III Encontro pela Paz em Vila Nova de Gaia Um mundo de paz e justiça constrói-se na acção diária

Cen­tenas de pes­soas, de todo o País, ru­maram a Vila Nova de Gaia no sá­bado, 28, para par­ti­cipar no III En­contro pela Paz, do qual saiu um forte com­pro­misso de alargar a acção pela paz, o de­sar­ma­mento e a so­li­da­ri­e­dade, por um mundo me­lhor e mais justo, onde os prin­cí­pios da Carta das Na­ções Unidas e da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa, que os acolhe e de­sen­volve, sejam – mais do que pro­cla­ma­ções – re­a­li­dades quo­ti­di­anas. Para todos!

O III En­contro pela Paz voltou a mos­trar a grande di­ver­si­dade de or­ga­ni­za­ções e mo­vi­mentos unidos em de­fesa da paz e do de­sar­ma­mento

«Se este en­contro era im­por­tante há meses, quando foi con­vo­cado, agora é ainda mais, dada a gra­vi­dade da si­tu­ação que se vive na Pa­les­tina», afirmou a pre­si­dente da di­recção do Con­selho Por­tu­guês para a Paz e Co­o­pe­ração (CPPC), Ilda Fi­guei­redo, na sessão de aber­tura. E du­rante todo o dia – em di­versas in­ter­ven­ções, na uti­li­zação por de­zenas de par­ti­ci­pantes do kef­fieh pa­les­ti­niano (lenço tra­di­ci­onal) e no acto sim­bó­lico re­a­li­zado no final, no ex­te­rior do pa­vi­lhão mu­ni­cipal Oli­veira do Douro – soou forte a so­li­da­ri­e­dade com o povo pa­les­ti­niano, como por estes dias tem acon­te­cido em vá­rios pontos do País e um pouco por todo o mundo (ver pá­ginas 15 e 25).

Mas não se ficou por aqui. Ao con­trário do que su­cede di­a­ri­a­mente na ge­ne­ra­li­dade dos ór­gãos de co­mu­ni­cação so­cial – que pri­maram pela au­sência –, no En­contro da Paz pro­curou-se con­tex­tu­a­lizar esta e ou­tras si­tu­a­ções que ame­açam a paz e os di­reitos dos povos, de modo a tri­lhar ca­mi­nhos para a sua re­so­lução. No Apelo lido no final, con­sen­su­a­li­zado pelas or­ga­ni­za­ções pro­mo­toras do en­contro, sa­li­enta-se que o es­pí­rito e os prin­cí­pios da Carta das Na­ções Unidas e do di­reito in­ter­na­ci­onal cons­ti­tuem a «base fun­da­mental para o fim do mi­li­ta­rismo, da es­ca­lada ar­ma­men­tista e da guerra, assim como para de­fender e pro­mover a paz e o de­sen­vol­vi­mento de re­la­ções mais equi­ta­tivas entre os povos de todo o mundo».

Em di­versas in­ter­ven­ções de­nun­ciou-se as cres­centes des­pesas mi­li­tares, a pro­li­fe­ração de bases, es­qua­dras na­vais e sis­temas de mís­seis, a per­sis­tência e de­sen­vol­vi­mento de armas nu­cle­ares e de des­truição ge­ne­ra­li­zada, os blo­queios e san­ções uni­la­te­rais e ex­tra­ter­ri­to­riais, a si­tu­ação dra­má­tica dos re­fu­gi­ados, a pro­pa­ganda de guerra. E su­bli­nhou-se como tudo isto se re­la­ciona com a vida quo­ti­diana dos povos, in­cluindo do por­tu­guês: os re­cursos des­vi­ados do que ver­da­dei­ra­mente im­porta; a per­sis­tência e agra­va­mento da ex­plo­ração e a re­ti­rada de di­reitos; as op­ções po­lí­ticas su­bor­di­nadas a in­te­resses ex­ternos; a edu­cação de vá­rias ge­ra­ções vol­tada para a com­pe­tição e o con­flito e não para a so­li­da­ri­e­dade e a co­o­pe­ração.

Alar­ga­mento e con­ver­gência

O que é a paz? Que con­tri­buto po­demos dar, em Por­tugal, para a sua cons­trução?

A estas per­guntas pro­cu­raram res­ponder muitos dos par­ti­ci­pantes no En­contro, que con­cor­daram ser a paz «muito mais do que a mera au­sência de guerra».

Pela tri­buna pas­saram tes­te­mu­nhos da re­a­li­zação de ma­ni­fes­ta­ções e con­cen­tra­ções, de­bates em es­colas, ex­po­si­ções te­má­ticas, edi­ções de li­vros e ou­tras pu­bli­ca­ções, mos­tras de artes plás­ticas e con­certos cen­trados na pro­moção da paz. Das au­tar­quias vi­eram exem­plos de pro­gramas e ini­ci­a­tivas de Edu­cação para a Paz. O Mo­vi­mento dos Mu­ni­cí­pios pela Paz e os Mayors for Peace, soube-se também, agregam cada vez mais mu­ni­cí­pios e au­tarcas de di­fe­rentes ten­dên­cias po­lí­ticas. E lem­brou-se Mar­ga­rida Ten­gar­rinha, fa­le­cida dois dias antes, que du­rante toda a sua longa vida foi uma em­pe­nhada ac­ti­vista do mo­vi­mento da paz.

No mo­mento em que se co­me­mora os 50 anos da Re­vo­lução de Abril, pre­sente no pró­prio lema do En­contro, a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa (e em es­pe­cial o seu ar­tigo 7.º) foi re­a­fir­mada como pla­ta­forma de con­ver­gência para a a de­fesa da paz nos termos em que ela o faz: opondo-se ao co­lo­ni­a­lismo e ao im­pe­ri­a­lismo, re­jei­tando a in­ge­rência nos as­suntos in­ternos dos Es­tados, de­fen­dendo a so­lução po­lí­tica dos con­flitos, pug­nando pelo de­sar­ma­mento geral, si­mul­tâneo e con­tro­lado e pela dis­so­lução dos blocos po­lí­tico-mi­li­tares.

Marca deste III En­contro pela Paz – como, aliás, dos dois an­te­ri­ores (Loures, 2018; Se­túbal, 2021) – foi também a di­ver­si­dade das pers­pec­tivas ex­postas, evi­dente desde logo nas or­ga­ni­za­ções que o pro­mo­veram, com pre­sença e in­ter­venção nas mesas de de­bate te­má­ticas: Paz e De­sar­ma­mento; Cul­tura e Edu­cação para a Paz; So­li­da­ri­e­dade e Co­o­pe­ração. Para além do CPPC, pro­mo­veram este en­contro a CGTP-IN, o MDM, o MPPM, a URAP, a Con­fe­de­ração Por­tu­guesa das Co­lec­ti­vi­dades de Cul­tura, Re­creio e Des­porto, a FEN­PROF, a Ju­ven­tude Ope­rária Ca­tó­lica, a Obra Ca­tó­lica Por­tu­guesa para as Mi­gra­ções, o Mo­vi­mento dos Mu­ni­cí­pios pela Paz (re­pre­sen­tado pela Câ­mara Mu­ni­cipal do Seixal), os Mayors for Peace (através do pre­si­dente da Câ­mara Mu­ni­cipal de Évora) e os mu­ni­cí­pios de Se­túbal e Vila Nova de Gaia.

Muitas ou­tras or­ga­ni­za­ções e mo­vi­mentos jun­taram-se pos­te­ri­or­mente à pro­moção e re­a­li­zação do En­contro.

Ou­vido por lá...

No ar­tigo 7.º da Cons­ti­tuição nas­cida desse acto de paz e so­be­rania que foi a Re­vo­lução de Abril fi­caram con­sa­grados prin­cí­pios como o ‘de­sar­ma­mento geral, si­mul­tâneo e con­tro­lado’ e a ‘dis­so­lução dos blocos po­lí­tico-mi­li­ta­res’, er­guendo em seu lugar um sis­tema de se­gu­rança co­le­tiva ‘com vista à cri­ação de uma ordem in­ter­na­ci­onal capaz de as­se­gurar a paz e a jus­tiça nas re­la­ções entre os po­vos’.

Cada euro in­ves­tido na guerra, cada tanque, cada bomba, cada arma, é menos um euro in­ves­tido na edu­cação, na saúde, na cul­tura, nas po­lí­ticas de ju­ven­tude, nos trans­portes.

A des­pesa mi­litar por­tu­guesa rondou os 3600 mi­lhões de euros, cerca de 1,35% do PIB (re­cor­demos a luta que se vem de­sen­vol­vendo em Por­tugal pelo 1% para a Cul­tura). Como cu­ri­o­si­dade, re­fira-se que a des­pesa mi­litar por­tu­guesa per ca­pita é cerca de 70% su­pe­rior à da China.

Mas em que mundo es­tamos? Es­tamos num mundo pro­fun­da­mente de­si­gual e de­su­mano. Se­gundo o re­la­tório do PNUD de Ou­tubro de 2023, mais de mil mi­lhões de pes­soas vivem na po­breza, com di­fi­cul­dades no acesso à saúde, edu­cação, água po­tável.

A des­pesa mi­litar dos Es­tados Unidos atingiu os 877 mil mi­lhões de dó­lares (…), o que re­pre­senta 39% do gasto mun­dial. A des­pesa mi­litar dos Es­tados Unidos é mais de três vezes su­pe­rior à da China, o se­gundo país que mais gasta (cerca de 292 mil mi­lhões de dó­lares). A Rússia gasta cerca de um dé­cimo dos Es­tados Unidos (86 400 mi­lões de dó­lares). O gasto mi­litar dos países da NATO as­cendeu a 1 232 bi­liões de dó­lares, quase 1% su­pe­rior, em termos reais, ao de 2021, e mais de me­tade do gasto mun­dial. A des­pesa mi­litar de vá­rios países da NATO ul­tra­passa já os 2% do res­pec­tivo PIB.

A de­fesa da paz é cri­mi­na­li­zada e apre­sen­tada como ser­vindo a um lado. O apelo à re­so­lução di­plo­má­tica é ri­di­cu­la­ri­zado. Toda e qual­quer con­tex­tu­a­li­zação dos con­flitos é evi­tada. A guerra la­tente desde 2014 na Ucrânia, afinal, só co­meçou em Fe­ve­reiro de 2022. A rei­te­rada bar­bárie do Es­tado de Is­rael ao povo pa­les­ti­niano é apa­gada e um con­flito com dé­cadas é ana­li­sado à luz dos acon­te­ci­mentos das úl­timas se­manas. Qual­quer ten­ta­tiva de fazer a con­tex­tu­a­li­zação his­tó­rica – fun­da­mental para se des­bra­varem os ca­mi­nhos da paz – não é, pura e sim­ples­mente, per­mi­tida.

Hoje é a nossa vez, este é o nosso tempo, esta é a nossa res­pon­sa­bi­li­dade. É pre­ciso travar o ge­no­cídio [na Pa­les­tina], o ca­minho para o abismo, a his­teria e a ir­ra­ci­o­na­li­dade, a mais mons­truosa cam­panha de de­su­ma­ni­zação que co­nhe­cemos, tão cruel, tão brutal que a sim­ples exi­gência de um cessar-fogo se trans­formou numa re­cla­mação ra­dical, tão ra­dical que in­ven­tamos eu­fe­mismos – como ‘pausa hu­ma­ni­tá­ria’ – para não dizer sim­ples e cla­ra­mente, que pare a guerra, que pare o mas­sacre. Só isso, nada mais, nada menos.

As so­lu­ções po­lí­ticas, e não mi­li­tares, que todos de­fen­demos, para serem viá­veis, pre­cisam que os pro­cessos po­lí­ticos, as ne­go­ci­a­ções e os acordos que se as­sinem sejam en­ca­rados com se­ri­e­dade e com ver­dade. (…) Há mais de 40 anos, os di­ri­gentes pa­les­tinos acei­taram en­cetar um pro­cesso po­lí­tico no quadro da ONU. (…) Is­rael nunca cum­priu aquilo a que es­tava obri­gado pelos acordos.

 

- ex­certos de al­gumas das in­ter­ven­ções pro­fe­ridas no III En­contro pela Paz