«Abril exige casas para viver» fez-se ouvir em todo o País

No sá­bado, 27, ti­veram lugar grandes ac­ções po­pu­lares em todo o País para exigir o di­reito à ha­bi­tação, tal como está de­fi­nido na Carta dos Di­reitos Hu­manos e con­sa­grado no ar­tigo 65.º da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa: «Todos têm di­reito, para si e para a sua fa­mília, a uma ha­bi­tação de di­mensão ade­quada, em con­di­ções de hi­giene e con­forto e que pre­serve a in­ti­mi­dade pes­soal e a pri­va­ci­dade fa­mi­liar». Num con­texto de au­mentos bru­tais dos preços, há cada vez mais tra­ba­lha­dores cujos sa­lá­rios são in­su­fi­ci­entes para pagar uma pres­tação ou renda.

«Es­tamos fartos de es­co­lher, pagar a renda ou comer»

Em Lisboa, Porto, Se­túbal, Braga, Aveiro, Faro, Lagos, Por­timão, Al­bu­feira, Leiria, Coimbra, Viseu, Fun­chal, Co­vilhã, Évora, Beja, Sines e Por­ta­legre, as ma­ni­fes­ta­ções e con­cen­tra­ções – con­vo­cadas pela Pla­ta­forma Casa para Viver – acon­te­ceram poucos dias de­pois de o Banco Cen­tral Eu­ropeu (BCE) ter anun­ciado que deixou as taxas de juro inal­te­radas, o que acon­tece pela ter­ceira vez desde Ou­tubro de 2023, de­pois de as subir dez vezes desde me­ados de 2022.

Na sexta-feira, 26, em nota do seu Ga­bi­nete de Im­prensa, os de­pu­tados do PCP no Par­la­mento Eu­ropeu lem­bram que a ma­nu­tenção das taxas de juro de re­fe­rência nos 4,5 por cento «não deixa tudo na mesma» e traduz «a opção de au­mentar a dre­nagem de re­cursos dos tra­ba­lha­dores e das fa­mí­lias, assim como das em­presas, em es­pe­cial das micro, pe­quenas e mé­dias em­presas, para a banca, que con­tinua a ame­a­lhar cho­rudos lu­cros». A de­li­be­ração também se re­per­cu­tirá ne­ga­ti­va­mente nos custos do fi­nan­ci­a­mento do Es­tado.

«Mais de um mi­lhão de fa­mí­lias em Por­tugal estão e con­ti­nu­arão a ser afec­tadas pelos im­pactos gra­vosos dos juros ele­vados no au­mento dos custos dos em­prés­timos para compra de casa», de­nun­ciam os co­mu­nistas, que rei­teram a «ur­gência» de que a su­bida das taxas de juro de re­fe­rência seja re­ver­tida e que, no ime­diato, «de­verá ser a banca, e não as fa­mí­lias, a su­portar o im­pacto dos au­mentos já de­ci­didos».

A de­cisão do BCE foi igual­mente cri­ti­cada pelo Mo­vi­mento Porta a Porta – Casa para Todos, que in­tegra a Pla­ta­forma, uma vez que os «juros bru­tal­mente altos» ga­rantem «os lu­cros co­los­sais que a banca vem a acu­mular». «No nosso País, com estes juros, os mai­ores bancos, nos pri­meiros nove meses de 2023, acu­mu­laram 12,1 mi­lhões de euros de lu­cros lí­quidos por dia», de­nuncia o Porta a Porta.

Já o Mo­vi­mento Er­ra­dicar a Po­breza lembra que é da res­pon­sa­bi­li­dade do Es­tado as­se­gurar o di­reito à ha­bi­tação, através de uma po­lí­tica de ha­bi­tação in­te­grada no or­de­na­mento do ter­ri­tório e em planos de ur­ba­ni­zação, ga­ran­tindo a exis­tência de uma rede de trans­portes e de equi­pa­mento so­cial.

«Lutar para ter casas para morar»
Na ma­ni­fes­tação de Lisboa, o Se­cre­tário-Geral do PCP, Paulo Rai­mundo, afirmou mesmo que é pre­ciso «pôr os lu­cros da banca a su­portar o au­mento das taxas de juro». Avançou com ou­tras pro­postas, como «travar o au­mento das rendas» e «lançar um grande pro­grama na­ci­onal de ha­bi­tação pú­blica» (ver pag. 6 à 9). «São me­didas para res­ponder ao drama de mi­lhares de pes­soas», como se viu pela di­mensão da­quela acção. A de­le­gação do PCP in­te­grava também João Dias Co­elho, da Co­missão Po­lí­tica do Co­mité Cen­tral, Bruno Dias, membro do Co­mité Cen­tral e de­pu­tado na As­sem­bleia da Re­pú­blica, e Ana Jara, ve­re­a­dora na Câ­mara Mu­ni­cipal de Lisboa. No local es­ti­veram ainda He­loísa Apo­lónia e Ma­riana Silva, dos or­ga­nismos exe­cu­tivos do PEV, força que, com o PCP, forma a CDU.

A marcha ini­ciou-se na Ala­meda Dom Afonso Hen­ri­ques, onde um cartaz da Co­li­gação PCP-PEV lembra: «É o teu di­reito à ha­bi­tação que está na Cons­ti­tuição, não a es­pe­cu­lação». Nou­tros, re­corda-se os votos contra do PS, PSD, IL e Chega contra o con­trolo das rendas e a re­vo­gação da lei dos des­pejos.

Os muitos mi­lhares de pes­soas – com me­ga­fones e cravos em punho – par­tiram ao som das per­cus­sões dos Por­ba­tuka e de pa­la­vras de ordem como «Es­tamos fartos de es­co­lher, pagar a renda ou comer», «Que­remos casa, que­remos pão. Di­reito à ha­bi­tação», «Es­ta­bi­li­dade sim! Des­pejos não» ou «Baixem a pres­tação, subam os sa­lá­rios».

«Abril exige casas para viver» lia-se num pano que abria o des­file, se­guido de ou­tras rei­vin­di­ca­ções «por uma vida justa» e «contra a es­pe­cu­lação».

A ju­ven­tude marcou pre­sença em grande nú­mero, com os seus ar­gu­mentos: «queria sair da casa dos meus pais, mas a renda não deixou» e «custa o meu sa­lário», sendo igual­mente«ur­gente mais re­si­dên­cias pú­blicas». A estes jun­taram-se muitas ou­tras es­tru­turas e mo­vi­mentos uni­tá­rios de di­verso tipo.

Noutro cartaz alerta-se para os «já des­pe­jados» Gi­násio Alto Pina, Os Amigos do Minho, o Clube Re­cre­a­tivo dos Anjos, o Grémio Lis­bo­nense, o Grupo Ex­cur­si­o­nista Vai Tu, o Ma­rí­timo Lisboa Clube, o Sport Clube do In­ten­dente, o Lisboa Clube Rio de Ja­neiro, o Lu­si­tano Clube, o Grupo Des­por­tivo Zip Zip, o Crew Hassan e o Seara, numa lista que «con­tinua».

Di­fe­renças gri­tantes
Ao longo da Ave­nida Al­mi­rante Reis, com tantos edi­fí­cios de­vo­lutos como ho­téis lu­xu­osos e alo­ja­mentos tem­po­rá­rios, os ma­ni­fes­tantes pas­saram por cen­tenas de tendas e camas im­pro­vi­sadas, com es­trado de cartão, de pes­soas em si­tu­ação de sem abrigo, mas também de tra­ba­lha­dores, que não ga­nham o su­fi­ci­ente para pagar uma renda ou uma pres­tação. Uma si­tu­ação que se agrava todos os dias e se ex­pande para ou­tras zonas da ci­dade, por exemplo nas praças da Fi­gueira e Martim Moniz, lo­cais de pas­sagem obri­ga­tória nos ro­teiros tu­rís­ticos.

Aquela mul­ti­dão­con­ti­nuou pela Rua da Prata – onde se as­siste a uma lenta agonia das lojas his­tó­ricas que en­cerram, também, pelas rendas exor­bi­tantes – em di­recção ao Arco da Rua Au­gusta. Alifoi apre­sen­tado um ma­ni­festo onde se de­fendem me­didas para baixar as pres­ta­ções das casas; baixar e re­gular as rendas e pro­longar a du­ração dos con­tratos; pôr fim aos des­pejos, sem al­ter­na­tiva de ha­bi­tação; rever todas as li­cenças para a es­pe­cu­lação tu­rís­tica; o fim do Es­ta­tuto dos Re­si­dentes Não Ha­bi­tuais, dos in­cen­tivos para nó­madas di­gi­tais, das isen­ções fis­cais para o imo­bi­liário de luxo e fundos imo­bi­liá­rios; co­locar no mer­cado, de ime­diato, os imó­veis de­vo­lutos de grandes pro­pri­e­tá­rios, fundos e em­presas; au­mentar o parque de ha­bi­tação pú­blica.