Resgatar a soberania e afirmar a independência para o País avançar

Gustavo Carneiro

Amanhã, 1 de Dezembro, comemora-se a restauração da independência nacional, com o fim do domínio espanhol sobre Portugal, que vigorou entre 1580 e 1640. Boa ocasião para reflectir sobre a importância decisiva da soberania e da independência para o êxito de qualquer processo de desenvolvimento, progresso e justiça social.

A soberania e a independência de um país vão muito para além da sua expressão formal

A Democracia Avançada que o PCP aponta, no seu Programa, como projecto e perspectiva para o País, tem cinco componentes ou objectivos fundamentais: para lá das quatro vertentes da democracia – política, económica, social e cultural – prevê «uma pátria independente e soberana com uma política de paz, amizade e cooperação com todos os povos».

Também a política alternativa por que se bate no imediato tem duas dimensões inseparáveis: é de esquerda, mas é também patriótica, remetendo esta última para a libertação de amarras que limitam o desenvolvimento do País.

Mas será esta realmente uma questão? – perguntarão alguns. Não é Portugal um país independente, inclusivamente um dos que, no mundo, tem fronteiras consolidadas há mais tempo? Afinal não se assinala amanhã o 383.º aniversário da Restauração da Independência?

A realidade não é assim tão simples. A soberania e a independência de um país vão muito para além da sua expressão formal.

Visão lata e abrangente
São muitas e diversificadas as cadeias que subjugam a generalidade dos Estados aos interesses e imposições das potências imperialistas e dos monopólios que estas representam: do domínio colonial às relações neocoloniais, passando por diversas formas de submissão económica e por «tratados», «acordos» e «alianças» que mais não fazem do que limitar a capacidade de decisão soberana acerca das suas relações económicas e comerciais e do seu posicionamento internacional. Em prejuízo do seu próprio desenvolvimento, do bem-estar dos seus povos e da paz mundial.

O PCP tem da soberania e da independência esta visão lata. No seu Programa Uma Democracia Avançada – Os valores de Abril no futuro de Portugal, inscreve como seus elementos fundamentais a independência económica, a definição nacional da política de defesa e das medidas de política e segurança interna, a autonomia de decisão e relacionamento diplomático sem subordinação a ditames ou imposições externas, a salvaguarda e desenvolvimento da cultura portuguesa e o desenvolvimento nacional da ciência e tecnologia.

E garante que só independente e soberano poderá Portugal contribuir para uma ordem internacional mais justa e para a salvaguarda da paz.

Romper amarras
Não é de hoje a realidade de Portugal como país dependente (ver caixa), mas a situação agrava-se a cada dia que passa. A subordinação à NATO e aos seus objectivos belicistas, a submissão às imposições da União Europeia e do euro e o domínio de sectores básicos da economia pelo capital estrangeiro constituem graves limitações à soberania do País – refreando o seu crescimento económico, limitando o seu desenvolvimento, retirando-lhe margem de afirmação internacional.

A defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo é, assim, inseparável da luta pela recuperação da soberania nacional e a afirmação da independência do País: quebrando amarras, rompendo constrangimentos, afirmando o direito do povo português a decidir – sem ingerências de qualquer tipo – o seu próprio destino.

 

Nada pode obrigar Portugal a renunciar ao direito de optar pelas suas próprias estruturas socioeconómicas e pelo seu próprio regime político. Nada pode obrigar Portugal a aceitar a posição de Estado subalterno no quadro da UE e a alienar a sua independência e soberania nacionais. O povo português tem, e deverá sempre ter, o pleno direito de decidir do seu próprio destino e de escolher os caminhos que entender mais conformes com a sua identidade histórica e com os seus interesses e aspirações.”

O PCP opõe-se ao processo de integração capitalista europeu, luta para romper com tal processo e libertar o País das amarras de dependência e de subordinação, afirmando o direito soberano inalienável de Portugal e os portugueses definirem o seu próprio caminho de desenvolvimento.”

O PCP lutará por uma Europa de efectiva cooperação entre nações livres e Estados soberanos e iguais em direitos e é favorável à construção de uma Europa inteira de paz, de cooperação entre os trabalhadores, os povos e as nações, à construção de um continente que seja um factor de desenvolvimento e um factor de segurança e de progresso social em todo o mundo, ao contrário de uma UE, moldada pelos interesses dos grandes monopólios, que se afirma como um bloco político-militar.

A participação de Portugal na NATO bem como os acordos com os EUA, relativos às suas instalações militares em Portugal, têm conduzido ao agravamento dos laços de dependência e constituem graves condicionalismos à independência e soberania nacionais.

Portugal está vitalmente interessado no processo de desarmamento e no reforço dos mecanismos internacionais de segurança colectiva.

A dissolução da NATO é objectivo crucial para a afirmação da soberania nacional e para a paz mundial, com o qual o processo de desvinculação do País das suas estruturas deve estar articulado, no quadro do inalienável direito de Portugal decidir da sua saída.

in Programa do PCP Uma Democracia Avançada – Os Valores de Abril no Futuro de Portugal

 

O caso português: a história

A 1 de Dezembro de 1640 foi derrubada a dinastia espanhola que governou Portugal durante seis décadas. Morto o representante dos interesses externos, Miguel de Vasconcelos (atirado pela janela para o pátio onde se concentrava uma multidão), o Duque de Bragança foi coroado D. João IV, O Restaurador. A IV dinastia só terminaria em 1910, com a implantação da República.

Este foi um momento alto da afirmação de Portugal como país independente, mas não foi o único. Outros houve em que o seu destino esteve em jogo: das guerras com Castela em plena revolução de 1383-85 às invasões francesas de 1807-13.

Mas seria errado limitar a questão da independência nacional aos períodos em que esteve directamente dominado por potências estrangeiras: o Ultimato Inglês e o papel de carne para canhão assumido pelo Corpo Expedicionário Português na Primeira Guerra Mundial demonstram bem o grau de dependência do País.

Nos primeiros anos do século XX Lénine observava que «Portugal oferece-nos o exemplo de uma forma um pouco diferente de dependência financeira e diplomática com independência política. Portugal é um Estado soberano e independente, mas, de facto, há já mais de duzentos anos (…) encontra-se sob protectorado britânico» (O imperialismo, fase superior do capitalismo, Edições Avante!).

Com a ditadura fascista, esta realidade não se alterou (à excepção da potência à qual o País se encontrava subjugado: Inglaterra, primeiro, EUA após a Segunda Guerra Mundial). A defesa do poder dos monopólios e dos latifundiários e o combate à crescente resistência do povo português e dos povos africanos levaram a ditadura fascista a aprofundar ainda mais os laços de dependência externa, nomeadamente através da entrega ao capital estrangeiro de crescentes parcelas da economia nacional e da adesão de Portugal à NATO.

Para lá da retórica nacionalista da ditadura, Portugal era de facto subsidiário do imperialismo.

Revolução e contra-revolução
Aprovado no VI Congresso, em 1965, o Programa do PCP para a Revolução Democrática e Nacional (lá está, mais uma vez, a dimensão nacional da luta dos comunistas) relacionava a construção do Portugal democrático com o fim do domínio dos monopólios e do imperialismo sobre o País.

A Revolução de Abril foi uma extraordinária expressão de soberania: pôs fim à guerra colonial, reconheceu a independência das colónias portuguesas, acabou com o isolamento internacional do País e a sua inteira submissão à política do imperialismo, diversificou as relações internacionais e abriu caminho a uma política externa de paz e cooperação e de amizade com todos os povos do mundo.

Ao liquidar o capitalismo monopolista de Estado, os grupos monopolistas portugueses e o seu domínio sobre a vida nacional, abriu também caminho à melhoria das condições de vida do povo e à garantia de direitos e liberdades.

Não conseguiu, porém, romper com o imperialismo – que acabaria por servir de base de apoio à contra-revolução. Hoje, quase meio século passado, Portugal está novamente enfeudado a interesses externos (por via das privatizações, da União Europeia, do euro, da NATO) e o seu povo empobrecido.

A luta pela soberania e a independência continua, pois, na ordem do dia.

 

É soberano um País…

que só produz trigo para 11 dias de consumo interno, importando todo o restante?

cujos sectores estratégicos estão nas mãos de grupos económicos estrangeiros, que esbulham, enfraquecem e encerram importantes empresas a seu bel-prazer?

que vê sair, por ano, para o estrangeiro, dezenas de milhares de milhões de euros de riqueza cá criada, sob a forma de lucros, juros e dividendos?

que requer de autorização externa para apoiar as suas empresas estratégicas, como é o caso da TAP?

que promove o desaparecimento de explorações agrícolas e a drástica redução da frota pesqueira por imposição exterior?

que se vê envolvido na agressão a outros povos, por obediência ao imperialismo norte-americano, transformada em «respeito pelos compromissos internacionais»?

que não tem uma voz autónoma na afirmação dos princípios inscritos na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente a defesa da paz, do desarmamento e da dissolução dos blocos político-militares?