das populações». Mas a democracia cultural é também um factor da democracia económica, da democracia social e mesmo da soberania nacional.

Na luta pelo socialismo incorpora-se a luta em defesa da democratização da cultura e por uma política cultural ao serviço do povo e do País.

Foi este objectivo que o Encontro Nacional do PCP «Democratização, Liberdade Cultural – Por um serviço público de cultura», realizado em 2022, reafirmou ao sublinhar que o «objectivo básico fundamental da política de democratização cultural é o acesso generalizado das populações à criação e à fruição culturais». Acrescentado que, para que tal objectivo se atinja, cabe ao Estado a responsabilidade central. Torna-se imprescindível a instituição do Serviço Público de Cultura.

A cultura integral do indivíduo continua a ser, pois, problema central do nosso tempo, assumindo-se um entendimento de cultura – tal como Bento de Jesus Caraça assumia - como factor de emancipação humana, e da aquisição da cultura como factor de conquista da liberdade.

Um desafio que se coloca a todos os que se preocupam com a construção de um Portugal desenvolvido, soberano e de progresso social. A todos os que se preocupam em reivindicar a cultura para a comunidade inteira, para a humanidade. Porque, como Bento de Jesus Caraça também reconhecia, «só com ela pode a humanidade tomar consciência de si própria».




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