Quem semeia guerras colhe tiroteios

António Santos

Se a pró­pria de­fi­nição de «ti­ro­teio em massa» evoca ce­ná­rios de guerra: no mí­nimo quatro pes­soas ba­le­adas, sem contar com o ati­rador, seria exa­ge­rado dizer que os EUA são um país em guerra? Nos pri­meiros 10 meses de 2023 houve 583 ti­ro­teios em massa, ou seja, pra­ti­ca­mente dois por dia, isto nos dias bons, claro, porque ou­tros dias há como na se­mana pas­sada, em que 18 pes­soas foram as­sas­si­nadas num salão de bo­wling no Maine e fins de se­mana como este pas­sado, em que 11 pes­soas per­deram a vida, pela mesma razão, em festas de ani­ver­sário, su­per­mer­cados, dis­co­tecas ou sa­lões de be­leza. As es­ta­tís­ticas dizem que, em 2023, 35 mil pes­soas já «mor­reram em in­ci­dentes re­la­ci­o­nados com armas de fogo», mas quando 100 pes­soas são aba­tidas a tiro todos os dias, não será «in­ci­dente» eu­fe­mismo para guerra?

Au­men­tando pau­la­ti­na­mente de ano para ano, o nú­mero de ti­ro­teios em massa nos EUA tri­plicou na úl­tima dé­cada e, se o ritmo té­trico se man­tiver, 2023 ba­terá o re­corde his­tó­rico, com mais de 700. Este au­mento pa­rece de­sa­fiar a ló­gica de mais de cem pa­cotes le­gis­la­tivos apro­vados em de­zenas de Es­tados e a nível fe­deral para li­mitar, em­bora ti­mi­da­mente, a posse de armas de fogo e, so­bre­tudo, o acesso a me­tra­lha­doras de as­salto. Ob­vi­a­mente, o acesso a armas de fogo não pode ser a única ex­pli­cação para tantos ti­ro­teios em massa, ou então eles também acon­te­ce­riam nou­tros países, como a Suíça, em que os tra­ba­lha­dores também têm acesso a armas de guerra.

Os ti­ro­teios de massas diá­rios são a ex­pressão mais vi­sível da de­sa­gre­gação de uma so­ci­e­dade vi­o­lenta. É o som da cola a sair. A vi­o­lência, ins­crita no có­digo ge­né­tico de uma nação fun­dada sob o ge­no­cídio de mi­lhões de na­tivos, foi sempre jus­ti­fi­cada, cul­ti­vada e ce­le­brada como ga­rante do poder e da he­ge­monia mun­dial. Essa cul­tura paira como nu­vens de chumbo sobre pro­blemas ex­plo­sivos: a maior pan­demia de droga de todos os tempos, o in­sa­ciável monstro do ra­cismo, de­si­gual­dades so­ciais que ar­ra­nham os céus e um sis­tema car­ce­rário que en­gole um por cento da po­pu­lação.

Não são só as armas: são as armas num país em que o único di­reito sa­grado é a pro­pri­e­dade; todos os ou­tros, da edu­cação à saúde, pas­sando pela ha­bi­tação, deram lugar à total mer­can­ti­li­zação de todos os as­pectos da vida hu­mana. São as armas num país que re­serva 15 por cento do or­ça­mento fe­deral à compra de armas, con­subs­tan­ci­ando o maior gasto de de­fesa do mundo, su­pe­rior aos nove mai­ores países se­guintes so­mados. São as armas, no único país que usou armas nu­cle­ares contra po­pu­la­ções civis e que, na sexta-feira, anun­ciou a cons­trução de uma nova bomba 24 vezes mais po­tente que aquela que ar­rasou Hi­ro­xima. São as armas, num país que, desde a II Guerra Mun­dial, levou os ti­ro­teios a uma trin­tena de na­ções. Não é pos­sível não se ser aquilo que se ex­porta. E quem se­meia guerras colhe ti­ro­teios.




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