Cabotagem

Luís Carapinha

«Não é possível cancelar a realidade de profunda crise estrutural da economia capitalista»

No actual mar revolto e de águas turvas poucos arriscam grandes prognósticos e a navegação em águas profundas. Não o fazem, em especial, os que se continuam a ver como donos do mundo e veladores da ordem internacional, mesmo sabendo que a quebra da hegemonia é um processo irreversível. O preceito aplica-se, antes de mais, à esfera económica. É aqui que residem os maiores riscos para o quadro internacional (e o «regime democrático»). Na Europa alastra o espectro da recessão (Alemanha, Zona Euro, Reino Unido, etc.). Querem-nos fazer crer que, nos EUA, a situação é incomparavelmente melhor, mas os esforços da Reserva Federal não aspiram a mais do que a uma «aterragem suave» para 2024. Nada o garante, apesar da inflação ter recuado de níveis máximos das últimas décadas. Na crise de 2008-9, todas as previsões e explicações da economia clássica falharam. Continuamos a caminhar sobre um gelo fino. Não é possível cancelar a realidade de profunda crise estrutural da economia capitalista, cujo perigo central permanece alojado no monstro financeiro de Wall Street. E as acções do imperialismo para ultrapassar os dilemas enfrentados no plano imediato apenas pioram a situação a prazo.

Na frente da guerra na Europa, no mar de incertezas da situação eleitoral dos EUA, confirma-se o fracasso da badalada contra-ofensiva ucraniana. Com Kiev completamente desprovida de soberania, a saída da guerra afigura-se um caminho minado e tortuoso. Nesta tragédia, os mentores da destruição da Ucrânia continuam a desdobrar-se em apelos para prolongar a agonia. Tudo contra a Rússia permanece a máxima dos Torquemadas do pensamento único. Exige-se agora a mobilização compulsiva de mais umas centenas de milhares de ucranianos. Na Alemanha, Reino Unido e Polónia traçam-se cenários de uma guerra (da NATO?) com a Rússia para os próximos anos e Borrell - e uma corte de colunistas alucinados - multiplicam-se em advertências de que uma vitória da Rússia seria quase pior que o fim do mundo. Na TV, um general-comentador que há uns meses dava Tokmak na iminência de «cair», exulta com a instalação de uma brigada do exército alemão na Lituânia, «a maior deslocação de tropas da Alemanha para fora do seu território desde a II Guerra Mundial»! Biden, acossado pelas batalhas internas, pressiona a UE a confiscar as reservas congeladas do Banco Central da Rússia. São 260 mil milhões de euros de activos russos bloqueados fora do país, 210 mil milhões dos quais na UE.

No Médio Oriente, não cessa o inferno de Gaza. A actual matança conduzida pelo regime sionista de Israel com a vital cumplicidade dos EUA, no pano de fundo da longa ocupação da Palestina, é a mais grave operação de terrorismo de Estado das últimas décadas. Perante o objectivo de uma nova Nakba, é anti-higiénico assistir ao comentário político dominante nos media de branqueamento dos crimes de genocídio de Israel.

No desconcerto mundial, passou quase despercebido o 200.º aniversário, este mês, da Doutrina Monroe dos EUA para a América Latina. A reacção estadunidense anseia prolongar os sinais de vida da famigerada doutrina, associando-a, aos desafios estratégicos colocados pela China. A ordem que a produziu está viva, mas a velha doutrina assemelha-se hoje mais a um cadáver insepulto. Talvez a UE possa dar uma mãozinha e aspirar ao novo pátio além-mar...

 



Mais artigos de: Opinião

Boas entradas

Há um ano, nestas mesmas páginas partilhámos os cansaços desta altura do ano, e os cansaços das injustiças que vemos e vivemos. Falámos da coragem para lutar pela vida a que temos direito, do desafio de fazermos dos nossos sonhos força para agir. Passado um ano, somámos forças e cansaços,...

O truque, o jantar e os votos

Parece que voltámos a 2022. À excepção do Secretário-Geral – antes António Costa, agora Pedro Nuno Santos –, parece que para o PS nada mudou. Pelo menos ao nível da argumentação, que continua a mesma que na altura tanto contribuiu para que lograsse atingir a desejada maioria absoluta: assegura que é a única garantia de...

Há um voto que faz a diferença

Indiferente à escalada nos preços da habitação, o Governo PS deu o seu aval ao maior aumento das rendas dos últimos 30 anos. No arranque de 2024, os preços subirão 7%, numa decisão que foi, como várias vezes fomos denunciando, acompanhada por PSD, Chega e IL, que votaram contra a proposta do PCP que limitava esses...

Quanto melhor, pior

«Juntos temos conseguido mais e melhor emprego; diminuímos a pobreza e reduzimos as desigualdades; recuperámos a tranquilidade no dia-a-dia das famílias; (...) juntos ultrapassámos dificuldades e juntos construímos um país melhor», palavras de António Costa na mensagem de Natal, que desta vez foi também a de despedida....

Um biombo chamado «os políticos»

São incontáveis as vezes que a comunicação social, e não só, utilizam a expressão «os políticos» para tentar esconder a realidade de estarem a falar de alguns políticos, normalmente dos políticos que apoiam, e por isso não os quererem destacar negativamente. Recentemente, sobre a apresentação de um meritório estudo...