- Nº 2604 (2023/10/26)

Creche: direito da criança necessidade do País

Opinião

O PCP apresentou no início da sessão legislativa um projecto-lei que estabelece um novo paradigma no que respeita à creche, com quatro objectivos fundamentais: assegurar uma resposta educativa de qualidade; assumir a gratuitidade; garantir vagas a todas as crianças dos 0 aos 3 anos; contribuir para a inversão do défice demográfico. É a primeira vez que um partido entrega um projecto em que se assume a creche como integrante do sistema educativo e que coloca a criança no centro de todos os seus objectivos. É uma proposta que bebe no conhecimento científico das últimas décadas, que mostra que os primeiros anos de vida das crianças são determinantes para o seu desenvolvimento.

Assegurar a todas as crianças, independentemente do contexto socioeconómico em que nasçam, acesso a uma creche de grande qualidade é uma questão estratégica para o futuro do País. Tanto mais que os dados mostram que 67,4% das crianças até aos 3 anos que vivem em famílias mais pobres não vão à creche.

Foi em resultado da iniciativa do PCP que a gratuitidade das creches começou em 2020 a ser aplicada, abrangendo na altura cerca de 30 mil bebés. Foi uma medida que encontrou por parte dos Governos PS resistências e protelamentos, adiando a gratuitidade primeiro em função dos rendimentos da família e agora em função da idade do bebé. Abrange actualmente cerca de 85 mil crianças, nascidas depois de 1 de Setembro de 2021. A gratuitidade é um passo importante e decisivo para um caminho que tem de se fazer mais rapidamente e que há meia dúzia de anos parecia impossível.

A faixa etária dos 0 aos 3 anos é actualmente a única que não tem uma resposta pública: depende da Segurança Social e não existe rede pública. Mesmo somando todas as vagas existentes em IPSS e no sector privado (totalizando em 2020 cerca de 120 mil vagas) seria preciso duplicá-las para corresponder ao número de crianças dos 0 aos 3 anos (que são cerca de 250 mil). É essa falta de vagas que explica a dificuldade que dezenas de milhares de famílias estão a ter para encontrar creche para os seus filhos e que é, na prática, a negação do direito à creche e da sua gratuitidade para dezenas de milhar de crianças.

A criação de uma rede pública de creches é uma necessidade do País, evidente para todos, mas que o Governo tem recusado, argumentando que devem ser as IPSS a assumir o alargamento das vagas, limitando-se o Estado a mobilizar meios. As decisões tomadas nos últimos meses pelo Governo vão exactamente no sentido oposto ao que é necessário. Pressionado pelo facto de existirem mais bebés que vagas, o Governo decidiu alargar o número de crianças por sala mantendo o mesmo número de profissionais, aumentar o horário de funcionamento, incluindo durante a noite, e admitir que funcionem em contentores.

 

Estado tem de assumir
responsabilidades

Ora, do que o País precisa é que o Estado assuma as suas responsabilidades em todas as fases do crescimento de cada criança e jovem, de forma universal e gratuita. As creches devem contribuir para o bem-estar e o desenvolvimento integral da criança, respeitando a sua individualidade e necessidades específicas, promovendo as suas competências pessoais e sociais, acompanhadas por profissionais especificamente formados para esse efeito.

No Orçamento do Estado que por estes dias se debate, na Assembleia da República e no País, esta discussão também está presente. O PCP voltará a propor critérios, prazos e objectivos para a criação de uma rede pública de creches que garanta essa resposta com carácter universal, considerando o necessário faseamento. Propõe-se que a criação da rede pública assuma o objectivo de disponibilização de 100 mil vagas até 2026, e de 148 mil até 2030. Como votará cada um dos partidos? Que responsabilidades assumirão perante uma resposta possível e necessária às crianças, às famílias e ao País? O PCP não desistirá desta luta.


Margarida Botelho