- Nº 2586 (2023/06/22)

No meio do ruído

Opinião

Lusa

Percorremos as linhas do tempo das aplicações de redes sociais. A rapidez, o volume, a velocidade, os comentários, a intensidade da luz projectam uma realidade paralela. Nela os problemas reais – os salários, os preços, a habitação, o SNS – são notas de rodapé. Nela o ruído, a indignação, os ódios, os egos são a forma de estar. Parece realidade mas é uma hiper-bolha, a mesma das televisões e dos jornais.

Não é por acaso: os centros que decidem e determinam são os mesmos. Querem-nos atomizados, desconfiados, desinformados, paralisados. E fazem-no com injecções de sofisticação, estonteante, aliciante e agressiva.

Mas se tudo isto é cada vez mais evidente, nem por isso é plenamente percebido em toda a sua dimensão de implicações políticas e ideológicas com a sua expressão de massas.

Sabemos que as redes digitais são palco das mesmas contradições, dos mesmos conflitos, dos mesmos interesses, alimentam e são alimentadas pelas mesmas lógicas da reprodução da vida social que qualquer outro espaço de intervenção, assim como sabemos das opções de classe dos centros do capital que as domina, e que aí não há ilimitadas possibilidades de intervenção para as forças progressistas.

Os ecrãs têm um papel na secundarização das relações sociais face a face, são um espaço em que há muito de sociabilidade maquinal, em que a explosão dos «amigos» das redes não deixa de significar, surpreendentemente, isolamento.

Sendo tudo isto, são então mais um palco da luta de classes, e por isso lá estamos, sem desperdiçar nenhum espaço de intervenção, sem entregar armas ao nosso inimigo de classe.

Procurar a verdade
Tudo isto nos obriga a um exercício criativo, dialético e crítico permanente, em que nos tentam impor agendas que não escolhemos e que nos são estranhas; em que nos tentam impor velocidade instantânea para estar em cima do problema, porque não podemos permitir que seja a narrativa da ideologia dominante a isoladamente intervir de forma prolongada, mas isso não nos pode fazer abdicar da verdade e da análise colectiva. E o choque entre estas duas dimensões – imediatismo vs. tempo necessário a uma força política que analise séria e cientificamente a realidade – favorece as forças que apostam na emoção e no espectáculo e não na razão.

Temos de estar preparados para todas as circunstâncias, e isso significa sermos mais capazes de enfrentar a ofensiva em todas as suas expressões. Estarmos munidos ideologicamente, conscientes do que enfrentamos, não nos deslumbrarmos, não desanimar pela força dos que nos exploram, conhecer as posições do Partido, ter capacidade crítica sobre o que nos é apresentado – desde a notícia no jornal, ao boato sobre tal posição do Partido, aos comentários numa publicação –, de não tomar a bolha virtual pela realidade. Temos colectiva e individualmente a responsabilidade de usar a nossa experiência para estar alerta, confiar mais no Partido e menos em quem o ataca, procurar a verdade no meio do ruído.

Campo para avançar
Falar verdade, muitas vezes não granjeia grandes estatísticas no algoritmo, marcado por lógicas e critérios que não são os nossos, medidos pelo brilhantismo da retórica vazia, pela intensidade da emoção. São também opções de classe. A preparação e disposição militante para este combate não é fácil, num meio onde o que domina é a gritaria, mas não podemos deixar este campo de intervenção vazio às outras forças.

Isto significa que nada podemos contra esta força avassaladora dominante, para além de estarmos preparados? Não, significa que temos de agir criticamente e projectar o que já sabemos fazer: ligação permanente às massas e à vida, organizar a actuação colectiva dos membros do Partido também nas redes, fazendo chegar mais longe a nossa intervenção na batalha das ideias, sem voluntarismos, em que a contribuição criativa e audaciosa de cada um, organizada, se faz força poderosa.

É aqui que está o maior campo para avançarmos nesta frente. Sabendo que quanto maior for a rede de comunicação, o seu desenvolvimento e alcance orgânico, para lá do círculo de cada organização, mais longe chegaremos, e mais defendidos estaremos da censura, da deturpação e do silenciamento.

 

Carina Castro