A defesa da paz exige a dissolução da NATO

Terminou ontem na capital da Lituânia, Vilnius, mais uma cimeira da NATO marcada pelo incremento da confrontação e do militarismo, que confirmou este bloco político-militar e os interesses que serve – os da política externa norte-americana – como a principal ameaça à paz no mundo. A denunciar isso mesmo esteve o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), que uma vez mais insistiu no mote «Paz sim! NATO não!».

A NATO serve, hoje como sempre, os interesses da política externa norte-americana

Para o final da tarde de ontem, já após o fecho desta edição do Avante!, estava marcada uma tribuna pública em frente à Fundação José Saramago, em Lisboa, contra os objectivos da cimeira e em defesa da paz, promovida pelo CPPC. Nos dias da cimeira, e nos que a antecederam, foi distribuído um jornal com as razões que motivaram a campanha e as suas reivindicações.

No que respeita à cimeira, o CPPC criticava os seus objectivos centrais: «o incremento do militarismo, a escalada armamentista, a intensificação da política de confrontação, com as suas imensas consequências e riscos para a humanidade.» E não se enganou.

Na agenda esteve desde logo o que o Secretário-geral Jens Stoltenberg (reconduzido no cargo) tinha já anunciado semanas antes, numa reunião ministerial na qual, significativamente, estiveram presentes responsáveis por algumas das maiores empresas de armamento do mundo: a exigência de que os Estados-membros da NATO atinjam no imediato o «patamar mínimo» de dois por cento de gastos militares.

Acontece que a NATO é já, e de muito longe, a principal responsável pelas extraordinárias – e crescentes – despesas militares mundiais.

No citado jornal afirma-se, a este propósito: «Basta de milhares de milhões para os armamentos e a guerra! É necessário que o dinheiro seja usado para garantir melhor saúde, educação, habitação, salários e pensões, emprego, cultura, ambiente, para assegurar a justiça e o progresso social.»

 

Guerra e dominação

Não só do aumento dos gastos militares se faz o recrudescimento do militarismo e da política de confrontação saído da cimeira da NATO: nela falou-se também do reforço de contingentes militares no Leste da Europa, da integração da Suécia, das «promessas» renovadas de adesão feitas à Ucrânia, da abertura de uma delegação da NATO no Japão (que participou pela primeira vez em exercícios aéreos da NATO na Europa, por sinal os maiores de sempre).

Como sucede desde a sua criação, a NATO – contando com a generosa cobertura dos grandes meios de comunicação social – procura justificar a sua existência e acção com um suposto «carácter defensivo» e «valores democráticos», que a realidade desmente. Em 1949, a NATO assumia-se como «organização militar do mundo livre» enquanto tinha entre os seus membros fundadores os grandes impérios coloniais, Reino Unido e França, ou um país – Portugal – submetido a uma ditadura fascista; apregoava como propósitos centrais a contenção da «ameaça soviética», muito embora tenha sido criada num momento em que a URSS desmobilizava milhões de soldados para tarefas de reconstrução e seis anos antes do Pacto de Varsóvia; com o desaparecimento do campo socialista europeu, que constituiria o pretexto para a sua existência, a NATO não só não se extinguiu como se alargou e ampliou o seu âmbito de actuação.

Hoje, a grave situação que se vive na Ucrânia serve de pretexto para tudo, ocultando-se que ela é sobretudo consequência – e não causa – da actuação da NATO.

Para lá de todas as proclamações e das significativas alterações ocorridas no mundo desde a fundação da NATO, em 1949, algo não mudou. Como nessa altura, a NATO continua a ser um instrumento da política externa dos EUA, essencial para assegurar o predomínio norte-americano, hoje em sério declínio.

 

«Campeã» das despesas militares

A NATO é a «campeã da escalada armamentista», garante o CPPC, que se baseia nos dados divulgados recentemente pelo Instituto Internacional de Estocolmo para os Estudos da Paz/ SIPRI relativos às despesas militares em 2022. Ora, dos 2240 milhares de milhões de dólares de gastos totais, os 31 membros da NATO assumiram 55 por cento do total, qualquer coisa como 1232 mil milhões de dólares. Os restantes 164 países gastaram os outros 45 por cento.

Mas há mais conclusões relevantes a retirar dos dados divulgados pelo SIPRI: o valor assumido pela NATO representa quatro vezes mais do que gasta a República Popular da China (com 13 por cento do total) e 14 vezes mais do que a Federação Russa, com apenas 3,9 por cento do total mundial. Os EUA, sozinhos, representam 39 por cento do total das despesas militares mundiais. Não deixa de ser relevante o facto de, em conjunto, os membros europeus da NATO – excluindo desta contabilidade os EUA e o Canadá – terem despesas militares superiores às da China e quatro vezes maiores do que as da Rússia.

Esta tendência, longe de ser uma novidade, é dominante desde sempre: são os EUA e a NATO os principais promotores da corrida armamentista, da escalada de gastos militares a nível mundial e do desenvolvimento e modernização dos arsenais nucleares.

 

Cadastro sangrento

Bem pode a NATO e as cadeias mediáticas ao seu serviço insistir na estafada tese da organização militar «pacífica» e «defensiva», norteada por «valores democráticos» e pela «defesa dos direitos humanos». É a própria acção da NATO que o desmente.

Para lá de ter interrompido, com a sua fundação, a criação de um sistema de segurança colectiva assente na Carta das Nações Unidas e imposto a lógica de blocos político-militares nas relações internacionais, a NATO tem um longo e sangrento cadastro: acolheu no seu seio ditaduras fascistas (como Portugal) e impérios coloniais; promoveu golpes de Estado (Grécia), ocupações militares (Chipre) e atentados terroristas (Itália), agrediu – e destruiu – Estados soberanos.

Pergunte-se aos povos da Jugoslávia, do Afeganistão, do Iraque, da Líbia como são esses «direitos humanos» e a que sabe essa «democracia», para ali exportados na ponta dos mísseis da NATO: as centenas de milhares de mortos, estropiados, deslocados, refugiados, órfãos; a violação dos mais elementares direitos humanos, dos direitos dos povos, da sua soberania; a destruição de Estados, infra-estruturas, recursos naturais e meio ambiente.

 

Instrumento de agressão e domínio

Fundada por 12 países – entre os quais Portugal, então submetido a uma ditadura fascista –, a NATO integra actualmente 31 Estados, sendo que a União Europeia se assume como um seu pilar.

A partir da década de 90 do século XX, desaparecida a «ameaça soviética» que lhe servia de pretexto, a NATO iniciou um impetuoso avanço até junto das fronteiras da Federação Russa, pese embora as «promessas» dos EUA de que não avançaria «nem um centímetro» para Leste: em sucessivos alargamentos, a NATO instalou bases, contingentes e artilharia na Europa central, oriental e do sul, realizou exercícios militares e elevou a retórica contra a Federação Russa.

Mas a acção da NATO há muito que não se limita à região do Atlântico Norte. Através de «parcerias» e «acordos», e sobretudo das centenas de bases militares que os seus membros têm espalhadas pelo mundo, é hoje um bloco político-militar de âmbito planetário. Prova-o também a intenção de abrir uma delegação da NATO no Japão, de modo a corresponder àquele que é o principal objectivo da política externa norte-americana: a contenção do desenvolvimento e afirmação da República Popular da China.

Com esse fim foram também constituídas novas alianças e plataformas militares na Ásia: o AUKUS (entre os EUA, o Reino Unido e a Austrália) e o Quad (que agrega os EUA, o Japão, a Índia e a Coreia do Sul). No jornal distribuído pelo CPPC também se denuncia esta realidade.

 

Há alternativa: paz, cooperação, solidariedade

Na campanha realizada contra a NATO e a cimeira de Vilnius, o CPPC reafirmou o que considera ser um «caminho alternativo, capaz de construir um mundo de paz, cooperação e amizade entre os povos do mundo». E apontou objectivos que o concretizam:

• fim da política de confrontação e de guerra e da resolução política dos conflitos internacionais

• dissolução da NATO

• fim da escalada belicista que se verifica na Europa e na região Ásia-Pacífico

• abolição das armas nucleares e de outras armas de destruição massiva

• fim da corrida aos armamentos e do desarmamento geral, simultâneo e controlado

• salvaguarda da paz, da segurança colectiva, da cooperação com base nos princípios da Carta das Nações Unidas e da Acta Final da Conferência de Helsínquia

• apoio aos deslocados e refugiados, vítimas das guerras

• cumprimento, pelas autoridades portuguesas, dos princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa, de respeito pela soberania, independência, igualdade de direitos e resolução pacífica dos conflitos entre os Estados

• solidariedade e amizade entre todos os povos e defesa do direito à paz, condição essencial para o desenvolvimento, a justiça e o progresso social, o bem-estar da Humanidade.