20 anos da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica

Bárbara Carvalho

Um bolseiro trabalha mas não é um trabalhador, é um subsidiado

Este ano, a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) cumpre 20 anos. Inicialmente criada como plataforma (a PBIC), tem como principal objectivo «a sua extinção», conforme anunciado na carta aberta publicada no arranque das celebrações dos 20 anos. Este objectivo reside na reivindicação de fundo pela qual lutam os trabalhadores científicos com vínculo de bolsa em Portugal: a revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI) e a substituição das bolsas por contratos de trabalho.

Classificadas de subsídio mensal de manutenção, as bolsas de investigação mantêm reais trabalhadores científicos – denominados bolseiros – desprovidos do acesso à protecção social e aos direitos dos demais trabalhadores (não contempla o direito ao 13.º e 14.º mês ou sequer ao subsídio de desemprego). Um bolseiro trabalha mas não é um trabalhador, é um subsidiado. E é ao abrigo do Estatuto do Bolseiro de Investigação que cerca de 13000 investigadores e técnicos de investigação trabalham no Sistema Científico e Tecnológico Nacional.

Revisitando os últimos 20 anos, é por demais evidente que as reivindicações de fundo de então são as de hoje. Já em 2002, ainda antes de se constituir como associação, a plataforma de bolseiros reivindicava a urgência de garantir contratos de trabalho e um sistema de protecção social a todos aqueles que trabalhavam em ciência. No entanto, ainda que a contratação com plenos direitos laborais e o acesso ao Estatuto da Carreira de Investigação seja ainda a principal luta da ABIC, várias foram as conquistas alcançadas pela luta organizada dos bolseiros numa associação representativa do sector: da própria criação do EBI em 2004; à substituição da maioria das bolsas por contratos de trabalho para investigadores doutorados em 2017; passando pelo fim de 17 anos de congelamento do valor das bolsas e respectiva actualização remuneratória anual em 2019.

As comemorações em torno do aniversário da ABIC têm permitido trazer ao presente as lutas dos últimos 20 anos numa perspectiva de futuro. Exemplo disso foi a manifestação do passado dia 16 de Maio, Dia Nacional dos Cientistas, co-organizada com a FENPROF, a Federação Nacional dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais e diversos núcleos de trabalhadores científicos, numa união muito expressiva de um sector inteiro pelo fim da precariedade laboral no Ensino Superior e na ciência. O facto de ter sido a maior manifestação de que há memória demonstra a actualidade e premência das reivindicações de sempre da ABIC. Reivindicações estas que, além daquelas de fundo, implicam soluções muito concretas que permitam colmatar o aumento do custo de vida que afecta todos os trabalhadores.

É evidente a falta de vontade política dos sucessivos governos para a dignificação da profissão num sector crucial para o desenvolvimento científico, tecnológico, social e cultural do País. O caminho por estes trilhado tem sido de privatização do ensino superior, de desinvestimento nos Laboratórios do Estado e de uma ciência baseada nos resultados imediatos e rentáveis. Um caminho que hipoteca a soberania nacional em prol da dependência e da subalternização, e a precarização dos vínculos dos trabalhadores científicos é uma opção governativa que contribui para a concretização deste projecto que não serve a missão pública do ensino superior e da ciência.

A luta pelo fim da precariedade é, por isso, também a luta por uma ciência e um ensino superior de todos e para todos. São 20 anos de luta dos bolseiros de investigação que continuarão até que o direito ao trabalho seja cumprido.




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