Mais justiça fiscal em vez das injustiças propostas pelo PSD

Manuel Gouveia

O que PSD, acom­pa­nhado de Chega, IL e CDS, pre­tendem é, em nome de um falso dis­curso sobre im­postos, re­duzi-los para o grande ca­pital

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A pro­posta fiscal do PSD foi trans­for­mada, por quem o pode fazer, na grande no­vi­dade desta ren­trée1 po­lí­tica.
O que o PSD anun­ciou foi um agen­da­mento po­tes­ta­tivo para dis­cutir uma pro­posta sua de re­dução de im­postos. Exac­ta­mente o que o PCP re­a­li­zara em Julho, há um mês, apesar do si­lêncio que então e hoje sobre tal ini­ci­a­tiva se abateu e abate. Com uma di­fe­rença – o PCP pro­punha uma re­dução de im­postos «sobre os tra­ba­lha­dores e o povo» e o PSD fala de uma «re­dução de im­postos» em abs­trato.
Qui­sesse o PSD re­duzir os im­postos sobre os «tra­ba­lha­dores e o povo», e teria vo­tado a favor das pro­postas apre­sen­tadas pelo PCP em Julho. Não quis e votou contra. Tal como fi­zeram PS, IL e CH. Mas então, a que se di­rige a pro­posta do PSD? A baixar os im­postos dos que mais têm.

É que a pro­posta do PCP não vi­sava baixar o vo­lume de re­ceita fiscal. O di­nheiro faz falta para ga­rantir, desde logo, um con­junto de ser­viços pú­blicos es­sen­ciais. O que PSD, acom­pa­nhado de Chega, IL e CDS pre­tendem é, em nome de um falso dis­curso sobre im­postos, re­duzi-los para o grande ca­pital e jus­ti­ficar a des­truição de ser­viços pú­blicos.

A pro­posta do PCP re­duzia os im­postos pagos pelos tra­ba­lha­dores e o povo, mas aca­bava com um con­junto de bu­racos que PS, PSD, IL e CH têm co­lo­cado na lei para que os grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros, de­sig­na­da­mente os bancos, mul­ti­na­ci­o­nais e as grandes for­tunas pa­guem cada vez menos.

O PCP pro­punha por exemplo o en­glo­ba­mento obri­ga­tório de todos os ren­di­mentos, e de uma forma que só afec­tava os con­tri­buintes dos úl­timos es­ca­lões, aqueles que são be­ne­fi­ci­ados pelo facto de um con­junto de ren­di­mentos – de­sig­na­da­mente pre­diais e de ca­pital – es­tarem su­jeitos a uma taxa in­fe­rior às taxas má­ximas do IRS (que se aplicam aos ren­di­mentos sin­gu­lares, in­cluindo todos os que têm origem no tra­balho).

Um outro bom exemplo da di­fe­rença entre as pro­postas do PCP – que de facto baixam os im­postos sobre quem tra­balha – e as do PSD – que fazem de­ma­gogia com os tra­ba­lha­dores mas cujas pro­postas só servem os mais ricos – é a pro­posta do PSD de re­duzir a ta­xação dos pré­mios man­tendo a dos sa­lá­rios. Esta pro­posta ser­viria dois pro­pó­sitos: ajudar à fuga fiscal dos pré­mios ver­da­dei­ra­mente mi­li­o­ná­rios de ges­tores e ad­mi­nis­tra­dores; es­ti­mular os tra­ba­lha­dores a acei­tarem pré­mios em vez de au­mentos de sa­lário, em pre­juízo dos seus ren­di­mentos fu­turos e das re­ceitas da se­gu­rança so­cial (in­cluindo por via da re­dução da TSU para o pa­tro­nato).

Outro bom exemplo é a questão da re­dução do IVA na elec­tri­ci­dade e gás, já pro­me­tida tantas vezes por PS e PSD, mas nunca con­cre­ti­zada. De cada vez que a coisa vai a votos, ora um ora outro, ou ambos, como fi­zeram em Julho deste ano, votam contra esta me­dida de re­dução ver­da­dei­ra­mente justa de im­postos. Ora, as fa­mí­lias tra­ba­lha­doras de mais baixos ren­di­mentos pagam mais de IVA de elec­tri­ci­dade e gás do que de IRS (e o PCP também propõe a re­dução do IVA nas te­le­co­mu­ni­ca­ções). E qual­quer um desses aba­ti­mentos fis­cais se­riam de apli­cação au­to­má­tica e ve­ri­fi­cável, são preços que estão con­tra­tu­a­li­zados, sem qual­quer hi­pó­tese dos grupos eco­nó­micos se apro­pri­arem da re­dução fiscal como fi­zeram com grande parte do IVA zero nos bens ali­men­tares.

Outro exemplo da de­ma­gogia do PSD é a de­fesa da ne­ces­si­dade de ac­tu­a­li­zação dos es­ca­lões do IRS ao valor da taxa de in­flação. Não porque não seja ne­ces­sário, é-o. Mas porque tal não é su­fi­ci­ente e o PSD sabe-o. É que além dos es­ca­lões do IRS é pre­ciso ac­tu­a­lizar à in­flação os ou­tros in­di­ca­dores que são es­sen­ciais para apurar o IRS de cada um, desde logo os pa­ta­mares das di­fe­rentes de­du­ções à co­lecta, com des­taque para o das des­pesas ge­rais que é a que abrange mais con­tri­buintes, o valor do mí­nimo de exis­tência e da de­dução es­pe­cí­fica. E de­pois porque de cada vez que o PCP propôs essa ac­tu­a­li­zação – e o PCP propõe isso em cada Or­ça­mento de Es­tado – tal não foi apro­vado pelo PSD.
A ten­ta­tiva de cen­trar o de­bate po­lí­tico nos im­postos, su­por­tada numa in­tensa e pro­lon­gada cam­panha ide­o­ló­gica que os pro­cura di­a­bo­lizar, é do in­te­resse do ca­pital. Todos os anos o País perde mais de 1000 mi­lhões de euros de re­ceita por via dos pa­raísos fis­cais, ao longo dos anos as taxas de IRC têm vindo a ser re­du­zidas pro­gres­si­va­mente, os be­ne­fí­cios fis­cais con­ce­didos aos grupos eco­nó­micos crescem a olhos vistos – como se ve­ri­ficou no úl­timo OE ou no pa­cote mais ha­bi­tação. A marca do PSD ao longo dos anos, seja no go­verno, seja na AR, é a do agra­va­mento dos im­postos sobre o Povo – ainda nos lem­bramos do enorme au­mento de im­postos nas pa­la­vras de Vítor Gaspar - e o fa­vo­re­ci­mento do ca­pital. É esse o ca­minho que agora é no­va­mente pro­posto, mesmo se em­bru­lhado em pa­la­vras mansas.

Es­tamos pois no reino puro da po­li­ti­quice. Querem en­ganar o povo e só servem os ricos. O cos­tume.

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1 Como gostam de lhe chamar os que apre­sentam a po­lí­tica como um te­atro, em vez da dis­cussão e de­cisão entre di­fe­rentes op­ções, entre di­fe­rentes in­te­resses.




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