São cada vez mais os que se erguem pela paz e a libertação da Palestina

Foi imensa a manifestação que, no domingo, percorreu as ruas de Lisboa pela paz no Médio Oriente e uma Palestina independente: denunciou-se os crimes cometidos por Israel na Faixa de Gaza (mas também na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental) e a cumplicidade dos EUA, exigiu-se o fim do massacre e da ocupação, reafirmou-se o apoio ao heróico e martirizado povo palestiniano na luta que trava há décadas pelos seus legítimos direitos nacionais.

Mas a manifestação não foi apenas grande, mas também emocionante e intensa. Ou não fosse a solidariedade a ternura dos povos.

A cumplicidade dos EUA com os crimes de Israel ficou bem vincada na manifestação


Início: os cúmplices

«EUA cúmplice dos crimes de Israel», lia-se num pano colocado no viaduto em frente à embaixada daquele país, junto à qual simbolicamente se iniciou a manifestação. Apesar da constante ameaça de chuva (que acabou por quase não cair), eram muitos os que ali se organizavam para iniciar a marcha, enquanto da instalação sonora se denunciava a cumplicidade e apoio norte-americanos aos crimes de Israel. Tanto aos que por estes dias são cometidos como aos que foram perpetrados ao longo de décadas.

Este apoio dos EUA vai do financiamento e armamento da agressão contra a população da Faixa de Gaza ao bloqueio de toda e qualquer proposta de cessar-fogo no Conselho de Segurança das Nações Unidas, através do poder de veto, lembrou-se. «Estados Unidos a armar, Israel a bombardear» foi uma das palavras de ordem, escutada ali como ao longo de todo o percurso, responsabilizando ambos pela destruição de casas, prédios, hospitais, escolas, ambulâncias, colunas e centros de refugiados, mesquitas e igrejas, e pela morte de 23 mil pessoas, 9 mil das quais crianças – e tudo isto em apenas 100 dias.

Partilhando responsabilidades nos crimes, EUA e Israel acabam por partilhar também o objectivo que preside à actual ofensiva: completar a expulsão dos palestinianos da totalidade do território histórico da Palestina.

O percurso: os motivos

Da embaixada dos EUA, em Sete Rios, os manifestantes rumaram à embaixada de Israel, na zona do Saldanha. Na coluna compacta e extensa eram muitos os cartazes e as faixas onde se expressava o repúdio pelo massacre e reafirmava a solidariedade com o povo palestiniano. Uns trazidos pelas organizações e movimentos presentes (entre os quais se contavam as quatro promotoras: CPPC, CGTP-IN, MPPM e Projecto Ruído); outros de iniciativa individual, muitos deles pintados à mão. A que se somavam os lemas repetidos ao megafone.

«Cessar-fogo já!», «Palestina vencerá!», «Parem de matar crianças», «Palestina existe (e, noutras vezes, resiste), o povo não desiste» ou «Muito bem, África do Sul», numa referência à iniciativa sul-africana de instaurar um processo no Tribunal Internacional de Justiça contra Israel por crime de genocídio (ver caixa nestas páginas e na página 25), eram apenas alguns deles.

Entre os participantes havia imigrantes, incluindo elementos da comunidade palestiniana, e um grupo de «judeus pela paz», que uma vez mais fizeram questão de rejeitar a ideia de que os crimes cometidos em Gaza o possam ser em seu nome: não se trata de religião, mas de ocupação, sabem-no.

A pouco mais de meio caminho entre as duas embaixadas estava a delegação do PCP, dirigida pelo seu Secretário-Geral. Em declarações à comunicação social, Paulo Raimundo reafirmou a exigência central que ali trazia milhares de pessoas, a de um cessar-fogo imediato e permanente na Faixa de Gaza, de modo a pôr fim ao massacre. Mas foi mais longe: defendeu o reconhecimento pelo Governo português do Estado da Palestina nas fronteiras anteriores a 1967 e com capital em Jerusalém Oriental, conforme determinado pelas resoluções das Nações Unidas.

Final: denunciar os criminosos

A marcha terminou junto à embaixada de Israel, com muitos a acompanharem de longe as intervenções, pois a rua não conseguia acolher todos quantos seguiram na manifestação.

Ali escutaram o médico João Miranda denunciar a destruição de hospitais e centros de saúde na Faixa de Gaza e alertar para os traumas de quem sofre bombardeamentos constantes, perde vizinhos, familiares e amigos e vê aquilo que de mais precioso tinha «desaparecer em pó em menos de um instante». E ouviram o jornalista Ricardo Cabral Fernandes falar do assassinato de mais de um jornalista por dia na Faixa de Gaza e a repudiar os que, «por todo o mundo, consciente ou inconscientemente, relatam a narrativa israelita como se fossem factos».

A activista palestiniana Manal Tamimi enviou uma mensagem à manifestação, na qual dizia que «na Cisjordânia e em Jerusalém os crimes cometidos não são menos brutais do que em Gaza. Jenin, Nablus e Tulkarem foram transformados numa pequena Faixa de Gaza». No meio deste «mundo aterrorizador em que vivemos», salientou que «não devemos perder a nossa humanidade», antes «devemos permanecer juntos, para rejeitar a injustiça e exigir justiça, paz e dignidade para todos os seres humanos».

Também Ajmad Shbita, Secretário Nacional da Frente Democrática para a Paz e a Igualdade (Hadash), de Israel, enviou uma saudação ao que considera ser uma «voz importante que prova que os povos do mundo estão ao lado do povo palestiniano e do seu direito à autodeterminação». Após lembrar que o fim da agressão é do interesse dos dois povos, o dirigente do Hadash denunciou ainda que dois dos seus deputados foram suspensos do Parlamento por defenderem a paz e os direitos dos povos, um dos quais enfrenta mesmo ameaça de expulsão.

E Abril, sempre Abril

A actriz Joana Figueira juntou-se no palco ao também actor (e encenador) Fernando Jorge Lopes e à cantautora Vanessa Borges para ler a intervenção das quatro organizações promotoras da manifestação. Nela repete-se os números da tragédia e nomeia-se os seus responsáveis; repudia-se os bombardeamentos massivos e indiscriminados sobre infra-estruturas civis, profissionais de saúde, trabalhadores humanitários e caravanas de refugiados; denuncia-se o assassinato – e decorrente silenciamento – de jornalistas, as sevícias e humilhações na Cisjordânia e Jerusalém e o uso da fome como arma de guerra.

CPPC, CGTP-IN, MPPM e Ruído valorizaram ainda a iniciativa meritória da África do Sul lembrando as palavras de Nelson Mandela após o fim do apartheid no seu país: «A nossa liberdade nunca estará completa sem a liberdade dos palestinianos.» E reafirmaram a sua solidariedade de sempre com a resistência do povo palestiniano e «com o seu direito a viver em paz na sua terra, livre de opressão, de discriminação e colonização, conforme o direito internacional».

No ano em que a Revolução de Abril cumpre meio século lembrou-se que entre os seus valores estão a paz, a cooperação, a soberania e o direito dos povos a resistirem à opressão – inscritos no artigo 7.º da Constituição da República Portuguesa. No fim, indiferentes à chuva que finalmente caía, cantou-se Grândola, Vila Morena, por uma terra – um mundo – de fraternidade.

No dia 24 a solidariedade volta à rua, no Porto (ver pág. 32).


Cresce o apoio mundial à iniciativa da África do Sul

O CPPC e o MPPM subscreveram uma carta que apela aos Estados de todo o mundo para que apoiem o processo da África do Sul que acusa Israel de violação da Convenção sobre o Genocídio, no Tribunal Internacional de Justiça. Até ao momento o número de organizações subscritoras ultrapassou já as 1500 em todo o mundo.

A carta apela aos Estados para que apresentem declarações de apoio ao processo iniciado pela África do Sul (o que pode ser feito em qualquer momento), com o objetivo de denunciar, responsabilizar e prevenir que Israel continue a praticar crimes contra o povo palestiniano, incluindo o de genocídio – como definido pela Convenção sobre o Genocídio.