«Acho que começa a ser mesmo muito difícil ficar calado com tanta desigualdade»

«A arte também tem o papel de pôr o dedo na ferida»

Na sua primeira presença nos palcos da Festa do Avante!, Agir convida Carolina Deslandes, Lura, Milhanas e Paulo de Carvalho para um espectáculo que celebra a Revolução de Abril, os seus poetas e cantores.

O espectáculo que vai apresentar na Festa do Avante! é descrito como sendo uma celebração da Revolução dos Cravos e dos cantores que marcaram esse tempo, há quase 50 anos. O espectáculo chama-se mesmo «Agir – Cantando Abril». Porque é que o 25 de Abril de 1974 significa tanto para um artista português, como o Agir, que nasceu quase 14 anos depois desse dia?
A minha geração já nasceu e sempre viveu em liberdade. Não sabemos o que será viver sem ela. Por um lado, ainda bem, é bom sinal. No entanto, a liberdade é frágil e estamos a viver tempos em que começa a ser posta em causa todos dias. Nunca é de mais relembrar isso. A liberdade não é, e provavelmente nunca será, algo em que possamos baixar os braços e dizer: já está.

Quando fez a primeira versão deste espectáculo, para a RTP, em 2021, que foi um grande êxito, sentia que existia, nas pessoas da sua geração e que ouviam os seus discos, alguma lacuna ou alguma ignorância sobre a Revolução e os seus cantores? Isso motivou-o, de alguma forma, a concretizar esta ideia?
A ideia de fazer este espectáculo, tirando o facto egoísta de gostar genuinamente das canções, surgiu de algumas conversas que fui tendo com jovens. Cheguei à conclusão de que o que sabiam sobre o 25 de Abril, e de tudo o que se passara antes, era francamente pouco. Achei, então, que urgia fazer uma ponte entre gerações na tentativa de que tal época e tais músicas não caíssem no esquecimento.

O que se vai passar no Palco 25 de Abril é uma mera repetição do que o Agir fez para a RTP? Quais são as semelhanças e diferenças?
O ponto de partida e a premissa serão os mesmos, mas levarei uma formação de banda maior, assim como convidados que não estiveram presentes no programa da RTP. Existirão mais momentos em dueto. O alinhamento será, inevitavelmente, maior, e a principal diferença, a meu ver, será o mar de gente que terei à frente. Com um repertório como este, que chega a ser batota, tenho a certeza de que teremos o maior e melhor coro que poderíamos desejar.

Vai cantar estas músicas com Carolina Deslandes, Lura, Milhanas e Paulo de Carvalho. Como é que esta equipa se formou e que papel é que cada um vai desempenhar no espectáculo?
Estes músicos, mais do que colegas de profissão, são família. Representam realidades e gerações diferentes, e, cada um à sua maneira, espelha e grita a liberdade todos os dias no que faz. Tenho mesmo uma profunda admiração por todos eles. Será uma honra partilhar música e palco com tanto talento.

O seu pai, Paulo de Carvalho, é, como se sabe, o cantor de uma das senhas passadas na rádio, no dia do começo da Revolução, para accionar a movimentação das tropas revoltosas. Esta circunstância, a de ter como pai uma das vozes de Abril, teve provavelmente grande influência em si. De que forma é que isso se manifesta na sua maneira de ser artista?
É-me sempre difícil separar o artista do pai. Ainda assim, e quando era mais novo, ser filho da senha que viu Abril nascer era motivo de alegria e orgulho. Agora, mais velho, começou a tornar-se, gradualmente, uma responsabilidade.

Habitualmente classificam-se muitas das canções de há 50 anos dos autores que vai interpretar, com os rótulos de «música de intervenção» ou «música de protesto» e para a geração desses músicos, na altura, isso era um «galhardete» honroso, coerente com a visão que tinham do papel do artista para a transformação da sociedade. É assim que vê essas canções ou, 50 anos depois, e não sendo dessa geração, entende-as de outra maneira?
«A cantiga é uma arma», dizia José Mário Branco. Enquanto continuarem a ser cantadas e passadas de geração em geração serão eternas. Com os tempos que correm, constato que são, também, muito actuais. Espero que, no dia 3 de Setembro, sejam também motivo de festa e celebração.

Faz sentido compor hoje «música de intervenção»? O artista de hoje também pode ser um agente de transformação da sociedade, como foram os artistas que homenageia?
Eu diria que um artista não tem essa obrigação, mas, mais uma vez, com os tempos que correm, acho que é preciso viver debaixo de um calhau para não sentir um grito de revolta dentro de nós. Acho que começa a ser mesmo muito difícil ficar calado com tanta desigualdade. Em muitos casos, premeditada. A arte também tem o papel de pôr o dedo na ferida e de expor o feio e o grotesco da humanidade.

Trazer este espectáculo à Festa do Avante! tem algum significado especial para si?
Já fui algumas vezes à Festa do Avante, tanto como visitante, como convidado de outros artistas. Será a primeira vez que irei actuar em nome próprio e há anos que esperava por esta oportunidade. Numa conferência de imprensa vossa, uns dias antes da abertura de uma das edições, pude assistir à montagem e preparação da Festa, e aperceber-me do espírito de união e entre-ajuda de todos que nela participam. É muito bonito. Estou muito feliz e ansioso por que o dia chegue.



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