Afirmar a soberania, por uma vida melhor

João Ferreira (Membro da Comissão Política)

A rejeição das imposições da UE e a afirmação da soberania são parte da luta por uma vida melhor

1. A fixação arbitrária, no final do século passado, pela União Europeia (UE), de valores limite para o défice das contas públicas e para o peso da dívida pública foi instrumental na imposição de políticas de recorte neoliberal. O «défice» foi erigido em fim último da condução da política económica do país. Os verdadeiros objetivos de tal opção estavam, como ainda estão, muito para lá do equilíbrio das contas públicas.

O «défice» e a «dívida» foram pretexto para as privatizações, com a delapidação do sector empresarial do Estado; para a redução da massa salarial da função pública, impondo a centenas de milhares de trabalhadores uma prolongada erosão dos seus salários; para o recuo do Estado no exercício das suas funções sociais e enquanto promotor do desenvolvimento económico, com a redução acentuada do investimento público; para o subfinanciamento crónico e degradação dos serviços públicos.

Com o passar dos anos, a ampla e espessa teia de condicionamentos associados à moeda única foi endurecendo. Tornou-se cada vez mais constrangedora da soberania e do desenvolvimento de países como Portugal. Além da versão revista e aumentada do Pacto de Estabilidade, vieram o Tratado Orçamental, o Semestre Europeu, a Governação Económica. O caminho não parou por aqui. Vão surgindo amiúde novas tentativas de lograr uma ação ainda mais intrusiva da UE na vida dos Estados (ou na maioria deles), na limitação da sua soberania, na definição das suas políticas, impedindo soluções e caminhos que fujam à doutrina única «oficial».

Para quem manda na UE, o «défice» e a «dívida» são importantes mas não chegam. A intenção é controlar e condicionar mais. Vejamos um exemplo recente e significativo. O Conselho Europeu, com a anuência do Governo português, aprovou na sua reunião da semana passada as «recomendações específicas por país» – um eufemismo usado para cunhar as imposições feitas pela UE, cujo não acatamento pode acarretar sanções. Para Portugal, entre outras, regista-se a imposição de um limite ao aumento nominal da despesa primária líquida do Estado, em 2024, a um máximo de 1,8%. Ou seja, com a inflação prevista, na prática, estamos a falar de um corte nesta despesa – com repercussão nos salários dos trabalhadores da função pública, no Serviço Nacional de Saúde, na Escola Pública, entre outras áreas. Impondo limites cegos ao défice e à dívida, condiciona-se muito. Impondo limites à despesa pública, condiciona-se ainda mais.

A rejeição das imposições da UE e a afirmação da soberania nacional confirmam-se como parte integrante da luta por uma vida melhor.

 

2. Estamos a onze meses das eleições para o Parlamento Europeu. Reforçar a CDU é uma «condição fundamental para defender os interesses dos trabalhadores e do povo português, assim como o direito do País ao progresso e ao desenvolvimento, numa Europa de paz e de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos». Esta perspetiva deve animar uma confiante preparação da batalha eleitoral, reconhecendo com realismo tanto as dificuldades que enfrentamos como as imensas potencialidades que se abrem ao nosso trabalho.

Sem prejuízo de um adequado apuramento das formas e conteúdos concretos de intervenção nesta batalha – da definição das principais linhas de proposta política, do balanço do trabalho feito nos últimos cinco anos pelos deputados do PCP, da preparação da campanha, de uma adequada sistematização da mensagem –, a intervenção geral do Partido é o elemento decisivo para dar resposta às necessidades com que estamos confrontados na preparação das eleições.

Nos últimos meses, o Partido tomou a iniciativa. Reforçou-se. Deu passos importantes na resposta a novas exigências. É possível e necessário levar mais longe este esforço. Com determinação e audácia, com alegria e confiança. A valorização de passos dados não pode iludir o muito caminho que ainda há que percorrer – na ligação do Partido à vida, na sua afirmação como instrumento de acção e de luta, na elaboração de soluções para responder aos problemas com que os trabalhadores e o povo se deparam.

Mãos à obra!




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