Altos valores

Jorge Cadima

«A Ucrânia é um bom negócio para os EUA»

Na passada sexta-feira, Israel matou 83 palestinianos e feriu 125. Após 134 dias de massacre, o total de mortes subia para 28 858 (12 660 crianças), com 68 677 feridos. Israel atacou o Hospital Nasser (dos últimos em Gaza) e prendeu 70 membros do corpo médico. Pessoal médico raptado 15 dias antes noutro Hospital foi libertado com marcas de tortura. Fome e doenças alastram. Mas a notícia do dia que gerou indignadas manchetes e comunicados oficiais foi a estranha morte de Navalny numa prisão russa.

Bastaram minutos para que os que ao fim de 17 meses ainda «não sabem» quem sabotou os gasodutos NordStream já «soubessem» que Navalny fora «morto por Putin». Foram imediatas as condenações por quem, após 4 meses de genocídio, nunca condenou Israel. Pelo contrário, dão-lhe armas e apoio para prosseguir a chacina. EUA, Inglaterra e vários países da UE cortaram o financiamento à UNRWA, agência da ONU para os refugiados palestinianos da qual depende hoje quase toda a população de Gaza. O genocídio não é só tolerado. Torna-se política oficial.

Se o poder russo quis eliminar o preso Navalny, é estranho que o tenha feito um mês antes das eleições presidenciais. E que tenha escolhido o dia de abertura da Conferência de Segurança de Munique, que reúne altos dirigentes da NATO. Onde, por acaso, estava prevista uma intervenção da agora viúva Navalny. Não são de excluir outras possibilidades, desde morte natural ao homicídio perpetrado por outros actores.

Impossível numa prisão oficial? Jeffrey Epstein, provavelmente ligado aos serviços secretos de Israel, estava no centro duma rede de prostituição e pedofilia de luxo. Entre os seus contactos havia ex-presidentes dos EUA e membros da família real inglesa (independent.co.uk, 28.1.24). Esperavam-se revelações comprometedoras quando foi preso nos EUA em 2019. Não veio a acontecer. Um mês após a detenção, Epstein morreu na cela. A versão oficial é suicídio, mas só 16% dos americanos acredita e 45% acha que foi assassinado (YahooNews, 26.11.19). É justa a preocupação por condições prisionais. Mas é só unilateral? O ex-Presidente jugoslavo Milosevic morreu nos calabouços do tribunal especial criado ad hoc após a guerra da NATO. Ao fim de 22 anos, continua aberto o campo de concentração dos EUA em Guantánamo, fora do sistema judicial oficial. O jornalista norte-americano Gonzalo Lira foi preso pelo regime ucraniano e no dia 12 de Janeiro morreu na prisão. Julian Assange, após 7 anos refugiado numa Embaixada, está há 5 anos numa prisão de alta segurança inglesa. Os EUA pediram a extradição para o julgar ao abrigo da Lei de Espionagem. Arrisca uma condenação a 175 anos por revelar ao mundo crimes dos EUA.

Certo é que a morte de Navalny foi pretexto para relançar o belicismo que nos conduz à beira do abismo. Biden diz esperar «por Deus» que ela sirva para desbloquear a aprovação dos 60 mil milhões de dólares de «ajudas» para prosseguir a guerra na Ucrânia, entravada por disputas internas no poder norte-americano. Mas o SG da NATO lembra que os interesses são mais terrenos. Tentando convencer os Congressistas dos EUA, afirmou Stoltenberg: «A Ucrânia é um bom negócio para os Estados Unidos. A maioria do dinheiro que os Estados Unidos fornecem à Ucrânia é na realidade investido aqui nos EUA – comprando equipamento Americano que enviamos para a Ucrânia» (washingtonexaminer.com, 31.1.24). Os lucros cá, os mortos lá. É só «altos valores».




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