Raízes

Anabela Fino

O re­pre­sen­tante do Fundo das Na­ções Unidas para a Po­pu­lação na Pa­les­tina, Do­minic Allen, in­for­mava em me­ados de Ou­tubro que há 50 mil mu­lheres grá­vidas na Faixa de Gaza, 5500 das quais prestes a dar à luz, sem acesso a ser­viços bá­sicos de saúde. Esta é a quarta ge­ração de pa­les­ti­ni­anos a nascer em con­di­ções de ocu­pação, fla­ge­lados por ata­ques in­dis­cri­mi­nados de Is­rael. Não será pois de ad­mirar que os que so­bre­vi­verem, seja qual for o seu tempo de vida, car­re­guem con­sigo, qual he­rança con­gé­nita, a me­mória do medo, da raiva, da dor, do de­ses­pero, da an­gústia, da re­volta, a par da von­tade in­do­mável de re­sistir. Sempre.

Tem sido assim há 75 anos, bem mais dos que Gu­terres se atreveu a lem­brar no Con­selho de Se­gu­rança da ONU quando co­meteu o sa­cri­légio de apelar a um cessar-fogo em Gaza, sus­ci­tando a vi­o­lenta e ar­ro­gante re­acção de Is­rael, que passou a exigir a sua de­missão e ameaça fe­char as portas aos re­pre­sen­tantes da ONU. Nada de sur­pre­en­dente, deve dizer-se, tendo em conta que Is­rael é re­cor­dista na vi­o­lação de re­so­lu­ções da ONU, tem 32 por acatar, e sempre im­pu­ne­mente. O há­bito não faz o monje, mas con­ve­nhamos que ajuda muito.

Também sem sur­presa, na Casa Branca, o pre­si­dente do país er­guido sobre o ge­no­cídio de outro povo, os in­dí­genas norte-ame­ri­canos, apoia in­con­di­ci­o­nal­mente o uso des­pro­por­ci­o­nado da força como forma de vin­gança e dis­su­asão, a cha­mada dou­trina Dahiya, nada tem a ob­jectar ao alas­tra­mento da guerra à Cis­jor­dânia, onde já foram mortos mais de três cen­tenas de pa­les­ti­ni­anos, e ao Sul do Lí­bano, e apro­veita a oca­sião para atacar forças ale­ga­da­mente pró-ira­ni­anas na Síria, in­vo­cando o di­reito à «auto-de­fesa». Não cons­tando que os EUA te­nham qual­quer man­dato para estar na Síria, que di­reito à «auto-de­fesa» será este? O di­reito a atacar, ocupar e ex­plorar, no caso pe­tróleo, está con­sa­grado no tal di­reito in­ter­na­ci­onal que bem es­pri­mido dá para tudo? Ou é só mais um prego no caixão da ONU?

En­quanto isso, na União Eu­ro­peia, os 27 de­gla­diam-se em ba­ta­lhas de se­mân­tica para ali­nhavar uma po­sição que não ir­rite Is­rael. No vasto lé­xico dis­po­nível não en­con­tram ex­pressão mais forte do que «pre­o­cu­pante» para re­ferir a si­tu­ação de ge­no­cídio em Gaza, como se mais de oito mil pa­les­ti­ni­anos mortos em menos de um mês, na sua mai­oria mu­lheres e cri­anças, fosse um «preço» acei­tável; pedem «pausas» em vez de cessar-fogo; varrem para de­baixo do ta­pete o Es­tado da Pa­les­tina; e proíbem sem pudor as ma­ni­fes­ta­ções de so­li­da­ri­e­dade com o povo pa­les­ti­niano.

Em vão. Como no pro­fé­tico poema de Mahmud Darwish, «...Todos os que mor­reram / E os que vão morrer no ama­nhecer / Me abra­çaram / E me trans­for­maram / Em vulcão... Na corda dos mi­la­gres / Eu sou o as­sas­si­nado, e o res­su­ci­tado na noite do crime / As mi­nhas raízes / Afundam-se na terra.»




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