Faz falta em Portugal a escola pública projectada por Abril!

Pedro Fernandes

Em 1976, a Constituição da República Portuguesa garantiu a todos – no seu artigo 74.º – o direito a uma escola pública, democrática, gratuita e de qualidade. Volvidos quase 50 anos, esse direito está hoje mais distante, fruto de políticas marcadas pela elitização e desresponsabilização do Estado.

Partindo das suas experiências pessoais, três jovens traçaram ao Avante! o cenário em que se encontra, nos dias de hoje, o ensino público básico e secundário.

A educação está longe de ser democrática e as oportunidades iguais para todos

O panorama pintado pelos três jovens com quem o Avante! conversou – Inês, Guilherme e Pedro – não é o mais positivo. Realça-se, em primeiro lugar, as inúmeras dificuldades materiais que se colocam entre os estudantes e as suas justas ambições a garantir um futuro melhor – e que não afectam todos da mesma forma.

De Norte a Sul, os problemas são idênticos. Chove em salas de aula, o frio rouba a atenção de muitos no Inverno e o calor faz o mesmo durante o Verão. Quando não é o frio, que obriga a que os alunos levem mantas para a escola, é o espaço que não chega para todos. E quando não é a falta de lugares na sala de aula, que obriga a que alguns se tenham de sentar no chão ou a assistir a aulas de pé, é a falta de um pavilhão que não permite a realização de aulas de Educação Física nas condições em que estas se deveriam realizar.

E não é tudo: quando o problema não é a falta de pavilhão ou as suas condições, é a falta de professores que não garante que muitos aprendam Matemática ou Português desde o início do período ou do semestre. Mas mesmo quando não é a falta de professores a fazer com que um estudante realize um exame nacional em condições desfavoráveis, são as condições financeiras das famílias a impedi-lo de ter um livro de exercícios ou de frequentar explicações de uma ou outra matéria.

Superadas todas estas dificuldades para aceder ao Ensino Superior, o que não é para todos, é outro motivo qualquer a colocar-se como obstáculo: a propina, as dificuldades com o alojamento e tantas outras barreiras económicas. E a igualdade, onde fica?

A vida de um estudante numa escola pública portuguesa está, pois, muito longe de ser fácil. Como Inês, Guilherme e Pedro deixaram claro, não é o grau de dificuldade desta ou daquela disciplina que atormenta a generalidade dos estudantes. É, sim, o que se coloca pelo meio – entre o estudante e a possibilidade de assistir a uma aula ou realizar um exame, livre de outras preocupações e dificuldades.


Lusa

Os jovens não querem saber?

Os problemas são muitos, mas quando os estudantes tomam consciência deles e das injustiças com que se confrontam todos os dias nas suas escolas, as dificuldades adensam-se com a Reunião Geral de Alunos (RGA) que se quer organizar ou a lista que se pretende constituir para concorrer à Associação de Estudantes (AE) a não serem vistas com bons olhos em todas as escolas.

Determinados a tomarem nas suas mãos os destinos das suas vidas, Guilherme e Pedro sentiram isso directamente. O primeiro, de Almada, falou-nos sobre a RGA que tentou organizar. Partiu com a convicção de que não haveria outros que, como ele, tivessem consciência dos problemas da sua escola, a Secundária Anselmo Andrade. Mas rapidamente percebeu o contrário: com um refeitório com comida sem qualidade e um bar com preços governados por uma inflação desgovernada, a RGA revelou energias que julgava inexistentes.

A reunião não se realizou sem a sua quota parte de dificuldades. Desde logo a resistência da direcção da escola, que «ofereceu» o pior dos horários para a RGA; e depois a falta de um espaço com capacidade suficiente para albergar todos os estudantes interessados. Mesmo assim, 120 alunos participaram na RGA, exigindo a afixação dos preços do bar e definindo o calendário das eleições para a AE. Foi assim que Guilherme descobriu que a sua escola era um «gigante adormecido».

Já Pedro, de Loures, conta uma história ligeiramente diferente. Foram as inúmeras dificuldades materiais que o obrigaram, a si e aos seus colegas, a organizar uma RGA. A proposta foi, inicialmente, recebida com muito entusiasmo por parte da direcção da escola, até porque era a primeira vez, neste século, que os alunos se organizavam para discutir os problemas da sua escola.

Mas a situação alterou-se rapidamente. Ao decidirem «pisar o risco», serem eles a determinar, de acordo com a lei, os andamentos do acto eleitoral, Pedro e os seus colegas foram alvo de ameaças e viram seus encarregados de educação chamados à direcção, num processo em que até o Conselho Nacional da Juventude, numa visita à escola, deu razão aos estudantes.

A luta continua a ser a resposta

Inês Reis, da Comissão Política da Direcção Nacional da JCP, explica estas situações: «é por encontrarem estes entraves que os jovens não gostam muitas vezes da escola. Não vêem a escola como algo que os forma no todo, mas mais como algo mecânico que têm de fazer todos os dias: ir às aulas, decorar para ter boas notas nos testes, para passar às disciplinas, para ter uma boa média. Isto, todos os dias, ano após ano. É a mecanização da Escola Pública».

No entanto, enfrentando todas estas dificuldades e entraves, Inês também admite que, hoje, não há um estudante que, face a uma distribuição da JCP, não sinta vontade de participar ou de lutar: «os estudantes querem fazer alguma coisa, querem mudar. Ainda há dias, por todo o País, os estudantes lutaram e saíram à rua todos os dias durante uma semana inteira».

«Acho que os estudantes querem cada vez mais uma escola de Abril. Querem uma escola onde possam intervir e realmente ser felizes. Onde não haja entraves para que se consiga estudar. Onde se fale de desporto, cultura, artes ou educação sexual. É isso que os estudantes querem e, por muito que o tentem branquear e por muito que o queiram esconder, vai sempre haver estudantes que sabem o que é esta escola de Abril e que a querem preservar», afirmou ainda.

 

Testemunhos

«Muitas vezes acusam os jovens de não quererem saber da actualidade, de não quererem participar. Agora, se calhar, vamos ouvir muito sobre isso nas próximas eleições, sobre a abstenção jovem. Mas a verdade é que logo desde a escola não deixam os estudantes sequer ter uma voz. Não os deixam falar, nem participar na vida das suas escolas. O que se ensina é que a participação democrática é apenas ir votar de quatro em quatro anos».

- Inês Reis, membro da Comissão Política da Direcção Nacional da JCP e responsável pelo Ensino Secundário

 

«Quando nos dizem na escola que as coisas estão como estão porque não há dinheiro e tem de ser assim, não é muito diferente do que vamos ouvir no trabalho quando pedirmos aumentos salariais ou outras exigências. Os estudantes têm de aprender já que no futuro vão ser trabalhadores e que é a sua palavra, a sua acção, que pode mudar o mundo».

«Muitas vezes, quando eu e os meus colegas intervimos para falar da participação democrática nas escolas, gostamos de dar o exemplo da escola que existia antes, na sequência das conquistas da revolução. É isso que tentamos fazer: consciencializar e lembrar os estudantes de que as coisas nem sempre foram assim, que já foram bem melhores e que podem voltar a ser».

- Guilherme Ferreira, estudante na ES Anselmo Andrade, Almada

 

«Na minha escola o grande problema são mesmo as condições materiais. A escola é velha. O edifício não era originalmente uma escola. Portanto, nem a planta do edifício é adequada. Temos um espaço muito reduzido para os 1046 estudantes. O recreio é muito pequeno e não temos pavilhões. Temos de usar os da Câmara Municipal. Quando estão ocupados não temos Educação Física.

Algumas salas estão cheias de toalhas nas janelas para não entrar água quando chove, noutras pinga do tecto e temos baldes no chão. Não temos espaço na cantina, porque a cantina é também o bar, que é também a sala de convívio».

- Pedro Fidalgo, estudante na ES José Afonso, Loures

 

Estatuto do Aluno é ataque à participação democrática

Em 2012, deu-se uma forte machadada na participação democrática dos estudantes na vida das suas escolas. Era posto em prática o Estatuto do Aluno, instrumento que visou introduzir medidas punitivas ao invés de reforçar métodos de integração dos estudantes. A aplicação do estatuto representou um grande ataque à escola desenhada por Abril.

Ao seu abrigo passaram a existir impedimentos na realização de concentrações, para a distribuição de propaganda política dentro do espaço da escola, ou para a realização de RGA sem a autorização do director, figura que passou a concentrar poder de controlo sobre os estudantes nos mais diversos parâmetros.

Espremendo o sumo do Estatuto do Aluno, sobra a cultura do medo, a repressão e a ofensiva ideológica, dentro e fora das escolas, que visam paralisar a acção dos estudantes. Somam-se grandes entraves à sua organização, desde o impedimento de acções de luta até ingerências em processos eleitorais. Tudo enquadrado pelo Estatuto do Aluno que, ao invés de servir e defender o estudante e as suas liberdades democráticas, funciona como um código penal profundamente antidemocrático.

A JCP não se cansa de denunciar as consequências deste instrumento antidemocrático e apresentou mesmo, no Conselho Consultivo de Juventude e na Assembleia da República, um dossier com vários exemplos a que o Governo fez orelhas moucas.

 

 

«A educação é um direito fundamental e uma condição determinante para a emancipação individual e colectiva da juventude, da população em geral e dos trabalhadores em particular. É condição para o desenvolvimento económico e social do País. A sua concretização, naqueles sentidos, é inseparável da existência de uma Escola Pública, de qualidade, para todos, inclusiva e gratuita».

- Resolução aprovada no Encontro Nacional do PCP sobre a Educação em Portugal, 17 de Março de 2018

 



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O encontro, esse, fica marcado para qualquer lado em que Abril se defenda e se lute pelos seus valores.